sábado, agosto 30, 2008

Olimpíada marca nova geopolítica e fim de hegemonias

Olimpíada marca nova geopolítica e fim de hegemonias

Pequim registra maior número de países com ouros e pódios e término do domínio dos EUA e da Rússia

Nações ricas têm queda no número de medalhas e de títulos olímpicos, enquanto restante do mundo avança com resultados inesperados

PAULO COBOS
ENVIADO ESPECIAL A PEQUIM

O Brasil perdeu sua hegemonia no vôlei masculino. A Mongólia ganhou ouro no boxe, e Cuba, não. A Islândia obteve sua primeira medalha da história em um esporte coletivo, no torneio masculino de handebol, na última final dos Jogos.
O último dia da Olimpíada de Pequim não poderia ter sido um retrato melhor sobre qual é o saldo esportivo do evento.
O triunfo da China no quadro geral de medalhas, o primeiro de um país que não seja Estados Unidos ou União Soviética em mais de 70 anos, é o fato principal de uma das mais dramáticas mudanças do mapa dos pódios olímpicos.
Mas não é o único.
Muitas das 958 medalhas distribuídas em Pequim tiveram o gosto do novo, redesenharam a relação de forças e colocaram um número recorde de países em cima do pódio.
Foram 87 nações medalhadas, 55 no lugar mais alto. Os recordes anteriores eram, respectivamente, 80 e 54.
E os países ricos perderam espaço. Na edição anterior dos Jogos, na Grécia, o grupo formado por EUA, Canadá, nações européias, Austrália e Japão ficou com 684 medalhas, 213 delas de ouro. O restante dos países do mundo, teve, respectivamente, 245 e 88.
Agora, na China, com apenas mais uma prova na disputa, os ricos foram 651 vezes ao pódio, 191 no lugar mais alto dele. Os "pobres" ganharam 307 medalhas, nada menos do que 111 delas do metal mais valioso.
Os EUA perderam para a China, mas a Rússia, outra grande potência do esporte na história, sofreu um tombo feio após baque por contusões e uma enxurrada de afastamento por causa de doping pouco antes da Olimpíada começar.
Foram 92 medalhas russas, ou 20 a menos do que nos Jogos de Atenas-2004, quando, como agora, terminou na terceira posição no quadro de medalhas.
Pela primeira vez desde que a União Soviética se desintegrou, a maior e mais importante das repúblicas que formavam o país somou um número de pódios menor do que as outras partes da antiga URSS.
As outras ex-repúblicas soviéticas somaram 99 pódios.
Os antigos satélites soviéticos na Europa também perderam espaço. Juntos, os países do Leste Europeu que eram alinhados com os comunistas conquistaram 18 medalhas de ouro na China, contra 25 na Grécia, há quatro anos.
No Caribe, quem ficou na frente no quadro de medalhas deste vez foi a Jamaica, que ganhou seis ouros, enquanto Cuba passou em branco no lugar mais alto do pódio no boxe e ainda perdeu a decisão do beisebol, o esporte nacional, para a Coréia do Sul. Os cubanos, que já rivalizaram com os EUA no Pan, ficaram atrás até do Brasil.
Os sul-coreanos, aliás, foram uma das grandes surpresas dos Jogos. Ganharam um ouro na natação pela primeira vez. No total, foram quatro ouros a mais do que na Grécia, fazendo o país subir duas posições -terminou na sétima posição.
Outros asiáticos também saborearam resultados positivos. Mongólia, Tailândia e Coréia do Norte conquistaram, cada um, duas medalhas de ouro.
Para o lugar mais alto do pódio foram, entre outros países do maior continente do mundo, Indonésia, Índia, Bahrein, Irã e Uzbequistão.

32 POSTOS

ascendeu a Grã-Bretanha no quadro de medalhas da Olimpíada nos últimos 12 anos. No grupo que disputa as primeiras posições, ninguém lucrou tanto como ela. O país ficou em quarto lugar, com 47 pódios, sendo que 19 no lugar mais alto. Um feito para quem, em Atlanta-1996, teve atuação de país médio, ficando atrás até do Brasil. Nesses Jogos, os britânicos ficaram em 36º lugar, com 15 medalhas, só uma de ouro. O investimento do país no esporte cresceu nos últimos anos, desde que Londres ganhou o direito de sediar a Olimpíada-2012. A expectativa é que os britânicos tenham base forte para os Jogos em casa.

Texto da Folha de São Paulo, de 25 de agosto de 2008.


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Guerra do Paraguai

Guerra do Paraguai trouxe avanços para a medicina

Pesquisa inédita aborda asilo para soldados que ficaram inválidos em combate, criado no Rio de Janeiro em 1868

"Inválidos da Pátria" eram em geral pobres e muitos foram escravos; além de ferimentos das batalhas, o cólera também era ameaça

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Muitas cidades brasileiras têm uma rua "Voluntários da Pátria", em homenagem aos soldados que foram à Guerra do Paraguai (1864-1870); certamente nenhuma tem uma rua "Inválidos da Pátria".
Assim eram chamados os feridos da mesma guerra que retornavam ao país, doentes ou mutilados. Para abrigá-los, o Império inaugurou há 140 anos, em 29 de julho de 1868, o Asilo dos Inválidos da Pátria, localizado na Ilha do Bom Jesus, baía da Guanabara.
O historiador paulista Marcelo Augusto Moraes Gomes fez um pioneiro trabalho sobre o asilo em tese de doutorado aprovada na USP. Ele mostra como a necessidade de lidar com milhares de feridos em uma guerra na qual a tecnologia bélica havia progredido de modo intenso provocou avanços na medicina no país, no tratamento tanto de doenças infecciosas quanto de traumas provocados pelo combate.
Ao analisar o tipo de ferimento dos relatórios e tratados médicos, ele pôde entender também como era a "face da batalha". Além de mortes por cólera ou ferimentos por baionetas e projéteis de fuzil de maior velocidade, ele mostrou o que acontecia a bordo dos encouraçados brasileiros quando atingidos pela artilharia paraguaia. Esses navios estavam entre os mais modernos do mundo, pois a guerra acelerou não só progressos na medicina, como na tecnologia bélica e industrial.
Gomes lia, nos anos 1990, uma biografia do brigadeiro Antônio de Sampaio (1810-1866), morto em decorrência de ferimentos causados na batalha de Tuiuti, quando topou com uma rápida menção ao asilo -os restos mortais do atual patrono da Infantaria foram temporariamente guardados ali. O historiador ficou curioso. "O asilo existiu por mais de um século e no Exército quase nada se comenta sobre ele", diz.
Gomes descobriu, então, uma cópia de um livro de 1869 de um dos primeiros capelães do asilo, Manoel da Costa Honorato, que serviu de ponto de partida para a pesquisa.

Abrigos para inválidos
O asilo foi construído junto à antiga Igreja do Bom Jesus da Coluna, erguida pelos franciscanos no começo do século 18. Duas semanas atrás ela foi reaberta, depois de obras de restauro que duraram quatro anos, feitas em parceria pela Fundação Cultural do Exército e a Escola de Belas Artes da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
A igreja costumava ser freqüentada pela família real, na pacata ilha no fundo da baía. Hoje ela deixou de ser uma ilha isolada, ligada por aterro à maior ilha do Fundão, onde está o campus da UFRJ.
Antes mesmo da inauguração oficial no dia do aniversário da princesa imperial, que contou com a presença do próprio imperador Dom Pedro 2º, já havia abrigos provisórios para feridos de guerra na capital do império, por exemplo, na Praia Vermelha, no Rio, e na ponta da Armação, em Niterói.
Esse tipo de estabelecimento foi criado para receber homens invalidados em combate -no estilo do francês Hotel dês Invalides, onde hoje se situa um museu e a tumba de Napoleão.
A guerra começou em 1864, quando o ditador paraguaio Solano López mandou aprisionar o navio a vapor brasileiro "Marquês de Olinda", que acabara de partir de Assunção, em represália à intervenção do Brasil na guerra civil uruguaia.
Foi a guerra com o maior grau de mobilização da sociedade, relativamente mais até do que a participação brasileira na 2ª Guerra Mundial, especialmente em número de soldados recrutados e na proporção destes com a população do país.
Havia também uma importante dimensão sanitária, lembra Gomes. A ciência não havia tornado claro como muitas doenças eram adquiridas e quais delas teriam chance de contágio através de contato dos doentes. Por isso, o asilo foi criado em um local relativamente isolado.
Os asilados eram obviamente pobres, muitos eram ex-escravos. Depois de grandes batalhas, chegavam imensas levas de inválidos de uma só vez. Isso criava uma questão disciplinar, pois havia receio da sociedade sobre o comportamento dessa soldadesca desmobilizada.

