sexta-feira, outubro 31, 2008

Dia das Bruxas, segundo José Simão

E hoje é Halloween! Chama o Serra! O Serra Vampiro Anêmico! Manda ele levantar do caixão. Hoje é Dia das Bruxas. Chama a Marta. Não precisa nem de fantasia, só falta a vassoura! Pega emprestado o cabelo do Supla. Ele parece um porco espinho oxigenado! E tem umas sapatas que todo ano comemoram o Halloween com uma festa chamada Rala-O-Hímen! Rarará! E sabe qual o endereço do Serra? Cemitério da Consolação, tumba 3, carneira 4. Rarará!
E bruxa é coisa de americano. No Brasil, tem um movimento pra trocar a bruxa pelo saci! Hoje é Dia do Saci! Pra comemorar, sabe o que o saci falou pra sacia? FICA DE TRÊS! E dizem que o bom de namorar saci é que, se te der um pé na bunda, quem cai é ele! O melhor pé na bunda que existe é ver o outro caindo!

Parte da coluna do José Simão, o Macaco Simão, na Folha de São Paulo, de 31 de outubro de 2008.


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Castelo Forte

Hino composto pelo próprio Martinho Lutero, em 1529, e ainda hoje cantado nos cultos das igrejas protestantes.


Castelo Forte

Castelo forte é nosso Deus.
Espada e bom escudo,
Com seu poder defende os seus
Em todo transe agudo.
Com fúria pertinaz
Persegue Satanás,
Com artimanhas tais
E astúcias tão cruéis,
Que iguais não há na terra.

A nossa força nada faz,
Estamos, sim, perdidos;
Mas nosso Deus socorro traz
E somos protegidos.
Defende-nos Jesus,
O que venceu na cruz,
Senhor dos altos céus;
E, sendo o próprio Deus,
Triunfa na battalha.

Se nos quisessem devorar
Demônios não contados,
Não nos podiam assustar,
Nem somos derrotados.
O grande acusador
Dos servos do Senhor
Já condenado está;
Vencido cairá
Por uma só palavra.

Sim, que a palavra ficará,
Sabemos com certeza,
E nada nos assustará
Com Cristo por defesa.
Se temos de perder
Os filhos, bens, mulher,
Embora a vida vá,
Por nós Jesus está,
E dar-nos-á seu reino.


Fonte: Cyberhymnal

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31 de Outubro, Dia da Reforma



Como este blogue não cansa de repetir, dia 31 de outubro é o Dia da Reforma.

É o dia em que o então monge Martinho Lutero pregou na porta do castelo de Wurmtemberg suas 95 teses questionando alguns ensinamentos da Igreja Católica, proclamando que só as Escrituras, isto é, a Bíblia era autoridade em matéria de fé, e contestando a venda de indulgências. Isto aconteceu em 1517.

Imagem de Lutero vinda do blog Curiosidades.

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quinta-feira, outubro 30, 2008

Vencido pelo Imperialismo Cultural



Fui vencido pelo imperialismo cultural.

No início desta semana fui advertido por um cartazete grudado na porta do prédio em que moro, que as crianças do condomínio estariam batendo às portas dos apartamentos do condomínio, com um lema-pergunta: “Gostosuras ou travessuras?”

Eu sempre repudiei comemorações de “Halloween” e “Dia das Bruxas”, reputando tais comemorações como coisa de cabeça de colonizado, imitação de americanos, macaquice, enfim, tudo de ruim.

Mas quem consegue resistir a um bando de crianças fantasiadas, pedindo doces?

Não esperem de mim que abra a porta e passe uma carraspana nas crianças, dizendo que isto é costume americano, coisa de cabeça de colonizado, e que comer muito doce vai fazer com que as crianças adquiram vermes na barriga e cáries nos dentes (embora esta última seja bem possível).

Passei no supermercado e renovei meu estoque de guloseimas.

Vamos ver o que acontecerá na noite do dia 31 de outubro.

Imagem de Halloween Crafts and Recipes.