"Miasmas"
A chegada de navios com inválidos era particularmente temida pelas autoridades pelo risco de espalhar doenças na capital do império. Na metade do século 19, era dominante a teoria dos "miasmas" para explicar doenças infecciosas como o cólera. A causa das doenças estaria em emanações pútridas, em "ares" maléficos.
Um golpe nessa teoria fora dado em 1854, quando o médico britânico John Snow mostrou que um surto de cólera em Londres vinha da água contaminada de uma bomba d'água pública. Snow não conseguiu identificar o micróbio causador da doença. A teoria rival, dos germes, ainda não era muito aceita. Só o seria depois dos trabalhos do francês Louis Pasteur na década seguinte. E apenas em 1885 o alemão Robert Koch identificaria a bactéria Vibrio cholerae como a causadora da doença.
O cólera atacou as tropas da tríplice aliança criada para resistir ao ataque paraguaio. Antes de ser designado para o asilo, o capelão Honorato esteve no Paraguai e foi encarregado de cinco hospitais em Corrientes, Argentina, em março de 1867, para tratamento das vítimas do cólera.
Gomes cita uma dissertação de 1869 sobre o cólera, defendida na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro por um ex-cirurgião do exército brasileiro presente no Paraguai, Silvino José de Almeida. Ele já acreditava que o cólera fosse uma moléstia contagiosa, pois, escreveu Almeida, "o homem atacado de cólera era o principal agente de importação e propagação da moléstia". Para ele, "o transporte marítimo era o mais perigoso e o mais apto para a propagação da moléstia".
Gomes cita casos relatados por Carlos Frederico dos Santos Xavier de Azevedo, cirurgião-mor da Armada, em tratado médico de 1870. Por exemplo, Camilo Jacinto Fernandes, de Santa Catarina, 19 anos, "Imperial [marinheiro] de 2ª classe, e praça do encouraçado Colombo, entrou para o Hospital de Sangue da Esquadra, em operações do rio Paraguai, a 5 de Outubro, trazendo um ferimento, por estilhaço de bala, na região ilíaca externa do lado esquerdo". Fernandes morreu, e o tal estilhaço era provavelmente um rebite da couraça do navio (veja infográfico à dir.).
O médico em um trecho parece premonitório sobre um tipo de baixa que se tornaria mais comum nas grandes guerras do século 20, o ferimento de origem psiquiátrica: "(...) tivemos com nossos colegas ocasião de apreciar depois de bombardeamentos, ou combates, em que se empenhava a Esquadra, agravarem-se os sintomas de febres intensas, sucumbindo, algumas vezes, os doentes".

Texto da Folha de São Paulo, de 24 de agosto de 2008.


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sexta-feira, agosto 29, 2008

A vida e a morte, por Fernando Gonsales

Israel prepara exibição online dos Manuscritos do Mar Morto

Usando fotografia digital, cientistas também estão desvendando setores antes ilegíveis dos pergaminhos

Ethan Bronner - The New York Times

JERUSALÉM - Em um laboratório lotado e pintado de cinza, frio como uma caverna, meia dúzia de especialistas embarcaram, nesta semana, em um ato histórico: fotografar digitalmente cada um dos milhares de fragmentos dos Manuscritos do Mar Morto com o objetivo de tornar o arquivo completo - um dos documentos mais examinados do mundo - disponível para download na internet.

Equipados com poderosas câmeras que produzem imagens de grande resolução e lâmpadas que não emitem nem calor nem raios ultravioleta, os cientistas e técnicos estão desvendando setores antes ilegíveis, descobertas que podem ter um impacto significativo.

Os manuscritos de dois mil anos, encontrados na década de 1940 nas cavernas próximas ao Mar Morto em Jerusalém, contêm as cópias mais antigas já encontradas de todos os livros da Torá (exceto do Livro de Esther), assim como textos apócrifos e descrições de rituais dos judeus na época de Jesus Cristo. Os textos, a maior parte em peles mas alguns, em papiros, datam do terceiro século antes de Cristo ao primeiro século depois de Cristo.

Apenas uma pequena parte dos manuscritos existe em pedaços grandes, diversos deles em exibição permanente no Museus de Israel. A maior parte deles foi encontrada em 15 mil pedaços que totalizam 900 documentos, gerando diversas discussões sobre como ordenar as partes de maneira correta, assim como sobre a origem e significado do que está escrito neles.

A história contemporânea dos manuscritos também é tortuosa, porque eles estão entre as fontes mais importantes de informação sobre os judeus e o início da cristandade. Após sua descoberta inicial eles foram mantidos em um pequeno círculo de acadêmicos. Nos últimos 20 anos o acesso aos documentos aumentou significativamente, e em 2001 eles foram publicados na íntegra. Mas o debate ao seu redor apenas aumentou.

Acadêmicos pedem continuamente à Autoridade Israelense de Antiguidades, mantenedora dos manuscritos, acesso aos documentos, e museus de todo o mundo querem usá-los em suas exposições. No próximo mês, o Museu Judaico de Nova York vai iniciar uma exposição com seis dos manuscritos.

Os detentores dos manuscritos, pessoas como Pnina Shor, chefe do departamento de conservação de antiguidades, estão satisfeitos com tamanho interesse, mas argumentam que cada vez que os manuscritos são expostos à luz, umidade ou calor, eles se deterioram. Ela diz que mesmo sem essa exposição eles estão se deteriorando porque a tinta usada em alguns dos manuscritos, assim como as fitas adesivas usadas por acadêmicos na década de 1950, estão grudando os pedaços.

A coleção inteira foi fotografada apenas uma vez até agora - em 1950, usando infravermelho - e essas fotografias estão guardadas em uma sala de temperatura controlada porque mostram coisa que já se perderam dos manuscritos. Essas fotos também serão digitalizadas.

Esse processo levará de um a dois anos - ainda mais até chegar na web - e está sendo liderado por Greg Bearman, cientista aposentado do Jet Propulsion Laboratory da Nasa.


A notícia foi vista no Estadão.com.br .

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quinta-feira, agosto 28, 2008

A religião, uma revolução silenciosa na China

A religião, uma revolução silenciosa na China

Frédéric Bobin
Enviado especial a Pequim


O crucifixo preto destaca-se sobre o branco da parede. Predomina na sala uma claridade intensa, como que irradiada pela luz que penetra através dos vidros deste apartamento empoleirado no topo de uma torre situada num conjunto habitacional de Pequim, não longe da vila olímpica. Atrás do seu púlpito improvisado, o pastor Li, segurando um livro de salmos, canta às bandeiras despregadas. Ao lado dele, uma adepta o acompanha no piano. Na sua frente, cerca de vinte crentes entoam, por sua vez, as louvações evangélicas. Eles estão sentados em cadeiras metálicas de encosto acolchoado. Em sua maioria, são trintões e quadragenários. Eles correspondem a perfis variados, entre os quais se misturam donas de casa, intelectuais de óculos, jovens mulheres antenadas trajando blusas regatas ou rapazes com cabelos cortados no estilo "ouriço".

Yu Jie está em pé, ligeiramente afastado da platéia. Ele está mergulhado no recolhimento. Este rapaz de tez pálida e rosto arredondado segura uma Bíblia entreaberta nas palmas das suas mãos. Ele a folheia quando o pastor prega "o amor de Deus". A sua discrição é enganadora: de fato, Yu Jie é uma personalidade de peso nesta igreja não-oficial que celebra o culto nesta tarde de domingo de julho. A igreja da Arca, que nasceu por obra de um grupo de orações organizado pela sua mulher, deve muito à sua abnegação, e também ao seu prestígio pessoal.

Yu Jie é o que costumam chamar de "dissidente". Um ensaísta liberal, admirador da democracia americana - e, a esse título, um inimigo declarado dos nacionalistas chineses mais extremistas -, ele é vigiado de muito perto pela Segurança de Estado, que, contudo, o deixa livre de restrições, controles ou limitações. Em decorrência de uma extensa reflexão política e espiritual, ele abraçou a fé cristã em 2003. Um expoente da vertente pequinesa das "igrejas em domicílio" - as quais são estruturas não-oficiais toleradas, mas que evoluem em meio a um contexto precário -, ele é atualmente um dos intelectuais protestantes mais destacados da capital. Junto com dois dos seus correligionários, ele foi até mesmo recebido em 2006 em Washington por George W. Bush, o que provocou o furor do regime chinês.

Fé e política intimamente ligadas
Yu Jie é apenas um exemplo entre tantos outros. Ele encarna uma pequena revolução silenciosa: no decorrer dos últimos anos, um número crescente de intelectuais liberais na China urbana vem aderindo ao protestantismo. Além de Yu Jie, os mais conhecidos são Wang Yi, Li Baiguang, Gao Zhisheng, Jiao Guobiao, Li Heping, Li Jinsong, Ai Xiaoming. Quase todos eles são professores e juristas envolvidos na defesa dos direitos cívicos. Eles representam a parte visível de um fenômeno mais amplo.

Após ter tomado conta das regiões rurais durante os anos 1980, o fervor religioso - entre outros, o da confissão cristã - vem conquistando espaços nas grandes cidades, em particular no âmbito de uma classe média à procura de valores espirituais como forma de reação ao materialismo dominante. As estatísticas oficiais menosprezam a real importância deste ressurgimento da fé. Segundo as estimativas mais confiáveis de alguns especialistas, a China contaria atualmente entre 40 e 50 milhões de protestantes, além de 10 a 12 milhões de católicos, ou seja, comunidades cristãs que representam cerca de 5% da população. Trata-se de uma parcela ainda muito minoritária, mas que está em processo de expansão.

No caso de Yu Jie, a fé e a política estão intimamente ligadas. Com 35 anos, ele é jovem demais para ter participado da primavera estudantil de 1989 na Praça Tiananmen. Mas o esmagamento, sob as lagartas dos tanques, do sonho democrático nunca parou de assombrá-lo. No decorrer da sua reflexão, a religião foi se impondo como um substituto para um ideal político inacessível. E no contexto desta busca, o cristianismo despontou com a mais sedutora das tentações. "Os valores liberais encontram a sua fonte no cristianismo", analisa. "A tradição chinesa não me satisfaz deste ponto de vista: não é possível encontrar referências à liberdade e aos direitos humanos no confucionismo"*.

Yu Jie leu muito, mergulhou na história da evangelização em terra chinesa, refletiu a respeito dos vínculos entre o cristianismo e a modernidade. Ele conseguiu dimensionar o papel do protestantismo na formação das elites reformistas na China, no início do século 20, a partir dos conhecimentos que ele encontrou, em particular, na obra de Sun Yat-sen (1866-1925), o fundador da República. "Quanto mais eu fui lendo, quanto mais fui descobrindo que a religião cristã havia contribuído para a modernização da sociedade chinesa antes da revolução de 1949", prossegue. "Ora, esta contribuição é totalmente ocultada pelos nossos manuais de história oficiais, que apresentam o cristianismo como o instrumento do imperialismo ocidental".

"Eu acabei alimentando um ódio pela sociedade"
Wang Guangze é um outro representante desses intelectuais neoprotestantes. Um jornalista dissidente, antigo funcionário do "Diário da Lei" e de "Reportagem Econômica do Século 21" - publicações das quais ele foi excluído por conta das suas opiniões democratas -, ele tem a mesma idade que Yu Jie. Da mesma forma que para este último, o trauma de Tiananmen exerceu um papel considerável em sua evolução espiritual. Em maio de 1989, ou seja, antes da repressão do movimento, ele era apenas um colegial na província do Henan, mas havia participado das manifestações de apoio que então haviam tomado conta como uma febre da juventude pelo país afora. A intervenção sangrenta dos tanques na Praça Tiananmen o deixou totalmente "desesperado".

"Eu estava tão desiludido", recorda-se, "que acabei alimentando um ódio pela sociedade, esta sociedade que se tornara a escrava do poder". Após ter concluído seus estudos de direito, ele procura curar-se dessa raiva. As tradições chinesas, como para Yu Jie, não lhe proporcionam o auxílio de que precisa. "O confucionismo se caracteriza por ser um pensamento da elite", critica Wang Guangze, "enquanto o budismo não aponta outra meta senão a de tornar-se um santo". Mas ele segue procurando, lendo, discutindo a respeito dos caminhos da salvação com os seus amigos. O que transforma o cristianismo numa revelação repentina para ele, explica, é a "noção de pecado". Nisso ele descobre - finalmente! - a chave que lhe permite livrar-se da sua execração para com o mundo. "Nós todos somos pecadores", diz. "Não existem pessoas mais nobres do que outras". "Foi assim que apazigüei a minha cólera contra o Partido Comunista", prossegue. "Os comunistas são pecadores assim como eu, mesmo se eles estão a serviço de um sistema que oprime".

Com isso, Wang Guangze torna-se então "tolerante", "moderado", e ele avalia ainda que "é preciso ajudar uns aos outros entre pecadores". Ele fundou uma associação que preconiza a "reconciliação" na China, inspirada no modelo sul-africano.

Fan Yafeng é outro que reencontrou a paz da alma graças a Deus. Um jurista na Academia das Ciências Sociais, ele tinha 20 anos em 1989. Ele havia viajado da sua província do Anhui para Pequim com o objetivo de acompanhar de muito perto a rebelião estudantil. "Depois da repressão, eu acabei ficando totalmente deprimido", recorda-se. "Ao longo de muitos anos, senti-me fraco, frágil, vazio". Ele tenta então aproximar-se do budismo, mas este não oferece respostas para as suas "interrogações a respeito do sentido da vida". No inverno de 1996, surge finalmente a revelação. Um amigo pastor que, por sua vez, havia passado do hinduismo para o protestantismo o convida para assistir ao culto de uma "igreja em domicílio". "Na ocasião, vi pessoas irradiando felicidade, pessoas muito simples, uma cabeleireira, uma empregada de uma companhia de seguros", recorda-se. "O rosto de todas elas estava iluminado". Alguns meses mais tarde, Fan Yafeng é batizado. Enquanto os eventos de 1989 haviam precipitado seus tormentos passados, hoje ele se nega, contudo, a politizar excessivamente sua descoberta da fé: "As nossas igrejas permitem salvar as almas, não a sociedade".

Nem todos os neoprotestantes de Pequim estão imbuídos de uma tão grande beatitude. Um homem de cabelos compridos com madeixas ruivas, Wang Wangwang, é um artista pintor e um célebre criador de cartazes muito requisitado pela vanguarda da capital. Ele converteu-se em 2004 porque, apesar dos seus sucessos e da sua boa situação financeira, ele sentia "um vazio espiritual". Quatro anos mais tarde, ele optou por tomar certa distância em relação ao culto. "Eu senti em mim", diz, "uma contradição, um conflito entre certos valores ocidentais vinculados ao cristianismo e os valores chineses dos quais sou portador". Desde então, ele vem se esforçando para "harmonizá-los" entre si. Wang Wangwang sublinha que ele acabou conseguindo alcançar uma "síntese satisfatória". Mas, o preço que ele teve de pagar para tanto foi um processo de desengajamento em relação à "igreja em domicílio" à qual ele havia aderido. Ele prefere "praticar" sozinho, em sua casa, no meio da mais completa bagunça dos seus quadros, nos quais o Cristo é visto disputando espaços com Mao Tse-Tung.

*Nota do tradutor - Confúcio (551 a.C. - 479 a.C.) é considerado como o primeiro "educador" da China; os seus ensinamentos deram origem a uma doutrina política e social.

Tradução: Jean-Yves de Neufville

Texto do Le Monde, no UOL.

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O que se leva da vida

"O que se Leva da Vida É a Vida que se Leva"

Título do primeiro disco do rapper Túlio Dek, segundo a coluna de Mônica Bérgamo na Folha de São Paulo, de 21 de agosto de 2008. E também um aforismo interessante.

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Liturgia da Morte

A liturgia da morte



SEUS OLHOS PROCURAVAM no rosto do médico uma resposta para a pergunta que ele fazia sem palavras. Mas o médico esquivava-se do seu olhar e virou o seu rosto para as radiografias presas no visor iluminado.
Na verdade, ele representava, fingia estar examinando as radiografias. Ele não precisava examiná-las porque sabia o que elas diziam. Ele olhava para as radiografias para fugir da pergunta que morava no olhar do homem assentado à sua frente.
Eram radiografias de um cérebro. Quando ele parasse de fingir e olhasse direto nos olhos do homem, ele teria de dar a notícia.
"Há um tumor maligno no seu cérebro", ele disse. É um tumor inoperável..." Depois de um longo silêncio, o homem lhe perguntou com voz tranqüila: "Quanto tempo me resta, doutor?".
"Não é possível dizer ao certo", respondeu o médico. "Mas penso que uns seis meses..."
O homem voltou-se para sua esposa assentada ao seu lado e lhe disse: "Chegou a hora de viver a liturgia da morte...".

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/images/ep.gif

Eu o conhecia. O seu nome era Alexander Schmemann, teólogo da Igreja Ortodoxa Russa. Essa igreja tem uma maneira peculiar de ver o mundo. As igrejas cristãs do Ocidente vêem o mundo como um vale de lágrimas colorido pela culpa e pelo medo. A Igreja Ortodoxa Russa vê o mundo como um espetáculo estético. Tudo é belo. Tudo é harmonioso. Deus é um esteta, um artista que vive para produzir a beleza. É a beleza que nos salva.
Essa harmonia cósmica, a Igreja a oferece aos homens por meio da liturgia. A liturgia é a beleza do universo oferecida aos sentidos: os carrilhões, o incenso, os cânticos, os vitrais e os gestos coreográficos. Participar da liturgia é unir-se ao universo e gozar da sua beleza, da mesma forma como um músico se une à sinfonia e goza da sua beleza ao tocar seu instrumento.
"Chegou a hora de viver a liturgia da morte..." Em outras palavras: chegou a hora de salvar a morte do seu horror para torná-la parte da beleza cósmica.
Há um parágrafo em "A insustentável leveza do ser", de Milan Kundera, que talvez nos ajude a entender esse mundo: "O ser humano, guiado pelo sentido da beleza, transpõe o acontecimento fortuito para fazer dele um tema que, em seguida, fará parte da partitura de sua vida. Voltará ao tema repetindo-o, modificando-o, desenvolvendo-o, transpondo-o, como faz um compositor com os temas da sua sonata. O homem, inconscientemente, compõe a sua vida segundo as leis da beleza, mesmo nos instantes do mais profundo desespero".
Deus é um esteta que ama a beleza. O homem é um esteta que ama a beleza: foi criado à imagem e semelhança de Deus. O homem, qualquer homem, sem o saber, compõe a sua vida como uma peça musical. O fim tem que ser belo, ainda que trágico.
No seu livro "O mito de Sísifo", Camus sugeriu que os suicidas preparam sua morte como uma obra de arte a ser contemplada. Como os samurais que, antes de praticar o seppuku, escreviam um hai-kai. Por que escrever um hai-kai? Para retirar o terror da morte pela magia da poesia.
Acho que esse é o desejo oculto de todas as pessoas: que a morte não seja o terror, mas uma nova namorada, como sugeriu o Vinícius...
Schmemann nunca explicou o sentido da liturgia da morte. Mas eu imagino que a liturgia da morte seria marcada pela purificação do tempo restante para que a beleza cresça à medida em que o acorde final se anuncia...