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54a. Feira do Livro de Porto Alegre



Começa amanhã.

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quarta-feira, outubro 29, 2008

O fim do livro impresso

O fim do livro impresso

VENHO DE alguns dias em Lisboa, onde mal informados de lá me colocaram no júri que avaliou os originais concorrentes ao primeiro Prêmio LeYa -novo grupo editorial que destinou cem mil euros ao vencedor. O regulamento estabelecia que seriam julgadas somente obras inéditas, embora os autores pudessem ter publicados outros textos no mesmo gênero literário. O sigilo foi absoluto, somente após a decisão dos julgadores seria aberto o envelope com o nome do vencedor. Até então, todo o material do concurso correria com um pseudônimo. Um sistema bastante usual, levado a sério, sem tramóias ou pressões, funciona com a isenção desejada para este tipo de avaliação.
O prêmio tinha caráter internacional, abrangia Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau e Timor Leste. E o júri também o era, com representantes de países lusófonos, sob a presidência do escritor Manuel Alegre, poeta, romancista, vice-presidente do Congresso e ex-candidato à presidência da República.
Foi impressionante o número de concorrentes: 422. Numa época em que se discute o funeral do romance e o fim do livro impresso, a vitalidade do gênero, pelo menos em língua portuguesa, continua em alta. Oito originais foram selecionados pela própria editora e submetidos a um júri em que havia apenas um gato pingado que era eu próprio.
Predominaram brasileiros nas duas fases do prêmio. Dos oito finalistas, somente um era português. E por seis a um, ganhou um mineiro de 60 anos, Murilo Antônio de Carvalho, com um longo e bem elaborado romance, "O Rastro do Jaguar". Ao comunicarmos a vitória, ele custou a entender do que se tratava, estava numa canoa, perdido num rio da Amazônia, a três dias de distância do povoado mais próximo. Informou que havia escrito o livro havia tempo, soube do concurso pela imprensa e mandara o original para ver no que podia dar. E deu.
Bem, esta seria a notícia em si, mas ela exige um comentário de minha parte. Continua-se escrevendo -ou, como dizem os portugueses, continua-se "a escrever". Por isso ou aquilo, há dentro de cada ser humano um escritor potencial, ou seja, uma pessoa que tem o gosto ou a necessidade de transmitir aos outros a sua visão de mundo ou a sua história. Com o advento da comunicação eletrônica, nunca antes -como diria Lula- tanta gente está escrevendo na telinha dos computadores.
Não posso falar pelos outros, mas o meu caso não foi nem gosto nem a necessidade. Foi o instinto de sobrevivência não na posteridade mas na minha própria atualidade. Fui mudo até os cincos anos e quando comecei a falar, falava tudo errado, trocando letras e pronúncias. Já contei esta história por aí: fui falar que uma vizinha gostava de cozinhar e em vez de "fogão" disse "fodão".
Para evitar vexames, refugiei-me na escrita até que minha mãe me avisou que enquanto eu não aprendesse a dizer "lingüiça", ela jamais faria meu prato então predileto. Eu dizia "lintiça". Para ser devidamente abastecido, passei a escrever bilhetes para ela, fui talvez o primeiro cara do mundo que usou a porta de uma primitiva geladeira para deixar um aviso doméstico. Escrevia lingüiça corretamente, sem o trema que está para ser abolido pelo novo acordo ortográfico. Eu não sabia que estava à frente do meu tempo, embora atrasado no tempo dos outros.
Voltando ao Prêmio LeYa: o anúncio oficial foi feito na Feira de Frankfurt, semana passada. Na mesma feira onde editores de todo o mundo perceberam o ocaso do livro impresso, guttemberguiano, substituído pelos livros eletrônicos que começam a tomar conta do mercado cultural.
Homem terminal, escritor terminal, não estou muito preocupado com isso. Faço parte de uma cultura também terminal. Mesmo assim, se fosse avisado a tempo, talvez tivesse mandado o 423º original para Lisboa. Alegando minha suspeição, me dispensaria de atravessar o Atlântico, ida e volta, para avaliar os originais dos outros.