Texto de Rubem Alves, na Folha de São Paulo, de 19 de agosto de 2008.


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quarta-feira, agosto 27, 2008

Gonsales, e o gatinho

terça-feira, agosto 26, 2008

O Relógio do Edifício do Relógio está funcionando




Eu só reparei hoje, dia 25 de agosto, que o relógio do prédio que me acostumei a chamar de Edifício do Relógio, na Rua dos Andradas, 1155, está funcionando.
Cheguei a perguntar ao porteiro do tal prédio, desde quando o relógio havia voltado a funcionar. Ele não soube me precisar, informou cerca de dois meses atrás, mas que havia sido noticiado na imprensa, na época.
Eu acho muito bom. Comecei a trabalhar no Centro de Porto Alegre, em 1981, e naquela época o relógio já estava parado. Acredito que parou muito antes que eu tivesse começado a trabalhar. Agora, vinte e tantos anos após eu tomar conhecimento da existência daquele relógio, ele volta a trabalhar.
E qual o fato espantoso a respeito? Não sei. Eu gosto de relógios. E gosto de coisas que façam aquilo para o qual foram projetadas. Acho que um imenso relógio parado no alto de um prédio em uma grande cidade, me parecia como uma ruína. E como a cidade não foi bombardeada para que a ruína fosse mantida como monumento, aquele relógio parado me parecia fora de lugar.
Funcionando, o relógio valoriza um pouco mais a cidade.

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Fim da Privacidade

Sabe aquilo que chamávamos privacidade?

FÁBIO ULHOA COELHO

A PRIVACIDADE acabou. Câmaras de vídeo estão espalhadas por estacionamentos, lojas, bancos, edifícios, ruas, por todos os lugares. Sofisticados apetrechos eletrônicos gravam conversas à distância, dispensando a implantação de microfones no ambiente monitorado.
Telefonemas e mensagens transmitidas pela internet são interceptados sem dificuldade. Já se organizam gigantescos bancos de dados reunindo simplesmente todas as informações existentes sobre todos nós.
Nem mesmo nossos pensamentos e desejos íntimos parecem estar a salvo. Está em fase de finalização para lançamento no mercado a Epoc, uma máquina que lê pensamentos. Ainda é um tanto rude e sua eficácia depende, às vezes, de movimentos "interpretativos" dos braços. Será inicialmente usada para entretenimento em jogos eletrônicos, mas, logo mais, virão o aperfeiçoamento e outros usos; nem meditando teremos sossego.
A tecnologia acabou com a privacidade e vai acabar com o direito à privacidade. Por algum tempo, legisladores e juízes ainda vão fingir que o protegem, mas esse direito, como tantos outros, não resistirá ao cerco da tecnologia. O constitucionalista norte-americano Lawrence Lessig insiste, há quase duas décadas, que a lei não é mais feita pelos legisladores, e sim pelos programadores de informática. O software ("code") é a lei. Ou, de modo mais geral, a tecnologia é a lei.
Dou dois exemplos de morte de direitos consagrados na ordem jurídica, mas que deixaram de existir porque os tribunais simplesmente não conseguem deter a avassaladora evolução tecnológica.
O primeiro é o direito de autor e conexos relacionados à obra musical.
Músicos, cantores, compositores, arranjadores e produtores não têm mais, hoje em dia, como impedir a reprodução pirateada de suas obras e interpretações pela internet. Evaporou-se em poucos anos a chance de ganho desses criadores com a venda de CDs. A lei continua a garantir o direito deles, mas, como tornar esse direito efetivo se, para tanto, seria necessário identificar e processar milhões de usuários de programas de compartilhamento?
O segundo exemplo busco na declaração de advogado da Microsoft, feita em julho de 2007, de que a empresa tinha decidido não promover ações judiciais contra o desrespeito a mais de duas centenas de suas patentes por vários programas de código livre, incluindo o Linux, em razão dos custos.
Se a poderosíssima Microsoft não vê mais vantagem econômica em acionar o aparato judicial para tentar defender suas patentes, então não existe de fato o direito que a lei teoricamente lhe concede.
O direito à privacidade terá o mesmo fim. A disseminação dos meios tecnológicos de invasão da esfera privada de nossa vida será de tal ordem que pouco ou nada poderão fazer os legisladores e juízes no mundo todo. Para muitos, um mundo sem privacidade é algo a lamentar. Os que mais reclamam do novo cenário evidentemente são os que cometem crimes, traem ou fazem algo errado.
Mas, talvez, não seja o caso de nutrir tanto pessimismo. Por paradoxal que possa parecer, um mundo sem privacidade pode ser mais seguro e tolerante.
Privacidade e segurança estão relacionadas de modo complexo. O sigilo bancário deve ser resguardado para a segurança das pessoas contra seqüestro, por exemplo. Mas não faz o menor sentido protegê-lo para dificultar a identificação e a punição de corruptos, corruptores, sonegadores de impostos ou lavadores de dinheiro.
Em termos gerais, no entanto, todos conseguem perceber que o aumento da segurança implica certa restrição à privacidade, e as câmaras instaladas nos elevadores dos prédios onde moramos e trabalhamos nos provam isso.
Além de mais seguro, o mundo sem privacidade pode ser também mais tolerante. Deixando de lado os que desejam encobrir crimes, traições ou deslizes morais, quem mais zela por sua privacidade são as vítimas de preconceito. Elas o fazem de modo legítimo. Mas, quanto menos barreiras separarem as pessoas, mais elas irão se conhecer. Quanto mais íntimos forem umas das outras, crescem as chances de se compreenderem e se aceitarem. O excessivo apego à privacidade pode nos conduzir a uma sociedade de falsos, patéticos avatares.
O fim da privacidade e do direito à privacidade talvez não seja, enfim, uma má notícia.


FÁBIO ULHOA COELHO , advogado, doutor em direito, é professor titular de filosofia do direito, direito comercial e empresarial da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

Texto publicado na Folha de São Paulo, de 21 de agosto de 2008.


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Inglaterra transformada

Inglaterra transformada

NO SOPÉ DAS colinas a nordeste de Tiverton, cidade do Condado de Devon, fica uma pequena aldeia chamada Morebath. Não se trata de lugar excepcionalmente notável. De fato, não passa de uma coleção corriqueira de fazendas e de uma igreja feia que foi reconstruída no século 19.
Mas a aldeia tem um legado único. Entre 1520 e 1574, em meio ao drama da reforma protestante na Inglaterra, o pastor da paróquia de Morebath, sir Christopher Trychay, manteve registros precisos sobre a paróquia. Edmund Duffy, historiador da igreja na Universidade de Cambridge, utilizou essa rica documentação, repleta de comentários idiossincráticos e excêntricos e hoje parte do acervo do Devon County Record Office, para oferecer aos leitores modernos um panorama notável sobre aquela era turbulenta em uma distante comunidade cuja principal atividade era a criação de ovelhas.
Morebath, em 1549, se viu apanhada na grande rebelião do oeste da Inglaterra, provocada pela imposição do Book of Common Prayer, que estabelecia a liturgia e preces protestantes. A pressão por uma reforma religiosa havia crescido dramaticamente na década de 1540. Mas, ao mesmo tempo, as fontes de renda das paróquias em lugares como Morebath haviam sido em sua maioria removidas.
Em 1549, de fato, a igreja de Morebath havia perdido suas imagens e adereços rituais -como bandeiras e panos de altar sacros-, e as vestimentas religiosas estavam todas escondidas. As organizações locais da paróquia, que haviam sido até então parte tão vital da vida da aldeia, foram debandadas.
A imposição do livro de preces protestante foi acompanhada por novas demandas fiscais sobre as ovelhas e a lã. Foi a última gota. Pelo começo de julho de 1549, a população rural dos Condados de Devon e da Cornualha tomou armas e marchou contra a capital regional, Exeter, que foi cercada. As demandas dos revoltosos incluíam a supressão da nova liturgia protestante e o restabelecimento do Purgatório e das missas diárias. O governo em Londres reagiu enviando soldados profissionais e mercenários. A "Rebelião do Oeste" foi esmagada impiedosamente. Até 4.000 rebeldes do oeste inglês foram perseguidos, capturados e executados.
A história da dinastia Tudor, especialmente a de Henrique 8º e seus filhos -Eduardo, Mary e Elizabeth-, ainda domina a consciência pública britânica. Mas é muitas vezes narrada em forma de intrigas palacianas e diplomacia européia.
Duffy demonstra acima de tudo como a Inglaterra rural foi transformada, de maneira irrevogável e ocasionalmente violenta. Depois do século 16, mesmo em Morebath, um dos cantos mais remotos da Inglaterra, a vida, tanto religiosa como em todas as suas outras dimensões, jamais seria a mesma.


KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras nesta coluna.


Tradução de PAULO MIGLIACCI .

Texto da Folha de São Paulo, de 21 de agosto de 2008.