Texto de Carlos Heitor Cony, na Folha de São Paulo, de 24 de outubro de 2008.

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sexta-feira, outubro 24, 2008

Nayara, by Rivaldo - Explicações

Este blogueiro acompanhou tão pouco quanto possível o seqüestro em que um jovem chamado Lindemberg fez duas adolescentes, Eloá, sua ex-namorada, e Nayara, amiga de Eloá, de reféns. Emocionalmente desequilibrado, Lindemberg quis reatar o namoro à força, ou matar a moça que era seu objeto de desejo. O assassinato de Eloá, e um ferimento à bala em Nayara foi o que aconteceu, após dias de seqüestro, amplamente divulgado pelos meios de comunicação.

Eu não tenho desejo de fazer qualquer juízo a respeito do episódio, mas gostei muito da foto no “post” anterior.


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Nayara, by Rivaldo



A foto de Rivaldo Gomes acompanha texto da Folha de São Paulo, a respeito do depoimento da moça à polícia. No seu instante fotográfico, Rivaldo transformou a garota em anjo (ou em extra-terrestre, dependendo do sentimento de quem vê a foto).

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quarta-feira, outubro 22, 2008

Tatus...

O tatu ataca

RIO DE JANEIRO - À falta do Nobel, o IgNobel. Dois cientistas brasileiros foram contemplados com o prêmio conferido anualmente pela revista americana "Annals of Improbable Research", que contempla "trabalhos científicos que primeiro fazem rir e, depois, pensar". O IgNobel é distribuído na mesma época que o Nobel, mas sem tanto alarde. Só lhe farão justiça se alguém ganhar os dois no mesmo ano.
Mas, enfim, Astolfo Mello Araújo e José Carlos Marcelino, da USP, levaram o IgNobel de Biologia por sua tese sobre como "o curso da história ou, pelo menos, o conteúdo das escavações em um sítio arqueológico pode ser remexido pelas ações de um tatu vivo". Não ria. O assunto é mais sério do que parece.
Um tatu pode fazer misérias debaixo da terra, como deslocar um caco de vaso etrusco enterrado há 3.000 anos, a 12 metros de profundidade, e situá-lo ao lado de um urinol florentino do século 15 e de um LP de Rita Pavone de 1964 -e trazer tudo isso à flor da terra ao mesmo tempo, enlouquecendo os arqueólogos. Tatus, como se sabe, são bichos sem muito rigor histórico e, para eles, tanto faz que as camadas da terra virem uma farofa sem pé nem cabeça.
Astolfo e José Carlos chegaram à sua conclusão simulando um sítio arqueológico no zôo de São Paulo, usando tatus ali residentes. De repente, nem eles se entendiam: por mais absurdo, um par de suspensórios de Menotti Del Picchia, de 1919, coabitava no mesmo buraco com um pé de chuteira do palmeirense Waldemar Carabina, de 1957, e com a agenda telefônica de Bruna Surfistinha, de 2004, como se fosse tudo de uma época só.
É também a sensação que tenho ao ler festejados livros de memórias, publicados entre nós recentemente. Um tatu passou por aquelas páginas e misturou anos, décadas, até séculos.

Texto de Ruy Castro, na Folha de São Paulo, de 19 de outubro de 2008.