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sábado, agosto 23, 2008

Blog do Bob Fernandes cita Maurren


"É ouro no choro, Brasil. Amigas me ligam do Brasil para contar que grande diversão aí é chorar com os choros daqui - quase sempre de tristeza - e, enquanto choram, trocar telefones sobre quem chorou melhor. A Maurren, claro, também chorou, dessa vez de alegria.

Enredada no doping em 2003, suspensa por 2 anos, a Maggi levantou, sacudiu a poeira e deu a volta por cima. Com 7,04m levou por um centímetro no salto em distância e fez história como a primeira mulher do Brasil a ganhar uma medalha de ouro em categoria individual.

Pelos ecos que chegam ressurgiu aí, logo em seguida ao grande feito de Maurren, certa patriotada midiática. Aquele constrangimento provocado pela habitual busca da emoção familiar diante das câmeras só não foi maior, me contam, porque Sofia, filha da Maurren, melou o clima ao dizer à mãe que preferia “a prata”."

Trecho do blog do Bob Fernandes, no Terra Magazine.


Estas coberturas do Bob Fernandes são interessantes. Lembro que durante e Copa América de Futebol, na Venezuela, cada vez que ele citava os jornalistas brasileiros que faziam a cobertura do evento, ele incluído, referia-se a “os objetivos, os imparciais”.


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Ouro para Maurren Maggi no salto em distância

Ouro para Maurren Maggi no salto em distância


“Gente, é muuiita emoção!” - Chiste-bordão de Helio de la Peña, do programa Casseta e Planeta Urgente.

“ E ouro em cafonice pra Globo: "A medalha é de bronze, mas o sorriso é de ouro". "Foi bronze, mas com sabor de ouro." Rarará! ” - José Simão, colunista-humorista do jornal Folha de São Paulo.

“... a lágrima é verdadeira!” - Renato Russo, na letra da canção Perfeição, do disco O Descobrimento do Brasil, da Legião Urbana.


Nesta sexta-feira pela manhã, para nós, já noite em Pequim, na China, onde se realizam as Olimpíadas de Verão deste ano de 2008, a atleta brasileira Maurren Maggi se sagrou campeã na modalidade de salto em distância para mulheres. Foi a primeira mulher brasileira a ganhar medalha de ouro em atletismo para o Brasil.

E parece que brasileiro chora muito, quando alcança a glória esportiva. Aliás, como enfatizou o José Simão, nem é necessário alcançar o ápice da glória. Terceiro lugar, ou medalha de bronze, já desata lágrimas em cascata.

Lágrimas na tela da televisão, lágrimas no telespectador. Eu sei que é possível que seja uma grande manipulação por parte das emissoras de televisão, mas o que fazer? O choro é contagiante.

Como seria de se esperar, Maurren Maggi pulou, vibrou, riu, chorou. E nós, diante da tela, também rimos e choramos. Alguns possivelmente também vibraram e pularam. Claro, alguns ranzinzas devem ter xingado a Maurren e a emissoras de TV, por estarem tentando manipular nossas emoções. Mas a vida é assim mesmo. Rimos e choramos. É nesse riso e choro que acabamos nos identificando uns com os outros, forjando esta coisa imaginária que chamamos de nação.

Gente! É muita emoção!!!


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A doce morte de Dorival Caymmi

A doce morte de Dorival Caymmi


EM 1949, em plena glória existencialista, Albert Camus (1913-1960) veio ao Brasil. Estava gripado e deprimido. Detestou quase tudo.
Sobre a baía da Guanabara, disse que era espetacular demais para o seu gosto. As pessoas, na maioria, ele acha insuportáveis. Os motoristas brasileiros "ou são alegres loucos ou frios sádicos".
Fazem-no experimentar pratos da culinária baiana, "tão apimentados que fariam andar paralíticos".
Pobre Camus. Levam-no a uma macumba. A dança, "de estilo medíocre, é pesada e muito carregada".
O transe religioso produz nele um bocado de nojo: "Uma branca gorda, com uma cara animal, uiva sem parar [...]. Todos gritam e urram [...]. O calor, a fumaça dos charutos, o cheiro humano tornam o ar irrespirável.
Saio, trôpego, e respiro afinal deliciado o ar fresco. Amo a noite e o céu, mais do que os deuses dos homens".
Uma ou duas mulatas até que são bonitas, mas Camus concorda com o militante negro Abdias do Nascimento: "A raça é feia". De qualquer modo, pouco importa: "A natureza sufoca o homem".
A mistura de miséria e luxo lhe pareceu mais insolente no Brasil do que em qualquer outro lugar. "Desgosto e cinismo", resume Camus.
Mas seu "Diário de Viagem" (ed. Record) registra alguns momentos de felicidade. Camus vai jantar na casa de uns conhecidos franceses e encontra Manuel Bandeira, "pequeno homem extremamente fino".
Depois do jantar, aparece "Kaïmi, um negro que compõe e escreve todos os sambas que o país canta". Ouvem-se "as canções mais tristes e mais comoventes". "Pouco a pouco, todos cantam, e vêem-se um negro, um deputado, um professor de faculdade e um tabelião cantarem esses sambas em coro, com uma graça muito natural. Totalmente seduzido", anota Camus.
Tinha de ser. Quem sabe até cantou, junto com Dorival Caymmi, algumas daquelas canções que todo mundo conhece, e que, na verdade, parece que já conhecia antes mesmo de terem sido compostas.
Fico nas básicas, como "É Doce Morrer no Mar" e "O Mar" ("Quando quebra na praia..."). A "tristeza", para usar o termo de Camus, é imensa nessas músicas -só que nelas não parece haver lugar para sentimentos tristes. Canções de ninar também são tristes, e não servem para entristecer.
"É Doce Morrer no Mar" se parece, sem dúvida, com um acalanto, por causa da melodia hipnótica; e também porque parece ter surgido "pronta", sem autor, de algum fundo noturno de folclore e de memória.
"Não parece coisa feita por gente", diz Arnaldo Antunes, citado pelo ensaísta Francisco Bosco, num livro primoroso sobre o compositor, para a coleção "Folha Explica". Francisco Bosco acrescenta: as canções praieiras de Caymmi parecem "o canto das coisas em si, as coisas cantando".
Enumera, em seguida: o vento, as ondas, o mar, a areia...
E, com isso, voltamos àquelas frases de Camus. "A natureza sufoca o homem", diz o escritor a propósito do Brasil; "amo a noite e o céu, mais do que os deuses dos homens", observa ele, não sem cair em alguma contradição.
De certo modo, a "doçura de morrer no mar" está no fato de permitir esse desaparecimento de toda individualidade, que a natureza brasileira, e a música de Caymmi, conseguem efetuar por um momento.
Não é por outra razão que "um negro, um deputado, um tabelião" e talvez um intelectual europeu terminam a noite cantando juntos.
Mas a morte doce de Caymmi poderia significar apenas uma espécie de consolo, de esquecimento, como o da canção de ninar, sem que o ouvinte se sinta curiosamente desperto e insaciado cada vez que ouve uma de suas composições.
Ouço novamente "É Doce Morrer no Mar". Não sei se alguma canção de ninar começaria com aquele salto melódico nas duas primeiras sílabas, que tem um componente de inquietação, de resistência inicial ao balanço que se vai seguir.
A antítese escondida no verso (do mar salgado à morte doce) repete-se em outros planos. É o vozeirão de Caymmi quem fala pela mulher, lamentando a morte do "marinheiro bonito". Mas a mulher fala pelo marinheiro, pois apenas para este é doce ser levado pela "sereia do mar".
Na letra existe também um jogo com o saveiro, que numa estrofe "voltou sozinho", e que em outra...
"partiu e não voltou". Marinheiro e barco se confundem nesse vaivém da música.
Não há pura dormência nisso.
Quem quer o mar quer sair daqui, mas também quer voltar. Maracangalhas e Bahias, quem sabe, talvez venham a ficar no mesmo lugar.

Texto de Marcelo Coelho, na Folha de São Paulo, de 20 de agosto de 2008.

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César, Diego e nós

César, Diego e nós

AS LÁGRIMAS de felicidade de César Cielo me comoveram. Também me comoveu a consternação de Diego Hypólito depois da queda que o privou da medalha olímpica.
Anos de dedicação e controle de si acabaram, para César, num momento em que ele nadou como nunca e, para Diego, num erro inesperado. César tinha dificuldade em acreditar que seu sonho estava acontecendo. Diego repetia: "Não acredito que perdi".
Com um amigo, domingo à noite, conversamos sobre o que faz o estofo dos campeões.
Evocamos aquela idéia da sabedoria popular que faz sucesso na literatura de auto-ajuda (por exemplo, "O Segredo", livro e filme) e que diz o seguinte: descobrir o que a gente deseja e desejá-lo ardentemente é bom e eficiente, pois quem deseja muito, mais cedo ou mais tarde, realiza suas aspirações.
Na mesma veia, organizar nossa existência ao redor da ocupação da qual a gente mais gosta parece ser o jeito de matar a charada da vida.
"Logicamente", com a paixão pelo ofício de cada dia ("adeus depressão"), serão multiplicadas as chances de sucesso (merecido, pois, no caso, só poderemos nos entregar a nossas tarefas com o maior afinco e com prazer).
É fácil entender de onde vem essa idéia. Você passa o dia aflito, correndo atrás das complicações de seu trabalho e de seus deveres e, quando, à noite, coloca em ordem sua coleção de selos, pensa em desistir de tudo e abrir uma lojinha filatélica.
Movido por sua paixão, quem sabe você escreva, enfim, o novo catálogo definitivo dos selos da Colônia, do Império e da República do Brasil; logo, a lojinha crescerá até se tornar o grande centro on-line de troca, comércio e avaliação de selos nacionais.
Mas há um problema: essa idéia é ingênua. Não tanto por ela subestimar as dificuldades eventuais de sua lojinha filatélica, mas por duas razões fundamentais:
1) O desejo da gente não é um desejo definido, que seria "o nosso" (como uma espécie de DNA psíquico) e que se trataria de descobrir e logo seguir à risca. O episódio bíblico do pecado original é uma boa metáfora da condição humana. Todas as necessidades estavam satisfeitas no Paraíso terrestre, e fomos querer um fruto que não sabíamos direito o que era: a humanidade (pecadora, claro) surge quando começamos a desejar além do que satisfaz nossa necessidade de sobrevivência. Como nosso desejo não é regrado pela necessidade, ele é variável, não depende do valor intrínseco dos frutos desejados, nem da singularidade de nosso paladar, mas de nossos vínculos com os outros: no caso, com as Evas que nos seduzem ou com a vontade de transgredir a ordem divina. Conclusão: nosso desejo é o fruto volúvel das ocasiões, das circunstâncias e, sobretudo, das relações com nossos semelhantes; ele é uma disposição que INVENTAMOS -não que DESCOBRIMOS.
2) Inventar um desejo não é nenhuma garantia de talento. É possível desejar ser nadador, ginasta ou filatélico sem ter talento para nenhuma dessas atividades. Em tese, isso não teria que ser um drama, visto que poderíamos procurar (ou melhor, inventar) outro "fruto" desejável, mais compatível com nossas aptidões. Mas não funciona assim. Na parábola bíblica, o nosso gosto pelos frutos proibidos indica que, em geral, preferimos desejar o que está fora de nosso alcance, por ser objeto de interdito ou, justamente, por ser irrealizável à vista de nossas modestas habilidades. Ou seja, em vez de desejar de galho em galho segundo as ocasiões e conforme nossas aptidões, preferimos almejar o impossível. O aspirante filatélico sofre de uma sudorese que estragaria qualquer selo; o aspirante literato não gosta de ler, e por aí vai: gostamos de visualizar futuros que nunca chegarão.
Pois bem, os campeões, ao menos durante um tempo de sua vida, focam seu desejo, ou seja, persistem em desejar apenas uma coisa. Até aqui eles são parecidos com a gente.
Só que, diferentes da gente, eles se autorizam a desejar uma coisa que é difícil, mas que não lhes é impossível: desejam a excelência num ofício para o qual eles têm talento. Restaria se perguntar por que um campeão pode falhar. Pois bem, até os campeões precisam daquela coisa que faz com que, um dia, milagrosamente, a disposição, o humor, a temperatura, o brilho do sol ou o barulho da chuva conspirem para que tudo dê certo. Ou seja, precisam de sorte. Boa sorte a Diego nos próximos Jogos Olímpicos.

Texto de Contardo Calligaris, na Folha de São Paulo, de 21 de agosto de 2008.

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sexta-feira, agosto 22, 2008

Susan Sontag, por Henri Cartier-Bresson



O UOL têm galeria e texto celebrando o centenário do fotógrafo francês.

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Chico Bacon, no espírito olímpico

quinta-feira, agosto 21, 2008

Cérebros e a "terceira onda"

Os cérebros e a "terceira onda"

SANTANDER - Vem aí o que os especialistas chamam de "terceira onda" de migrações internacionais, na forma de competição por talentos de alto nível.
O aviso foi dado ontem por Ronald Skeldon, da Escola de Estudos Sociais e Culturais da Universidade britânica de Sussex, no seminário "Globalização, Migração Internacional e Desenvolvimento". É uma promoção do Clube de Madri, centro de estudos que reúne 69 ex-chefes de governo, hoje presidido pelo chileno Ricardo Lagos.
Se a previsão estiver correta, será mais uma onda de fuga de cérebros, tema que esteve em moda não faz tanto tempo assim. O Brasil muito provavelmente será vítima, na medida em que já está havendo uma diáspora formidável de brasileiros mesmo antes de aberta a temporada de caça.
Mas Skeldon discute a idéia de fuga de cérebros: segundo ele, dos latino-americanos (brasileiros incluídos, como é óbvio) que emigraram para os Estados Unidos, 55% receberam treinamento no país de destino. Ou seja, a maioria não fugiu propriamente, mas desenvolveu-se lá mesmo. É uma tese discutível, na medida em que não leva em conta o custo da educação de base feita no país de origem.
Reforça a idéia de uma onda de caça a talentos o fato de que a União Européia aprovou, embora ainda não tenha implementado, um Pacto Migratório, que prevê buscar médicos nos países emergentes ou pobres para devolvê-los depois de devidamente treinados e aperfeiçoados. Guillermo de la Dehesa (Centro para Pesquisa de Política Econômica, de Londres), autor de um livro lançado ontem sobre migrações, avisa que, quando voltam, os médicos não vão para as áreas em que são mais necessários.
O Brasil, que permitiu uma diáspora descontrolada, pode preparar-se para a nova onda. Agora, cérebros são mais importantes na tal economia do conhecimento.

Texto de Clóvis Rossi, na Folha de São Paulo, de 19 de agosto de 2008.

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quarta-feira, agosto 20, 2008

Ordem submete corpos e vontades

Ordem submete corpos e vontades



LEANDRO KARNAL
ESPECIAL PARA A FOLHA

Abertura impressionante: corpos em uníssono, marchando, cantando, voando e produzindo algumas das imagens mais belas que já vi.
Eu estava acompanhado por um simpático grupo de estudiosas em Tamboré. Manifestei, para surpresa de algumas, minha angústia.
Eu tive a mesma sensação quando vi um espetáculo de crianças acrobatas em Pequim, há dois anos. Eram crianças que, pela excelência da apresentação, certamente passavam por algo como dez horas diárias de treinamentos.
Imaginei se aquelas crianças sofreriam dos males das brasileiras. Por certo não tinham traumas, não ficavam doentes, não tinham as constantes dores de barriga e gripes que assolam menores ocidentais.
Não deveria existir, igualmente, a pororoca de mães zelosas para que seus filhos não fossem tão exigidos. Pelo contrário. Imaginei, como exercício de sonho, que após horas sob o olhar espartano do treinador, haveria mais pressão nos lares chineses pela excelência do desempenho delas.
O leitor já deve ter adivinhado um espírito suíno guinchando neste texto. Por que eu não consigo ver simplesmente a beleza de uma nação orgulhosa, preparada, com esforço colossal, ocupando seu local de destaque no mundo? Após dois séculos de opressão, ressurgiria o Império do Meio no pódio do planeta? Sim. É possível ser o rasteiro desdém da raposa diante dos cachos inalcançáveis. Faríamos igual no Maracanã? Provavelmente não.
Vejo na ordem contemplada no Ninho do Pássaro a mesma e a perfeita sincronia dos desfiles da Guarda Vermelha de 1968.
Atletas e coreógrafos têm semelhança terrível com soldados em passo de ganso. Ordem total implica submissão absoluta de corpos e vontades. Sincronia irretocável pode ser linda de ser assistida, mas é acompanhada de uma conta alta.
Passar por cima de todos os obstáculos implica uma energia que pode serpentear por milhares de quilômetros em muralhas ou construir algo como a represa das Três Gargantas. Não há meio ambiente ou montanha que não possa ser domado pela razão de Estado.
Não há indivíduo que não possa ceder a este imperativo categórico. Carros parados, fábricas fechadas, pessoas impedidas de sair de suas casa e quase um ano de ensaios exaustivos: tudo foi perfeito. Nada errado ocorreu. Uma pequena chinesa coçou o nariz sentada a um piano.
Teria sido ensaiado para provocar simpatia?
A aula de história e de política foi dada. A genialidade da civilização chinesa transbordou nos tipos móveis de imprensa, no papel e na pólvora. A bússola e os barcos de Zeng He voltaram ao seu berço criativo. Fadas dançaram contrariando Newton, afinal, o pai da física era um mero ocidental.
Tudo foi incrivelmente belo.
A beleza no sentido que Rainer Maria Rilke definiu no início das elegias de Duíno esteve todo o tempo na minha mente: "Pois o que é o Belo senão o grau do terrível que ainda suportamos porque, impassível, desdenha destruir-nos?" O século 21 será chinês? Suspeito que sim. Pior? Temo que acharemos lindo na tela... em mandarim.


LEANDRO KARNAL é professor de história na Unicamp

Texto publicado no Folha de São Paulo, em 14 de agosto de 2008.