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terça-feira, outubro 21, 2008

Chibata

Em ano de anistia, Chibata ganha HQ

Revolta de 1910 contra maus-tratos a marinheiros é tema de livro; em julho, Lula sancionou projeto de anistia ao líder

Autores visitaram o cenário da ação e mesclaram ficção e documentos para narrar a trajetória do marinheiro João Cândido da infância à velhice


MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Há muito tempo/ nas águas da Guanabara/ o dragão do mar apareceu/ na figura de um bravo marinheiro/ a quem a história não esqueceu."
Apesar da homenagem de Aldir Blanc e João Bosco em "O Mestre-Sala dos Mares" (1975), o personagem da canção, João Cândido Felisberto (1880-1969), líder da Revolta da Chibata, foi largamente ignorado por quase um século, como mostra o recém-lançado álbum em quadrinhos "Chibata!".
Criada pelos cearenses Olinto Gadelha (texto) e Hemeterio (desenhos), a HQ mistura ficção e documentos históricos para narrar a vida de João Cândido da infância à velhice, tendo como foco sua liderança na rebelião dos marinheiros contra os castigos físicos, em 1910.
A sugestão do tema veio da Conrad, em 2005 -a editora convidou Hemeterio para desenhar a HQ e este chamou Gadelha, com quem já trabalhava há tempos, para criar o roteiro.
A partir daí, começou um trabalho de pesquisa nas bibliotecas públicas de Fortaleza e na internet, além de uma visita ao Rio, cenário da ação.
"A gente conhecia superficialmente a história do João Cândido e, quando acabamos a pesquisa, descobrimos um herói do mesmo porte do Tiradentes", diz Hemeterio.
"É a típica saga do herói: ascensão e queda, abnegação, sacrifício. Ele entregou sua vida por uma causa, mesmo sabendo que era uma causa perdida. É um personagem grandioso que estava escondido."

Revolta e traição
A HQ é narrada com idas e vindas cronológicas, a partir de flashbacks do velho João Cândido no período em que esteve internado no hospício da Praia Vermelha, no Rio.
Os autores imaginam a infância do filho de ex-escravos no Rio Grande do Sul e mostram sua entrada na Marinha e as condições degradantes a que eram submetidos os marujos -com comida estragada e chibatadas como punição.
Além de narrar a noite da revolta, em 22 de novembro de 1910, quando João Cândido e 2.300 marinheiros tomaram as grandes embarcações da armada, o livro mostra os desdobramentos políticos do episódio.

Tabu
Apesar de terem conseguido um acordo e uma anistia por parte da Marinha, os revoltosos foram punidos posteriormente com prisão, tortura e, em alguns casos, execução.
A partir daí, o tema virou tabu. "Mesmo nos tempos modernos, todos que tentaram falar sobre a Revolta da Chibata sem se ater à versão oficial sofreram represálias", diz Gadelha. A HQ mostra um desses episódios: a infame surra no jornalista Aparício Torelly, o Barão de Itararé.
"Chibata!" vem coroar, pelo lado da cultura pop, o ano em que João Cândido e seus companheiros foram oficialmente anistiados pelo lado político.
Em março, a Marinha tornou públicos documentos oficiais referentes a João Cândido. Em julho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou projeto de anistia ao marinheiro.
"[A anistia] foi simbólica, mas deveria ter acontecido enquanto ele estava vivo. Agora é como pedir perdão para o vento", diz Gadelha. "Com a proximidade do centenário [da revolta, em 2010] espero que haja outros projetos sobre ele."


CHIBATA!
Autores: Olinto Gadelha (texto) e Hemeterio (desenhos)
Editora: Conrad
Quanto: R$ 40 (224 págs.)

Além Texto da Folha de São Paulo, de 15 de outubro de 2008.


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Daniel Galera, Buenos Aires, Porto Alegre, ...

Fala, Galera

Autor de "Mãos de Cavalo", paulistano lança 1º livro da série "Amores Expressos", após trocar Buenos Aires pela Terra do Fogo em busca de inspiração

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

Buenos Aires deveria ser o cenário principal do romance escrito por Daniel Galera para o projeto "Amores Expressos", segundo o qual 17 escritores deveriam contar uma história de amor inspirada em temporadas de um mês em várias cidades do mundo. O escritor, no entanto, só conseguiu alcançar seu clímax lá pelo meio da viagem, quando foi à Terra do Fogo, extremo sul da Argentina.
Galera conta que já tinha um esboço antes de viajar: queria contar a história de uma jovem escritora (Anita), cujo primeiro livro, um sucesso, ela rejeitava.
A moça queria mesmo era ser mãe, o que tenta, a todo custo, numa viagem para promover a edição argentina do tal livro.
A viagem de Anita incorpora uma crítica de Galera ao que ele chama de "visão idealista da literatura". "É algo que às vezes me incomoda, que distorce seu real valor, como os eventos literários, a crítica etc. A postura de Anita não é a minha. Mas tem uma coisa que ela diz que poderia sair da minha boca, que é não gostar de quem fala literatura como se tivesse letras maiúsculas, sempre."