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Christiane F. teve recaída

Christiane F. teve recaída, diz imprensa alemã

DA REPORTAGEM LOCAL

Protagonista do best-seller "Eu, Christiane F., 13 Anos, Drogada e Prostituída", a alemã Christiane Felscherinow voltou às drogas, aos 46 anos, segundo a imprensa alemã.
Por causa da recaída, Christiane perdeu a guarda do filho de 11 anos, segundo o tablóide "B.Z.", de Berlim. Segundo o jornal, o garoto está em um abrigo nas redondezas de Berlim, e seus avós devem definir onde ele vai morar.
O jornal "Bild" afirma que a mãe de Christiane visitou o neto duas vezes no abrigo e que ela está "chocada" com a situação.
O "Bild" menciona ainda o juizado, que diz que a criança só poderá voltar a viver com a mãe caso ela supere seus problemas psiquiátricos e a dependência de drogas.
O novo drama de Christiane teria começado neste ano, quando ela e o namorado decidiram se mudar para Holanda, levando o menino.
O juizado de menores não autorizou a mudança e tomou a criança da mãe. Ela, então, seqüestrou o filho e fugiu para Amsterdã. Lá, Christiane teria voltado a consumir heroína.
No fim de junho, ela voltou e entregou o menino às autoridades alemãs.
Amigos e conhecidos contam que Christiane tem procurado colegas da época das drogas e freqüenta uma praça de Berlim famosa como ponto de venda de entorpecentes.
Depois de várias tentativas, ela aparentemente tinha superado o vício, mas admitiu na TV, em maio do ano passado, que temia "recaídas".

Está notícia é da Folha de São Paulo, de 14 de agosto de 2008 (para assinantes). Está aqui em deferência a (aparentemente muitos) leitores que chegam neste blogue procurando por Christiane F.

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terça-feira, agosto 19, 2008

Diego Hypólito e o peso do Brasil

E o Diego Hypólito chorou. E pediu desculpas, diante das câmeras, por não ter conseguido trazer a tão almejada medalha para o Brasil, nestas olimpíadas que estão se realizando na China.

O choro e o pedido de desculpas vêm na seqüência de um erro no tablado que tirou do atleta brasileiro a chance de chegar ao pódio, e lhe trouxe uma sombria expressão de perplexidade ao final de sua apresentação.

Como brasileiro que sou, não acho que Diego Hypólito me deva desculpas, e eu estou muito orgulhoso que ele tenha chegado aonde chegou. Ser o sexto atleta do mundo em ginástica olímpica não é para qualquer um. E não esqueçamos, há poucos anos atrás, a ginástica olímpica brasileira, na prática, não existia. Um dia tivemos apenas a Luiza Parente. Depois tivemos a irmã do Diego, a Daniele. Agora temos uma equipe inteira na ginástica feminina, e baseados no exemplo do Diego, em breve teremos uma equipe masculina.

Grande atleta, o Diego não precisa carregar em suas costas o peso do Brasil.


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Rigor Baiano

A proverbial preguiça baiana é aqui desmentida por um rigor insuspeitado. Caymmi às vezes levava anos para terminar uma canção. E não chegou a compor muito mais do que uma centena delas, em sua vida. É que sua ética produtiva se centrava no princípio de só fazer as canções necessárias. Nesse caso, o rigor abarca uma dimensão passiva: a paciência. Caetano Veloso elucidou o modus operandi dessa ética: "É o deixar aparecer, deixar acontecer e ser extremamente responsável com relação ao que acontece".

Encontrei este texto acima na Folha de São Paulo. Cabe esclarecer: se a suposta preguiça de Dorival Caymmi era um rigor insuspeitado, no caso deste blogueiro a suposta preguiça é preguiça mesmo.


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Dorival Caymmi (1914 - 2008)

“Peguei um Ita no norte,

E fui pro Rio morar,

Adeus, meu pai, minha mãe,

Adeus, Belém do Pará.”

Não me lembro se durante a minha infância algum disco de Dorival Caymmi entrou lá em casa. Mas lembro de um disco que marcou época, e este disco se chamava “Gal canta Caymmi”. Foi um disco que se escutou bastante por lá. Vinil em 33 1/3 rotações por minuto.

Além da música cujos versos abrem este “post”, também é memorável aquela em que o compositor baiano diz que “o mar quando quebra na praia, é bonito, é bonito... o mar tanta gente perdeu seu marido e os filhos nas ondas do mar...” E esta me parece que me vem à memória no vozeirão de Caymmi.

E, claro, há o chiste. O estereótipo da preguiça baiana, segundo a qual, na Bahia as coisas aconteciam em três ritmos: lento, muito lento, e Dorival Caymmi. Como todo estereótipo, se pega alguns exemplos, aos quais se atribui o caráter paradigmático, e o exemplo de alguns se torna toda uma coletividade. Mas eu já tive a oportunidade de comentar com alguns chefes que eu trabalhava em ritmo Dorival Caymmi, a menos que me ameaçassem com uma faca no peito, em função de prazos.

É mais um brasileiro ilustre que se vai.

“Adeus, Belém do Pará, ...”


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sexta-feira, agosto 15, 2008

Jade Barbosa



O Retrato Capital, da revista Carta Capital, nesta semana das Olímpiadas.

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Alemã se reencontra com marido norte-coreano depois de 47 anos

Alemã se reencontra com marido norte-coreano depois de 47 anos

Choe Sang-Hun
Em Seul

Entre as expressões coreanas escritas a mão que ela tinha anotado em um caderno, Renate Hong havia repetido uma determinada frase inúmeras vezes no último meio século: "Dasi bopsida" ou "Vamos nos reencontrar".

É uma expressão comum na Coréia. Mas para Renate, uma avó alemã de 71 anos, expressava um desejo nunca satisfeito até 25 de julho, quando ela reencontrou o homem norte-coreano com quem se casou, mas que tinha visto pela última vez 47 anos atrás.

"Ele me perguntou por que eu demorei tanto para ir ao seu encontro", disse Renate em uma entrevista através de um tradutor, descrevendo sua reunião com Hong Ok Geun, 74.

Renate voltou à Alemanha na terça-feira (5) depois de um encontro de 12 dias com seu marido na Coréia do Norte - um episódio altamente incomum diante da política do governo comunista de proibir que a maioria da população tenha ligações por correio ou telefone com o resto do mundo, para não falar na Internet.

Viajaram com Renate seus dois filhos. Peter Hyon Zol tinha dez meses e Renate estava grávida de Uwe quando a família se separou no turbilhão da Guerra Fria.

Renate Kleinle e Hong Ok Geun se conheceram em 1955, quando freqüentaram o mesmo curso de química na Universidade Friedrich Schiller em Jena, então Alemanha Oriental. Hong era um bem-humorado estudante de intercâmbio da Coréia do Norte, na época aliada da Alemanha Oriental comunista.

Os dois se apaixonaram. Como seus governos não aprovavam os casamentos entre estudantes norte-coreanos e alemães-orientais, eles se casaram em 1960 em uma cidade rural cujas autoridades locais não conheciam a política do governo nacional. Não houve convidados.

Mas a felicidade do casal durou apenas um ano. Em 1961, o governo de Pyongyang repatriou 350 de seus estudantes da Alemanha Oriental, uma medida que teria sido causada pela deserção de alguns estudantes coreanos para o Ocidente. Hong teve 48 horas para fazer as malas.

Segurando no colo Peter, de dez meses, Renate se despediu em lágrimas de Hong na estação ferroviária de Jena.

Sua única comunicação era por carta. Mas até isso parou. Na última carta que ele enviou da Coréia do Norte, datada de 26 de fevereiro de 1963, Hong perguntava se Uwe, o filho que ele não conhecia, já sabia andar. Depois disso as cartas de Renate foram devolvidas como "destinatário não encontrado". Seus apelos à embaixada da Coréia do Norte para se reunir com o marido foram rejeitados.

Renate nunca se casou de novo.

Quando sua trágica história de amor chegou à Coréia do Sul, no ano passado, fez eco com muitas outras nessa península dividida, onde milhares de pessoas idosas anseiam há muito por reencontrar seus cônjuges no norte antes de morrer.

Renate visitou a Coréia do Sul no ano passado em uma viagem promovida pelo jornal local "JoongAng Ilbo".

Enquanto isso, ela pediu ajuda ao governo alemão e à Cruz Vermelha na Alemanha e na Coréia do Sul. No início do ano passado a Cruz Vermelha alemã descobriu que Hong Ok Geun era um cientista do governo aposentado que vivia com sua nova família em uma cidade na costa leste da Coréia do Norte.

Com a ajuda do governo alemão, Renate mandou uma carta para Hong em março do ano passado. Quatro meses depois, no aniversário dela, em 27 de julho, chegou a resposta de Hong - a primeira notícia dele em 46 anos, com fotos incluídas.

"Nosso amor internacional nos causou muito sofrimento", escreveu Hong no alemão manuscrito que Renate reconheceu. "Eu queria muito ver você e meus filhos. Nunca abandonei a esperança de que, se eu vivesse bastante, um dia poderia vê-la de novo. Eu queria que você fosse minha parceira para toda a vida", ele escreveu. "Mas a política faz coisas idiotas."

Seguindo fielmente a linha do Partido Comunista, Hong acrescentou que ele e outros norte-coreanos sofriam dificuldades econômicas por causa da política americana de "sufocar" seu país.

Ao viajar, Renate levou para Hong livros, roupas, vitaminas e uma câmera.