Moleskine na mão
Em sua primeira vez na cidade, Galera se hospedou em um pequeno estúdio em Palermo, sofisticado bairro portenho.
Ele diz que foi para lá sem intenção de trabalhar no livro, mas de apenas fazer anotações, que consumiram todo um Moleskine, caderninho preferido de nove entre dez autores. "Não queria ficar lá consciente da minha condição de autor que está em Buenos Aires para escrever um livro, mas me permitir ficar à vontade para que conhecesse a cidade e ela me influenciasse."
Galera, no entanto, acabou não achando a viagem tão determinante para seu romance.
Ele achou a cidade tão semelhante a Porto Alegre -onde passou boa parte da vida-, que e não teve lá uma grande experiência de descoberta.
A virada se deu com a viagem de quatro dias à Terra do Fogo, "por conta própria". "Foi o lugar que mais afetou o desenvolvimento do livro. Foi onde tive o afastamento radical que buscava da viagem, em termos de cultura, de hábitos e de natureza [em especial a cordilheira que dá nome ao romance]."
O clímax da viagem acabou se tornando o clímax do romance.
É na Terra do Fogo que Anita vai parar após se envolver com "pessoas esquisitas numa espécie de intriga literária".
"Ela não encontra nas outras pessoas nenhum tipo de aprovação ou compreensão para seu desejo de maternidade. Então ela toma isso como busca pessoal e espera viver isso de alguma forma durante a viagem."
Qualquer semelhança é coincidência, alerta. O escritor diz que "Cordilheira" é menos auto-referencial que livros anteriores como "Mãos de Cavalo" e "Até o Dia em que o Cão Morreu", levado ao cinema por Beto Brant como "Cão sem Dono".
"Cordilheira" pode não espelhar Galera, mas ele não poupou o livro de referências. Na obra, o argentino que, de certa forma, abriga a obsessão de Anita, se chama José Holden, alusão ao personagem de "Apanhador no Campo de Centeio", de J.D. Salinger. Um rápido "google" em outros nomes do livro gera mais coincidências.
"Queria que [o livro] fosse algo mais solto, com referências ora explícitas, ora obscuras, com pequenos instantes de satisfação pessoal que, se os leitores não captarem, em nada prejudica. Mas, se captarem, podem dar uma risadinha junto comigo."


Leia trecho do livro em www.folha.com.br/082881

Texto da Folha de São Paulo, de 15 de outubro de 2008. Colado aqui porque o blogueiro gostou da comparação de Buenos Aires com Porto Alegre, guardadas as devidas proporções, e reconhecendo que Buenos Aires é mais cosmopolita que a capital da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul.


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Evangélicos crescem na Espanha

Evangélicos pescam fiéis na crise católica na Espanha
Enquanto Bento 16 alerta sobre a extinção da fé, os protestantes se multiplicam

Román Orozco

O papa Bento 16 colocou o dedo na ferida na última segunda-feira: "A fé se debilita até extinguir-se" em alguns países. Precisamente naqueles que foram "ricos de fé e vocações". E, embora ele não tenha citado, a Espanha é um deles. Mas se a fé católica perde terreno outras o conquistam. A professora de antropologia da Universidade de Sevilha Manuela Cantón Delgado resume a questão: "Extingue-se a fé dos católicos, mas não a de seus primos-irmãos, os protestantes. Esta cresce de maneira incontível".

Os dados comprovam: há um século havia quatro mil; chegaram a 22 mil durante a República, em 1932; o franquismo os reduziu a sete mil; hoje somam 400 mil. Mais quase outro milhão de imigrantes, segundo dados da Federação de Entidades Religiosas Evangélicas da Espanha (Ferede).

Quais são os motivos do aumento dos evangélicos, termo que preferem a "protestantes"? Como indica o jovem pastor sevilhano José Pisa, neto do primeiro pastor evangélico cigano, em primeiro lugar está a democracia: "Com o franquismo era difícil reunir-se; com liberdade de expressão e liberdade religiosa pudemos nos expandir mais e melhor". E acrescenta Jorge Fernández Basso, responsável por comunicação da Ferede: "O cristianismo evangélico protestante é dinâmico e participativo e tende a crescer onde há liberdade".

A professora Cantón, que pesquisa há 20 anos o movimento evangélico na América Latina e na Espanha, afirma que "o catolicismo está há muito tempo em retrocesso diante das igrejas evangélicas, muito mais flexíveis". Religiões que, nas palavras dessa especialista, ao ser mais participativas e contar com centros de culto menores, provocam um maior conhecimento e apoio mútuo entre seus fiéis. Pelo contrário, a Igreja Católica mantém uma "organização muito vertical".

Qual é a origem social dos evangélicos? Os primeiros protestantes espanhóis, há quatro séculos, pertenciam às classes altas e ilustradas. Hoje a grande massa de crentes é de classe média e às vezes moradores de bairros marginais.

Alguns especialistas indicam que crescem porque ocorreu uma "retirada" da Igreja Católica desses bairros. A professora Cantón prefere falar, mais que de uma retirada, de "uma certa rejeição à Igreja Católica espanhola atual, tão reacionária, que se manifesta de maneira pavorosa e nos traz lembranças perturbadoras".

A presença cada dia mais intensa de pastores evangélicos nas áreas deprimidas das cidades espanholas é outra razão de seu crescimento. Mas isso não significa que todos os católicos foram eliminados desses bairros. Porque a semente da Igreja operária dos anos 1950 e 60 ainda sobrevive em muitos lugares.

O padre católico Gabriel Delgado Jiménez é um bom exemplo. Diretor do Secretariado de Migrações do Bispado de Cádiz, Delgado é herdeiro do pensamento dos padres operários desde que foi trabalhador em Astilleros. Hoje realiza um trabalho invejável entre os jovens locais e os imigrantes. Delgado prefere falar de "estratégias diferentes" entre os católicos e outras confissões. "Os mórmons, as testemunhas de Jeová ou os evangélicos da Filadélfia vão à conquista das pessoas. Nós não temos essa estratégia de caça e captura de fiéis", indica. "O nosso é mais presença é mais compromisso."

O padre Delgado afirma: "Em minha diocese sempre estivemos presentes nas ruas; há anos estávamos nas fábricas, hoje com os imigrantes". Mas a opinião que se colhe nos bairros mais marginais é que o católico se viu reduzido à sua expressão mínima, enquanto o evangélico se perfila como a religião dos pobres.

José Jiménez, 42, é cigano, vendedor ambulante e pastor evangélico em um desses bairros. Dirige a Igreja Evangélica La Unción na região mais conflituosa de Sevilha, as Tres Mil Viviendas. Um bairro onde a polícia, os partidos políticos, os serviços básicos do Estado permaneceram ausentes durante muitos anos; um bairro de 20 mil habitantes, dos quais quase a metade é analfabeta e está desempregada; um bairro acossado pela droga, onde os bombeiros deixaram de atuar, os carteiros passavam longe, os ônibus não chegavam e nem sequer se recolhia o lixo.

O pastor Jiménez chegou ao culto pela mão de sua companheira pouco antes de se casar. "Até então eu era um pecador, tinha feito coisas más". Hoje trabalha para recuperar "pessoas que não andam por um caminho reto, pois aqui há fugitivos da polícia, assaltantes, seqüestradores."