Seu marido lhe deu um anel e uma camisa. Eles puderam se encontrar todos os dias enquanto ela esteve em Pyongyang - e até passaram uma noite em um resort na montanha, mas se hospedaram em lugares diferentes.

"Como ele não teve a oportunidade de falar alemão durante 47 anos, no início achou difícil me compreender. Mas rapidamente recuperou sua habilidade com a língua", disse Renate. "Hoje ele está velho, mas não vi mudanças em suas maneiras e em seu modo de falar. Tivemos momentos privados só entre nós dois."

Hong teve uma filha e dois filhos com sua mulher norte-coreana. A filha participou da reunião. A mulher de Hong queria conhecer Renate, mas não pôde ir ao encontro por causa de uma doença, disseram a Renate.

Quando o casal se separou, Hong disse que queria vê-la novamente no ano que vem, mas não ficou claro se a Coréia do Norte permitirá um segundo encontro.

Por enquanto, disse Renate, seu antigo sonho se realizou: encontrar seu marido e deixar que seus dois filhos conhecessem o pai. Ela levou álbuns de fotos dos filhos para que o marido pudesse recuperar os muitos anos de vida que tinha perdido.

"Meu marido disse que sentia muito ter deixado tudo para mim e me agradeceu por criar as duas crianças", ela disse. "Ele afirmou que me conhecer foi a grande honra de sua vida."

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Texto do The International Herald Tribune, publicado no UOL.


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quarta-feira, agosto 13, 2008

Rótulos

Baby-Boomers: nascidos entre 1943 e 1960;

Geração X: nascidos entre 1961 e 1981;

Geração Y: nascidos entre 1982 e 2002.

O rótulo, que eu acredito seja bastante utilizados nos Estados Unidos, está na coluna de Sílvia Bassi, na revista Computerworld, n. 498, de 23/07/2008, na página 4.


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quinta-feira, agosto 07, 2008

Sede de vingança

NEUROCIÊNCIA

Suzana Herculano-Houzel

Sede de vingança

Eu costumo ser bom público de cinema: dou um jeito de gostar de quase qualquer coisa. Como meu marido ficou com os olhos brilhando ao ver o trailer do novo Batman, lá fomos nós conferir o "Cavaleiro das Trevas" (embora meu motivo maior fosse o Michael Caine, sempre). Mas, em vez de entusiasmados, saímos do filme exaustos, arrastando pelo chão a alma pesada com tanta crueldade alheia.
Sim, Heath Ledger transcende o extraordinário como o Coringa. Mas é justamente tão real em sua interpretação que, após duas horas sentindo repulsa crescente por seus ardis para colocar inocentes uns contra os outros em experimentos sociais sádicos, nós nos descobrimos torcendo para que o Batman despachasse o dito-cujo de encontro à sua morte.
"Matar é errado", diz, no entanto, a voz da razão, em algum lugar do nosso córtex pré-frontal -e no do Batman também, para misto de decepção e alívio do público. O justiceiro, afinal, é um homem de bem. Mas, no fundo, no fundo, fica a sensação de que uma parte do cérebro da gente bem que preferiria o Coringa morto de uma vez e Gotham livre dele. De onde vem essa sede secreta de vingança, forte o suficiente para se dirigir a alguém que só existe na tela? Por que tememos a morte iminente de crianças e adultos inocentes, mesmo fictícios, enquanto torcemos pela do vilão?
Saí do cinema me lembrando de um estudo feito em 2004 pelo grupo da neurocientista Tania Singer, no Reino Unido, que mostrou que nos afligimos automática e empaticamente com a dor causada a desconhecidos que colaboram conosco, ou que demonstram serem legais: o córtex da ínsula, que monitora o estado do corpo, manifesta-se como se a dor alheia fosse nossa. Se, ao contrário, vemos sentir dor alguém que nos traiu, a ínsula não se compadece nem um pouco. Minha ínsula, portanto, não deve dar a mínima para as dores do Coringa.
Mas o cérebro não pára aí.
Ainda mais reveladora é a constatação de que o núcleo acumbente do sistema de recompensa -aquele que nos faz sentir prazer- é ativado no cérebro de quem observa o traidor receber um estímulo doloroso. E, quanto maior é a sede de vingança, mais forte é a ativação do acumbente. Torcer pela morte do Coringa não deve ser, portanto, uma resposta racional à sua crueldade, e sim um desejo recôndito do cérebro, que o julga vil, vil, vil.
Se isso é certo ou errado?
Aí é outro assunto...


SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora do livro "Fique de Bem com o Seu Cérebro" (ed. Sextante) e do site "O Cérebro Nosso de Cada Dia" (www.cerebronosso.bio.br)

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terça-feira, agosto 05, 2008

Prestando contas à vida

Prestando contas à vida

GILBERTO DUPAS


AS POPULAÇÕES brasileira e mundial têm envelhecido muito rapidamente. É uma séria questão para os sistemas de previdência e saúde pública e para os próprios velhos, mais solitários e dependentes.
No entanto, é possível transformar velhice em liberdade. Nesse momento especial, entre a vida e a morte, o homem comum pode filosofar; e, assim, flertar com a imortalidade.
A filosofia tem saído da moda enfrentando rivais cada vez mais arrogantes. Informática, marketing e design tentam substituir o personagem conceitual -o filósofo ou o artista- por telas planas, telefones celulares e internet. É o reinado dos simulacros.
Segundo Deleuze e Guatari, filosofar é a arte de criar conceitos potentes para tentar dar significado a questões para sempre mal resolvidas, como velhice e morte. Mas conceito não é dado ou comprado, é criado. E filosofar é criar ou mudar conceitos.
Para eles, filósofos e artistas têm uma saúde frágil. Não por causa de suas doenças ou neuroses, mas porque viram na vida algo grande demais para suportar, o que pôs neles a marca discreta da morte. Esse algo é também a fonte que nos faz viver através das "doenças do vivido", justamente o que Nietzsche chama de saúde.
O que define filosofia e arte, duas das grandes formas de pensamento, é enfrentar o caos esboçando um plano.
Para tanto, a filosofia formula conceitos, e a arte, percepções. Essas disciplinas não são como religiões, que invocam deuses para pintar sob nossos guarda-sóis um firmamento artificial. Ao contrário, elas propõem que só venceremos se rasgarmos o pano pintado e enfrentarmos o caos.
O sistema econômico e cultural entrega aos homens comuns grandes guarda-sóis com forros pintados que lhes dão uma falsa segurança enquanto servem à lógica própria do capital.
São do tipo "comprando um novo iPod ou estendendo a vida a qualquer preço você pode ser feliz".
Por baixo do pano, essa lógica desenha suas palavras de ordem como um firmamento único. Cabe ao filósofo e ao artista contidos em nós abrir uma fenda no guarda-sol e fazer passar um pouco do caos livre e tempestuoso que dá sentido à vida.
A cada rasgo que fizermos, os gênios da comunicação a serviço do pensamento único correrão a preencher a fenda e lotá-la de novas certezas. Será preciso, então, cortar novas fendas, operar novas destruições, restituindo a novidade que já não podia mais ser vista.
O pensamento único se esconde atrás de um tipo religioso de fé cega num futuro que outros nos impõem.
Nunca as tecnologias progrediram tanto na exploração do corpo e da mente. E, no entanto, Roudinesco nos lembra de que em nenhuma época o sofrimento psíquico foi tão vivo: solidão, psicotrópicos, tédio, depressão, desamparo, obesidade, uma pílula a cada minuto de vida: "Quanto mais se promete a felicidade e a segurança, mais persiste a infelicidade, mais aumenta o risco".
Ela cita Canguilhem, Sartre, Foucault, Althusser, Deleuze e Derrida como alguns dos que se recusaram a aceitar uma ideologia da submissão e a virar soldados de uma "normalização" do homem. Eles gostariam de transformar todos nós em rebeldes, seres capazes de abordar a existência como consciência do mundo.
Podemos compreender, então, como a morte pode prestar contas à vida; ou seja, como se pode aceitar a morte para que haja vida. Na "Ilíada", Aquiles encarna o ideal absoluto "da bela morte e da vida breve", origem da concepção grega de heroísmo. Roudinesco lembra Vernant, para quem um dos grandes enigmas da condição humana é encontrar na morte o meio de superá-la, vencê-la dando-lhe um sentido do qual ela é completamente desprovida. É quando o agir significante se transforma em obra eterna. Doença e morte, paradoxalmente, são parte da vida.
Dentro dessa perspectiva, o doente, com seu sofrimento e sua dor, é o único capaz de julgar sobre sua normalidade. Quem quiser transformar a vida num conjunto de funções que resistem à morte fará com que a morte não lhe pertença mais.
No entanto, a morte está inscrita na história da vida, assim como a doença na existência de cada sujeito. Fenômeno progressivo de degradação lenta dos corpos, ela se apodera do homem desde o seu nascimento, habitando-o ao longo de sua vida até a última passagem. Mas nosso espírito, enquanto construindo os significados que atribuímos à vida, pode ter o gostinho da imortalidade. Depende de nós. Basta sermos capazes de abrir pequenos furos no falso firmamento que querem nos impor e deixar passar um pouco de caos.

GILBERTO DUPAS , 65, é coordenador geral do Grupo de Conjuntura Internacional da USP, presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI) e autor, entre outras obras, de "O Mito do Progresso" (Unesp).

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