Através da Federação de Associações Cristãs da Andaluzia (Faca), os evangélicos ciganos desenvolveram inúmeros programas sociais. Entre os mais importantes, os de reabilitação de dependentes de drogas. A professora Cantón afirma que "muitas famílias ciganas se tornam religiosas só para fugir da droga". Como lhe disse um reabilitado, sua "terapia se chama Jesus de Nazaré".

Além desse trabalho social, os ciganos se sentem à vontade nas igrejas evangélicas porque, segundo a professora Cantón, nesses cultos "eles são os protagonistas, os pastores são ciganos como eles, enquanto na Igreja Católica se consideram marginalizados".

O pastor Jiménez utiliza a palavra sagrada para ajudar seus vizinhos. Uma palavra que ele aprendeu "no livro". O livro é a Bíblia. Sua conversa é cheia de citações bíblicas que decorou depois da leitura cotidiana. Algo que os católicos não fazem com a freqüência devida, como salientou o papa na semana passada na inauguração da 12ª edição da Assembléia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos. Bento 16 recomendou sua leitura, porque na Bíblia se encontra "a mensagem consoladora".
Se os católicos lêem pouco a Bíblia, os evangélicos são o contrário. No ano passado foram vendidos na Espanha 86.468 exemplares da Bíblia Rainha Valera (em castelhano, euskera, catalão e asturiano), a mais apreciada pelos protestantes, segundo dados da editora Sociedad Bíblica de España. A eles devem-se somar outras quase 20 mil importadas. Números que duplicaram os dos últimos quatro ou cinco anos. No mundo foram vendidos no ano passado quase 27 milhões de exemplares em espanhol.

Enquanto nos lares católicos quase não se encontra um exemplar dos Evangelhos, entre os evangélicos o habitual é que cada membro da família tenha seu próprio exemplar da Bíblia. "Inclusive dois ou três cada um", indica Lola Calvo, responsável por comunicação e desenvolvimento da Sociedade Bíblica.

A paixão pela Bíblia chega ao extremo de que os jovens evangélicos praticam a "esgrima bíblica". Eliseo Vila, diretor da Editorial Clie, com mais de 2.500 livros cristãos em espanhol, explica esse esporte singular: "Com a Bíblia na mão fechada, um indica um texto bíblico por sua referência, por exemplo, João 3:16, e ganha o primeiro que encontrar o texto e o ler, supondo que não o cite de memória".

Também decoram a Bíblia muito ciganos que não sabem ler. Ao todo, 150 mil ciganos de toda a Espanha são evangélicos, segundo a Ferede. Estão reunidos em cerca de 700 centros de culto, a maioria pertencente à Igreja Evangélica da Filadélfia.

Os evangélicos ciganos representam cerca de 10% do total de crentes que residem na Espanha. Mas são mais de um terço dos evangélicos espanhóis de nascimento. Juan Ferreiro, subdiretor-geral de coordenação e promoção da liberdade religiosa do Ministério da Justiça, cita ao redor de 1,3 milhão (cifra não oficial) o número de evangélicos residentes na Espanha. A Ferede o eleva para 1,5 milhão. Destes, 800 mil são imigrantes da Comunidade Européia que vivem na Espanha mais de seis meses por ano; 400 mil espanhóis e os demais imigrantes de diversos países, entre os quais se destaca o coletivo romeno, cada vez mais numeroso.

O Registro de Entidades Religiosas do Ministério da Justiça tinha contabilizadas em junho de 2008 um total de 1.437 igrejas evangélicas. A Ferede, por sua vez, tem registrados 2.600 centros de culto, mais outros 500 independentes. Algumas igrejas têm vários centros de culto, mas um só número de registro. Madri, Barcelona, Valência e algumas capitais da Andaluzia são as que registram maior número de fiéis.

Em 1992 o Estado assinou acordos de cooperação com três religiões de situação notória: evangélica, muçulmana e judia. Entre outras coisas, o Estado custeia o ensino dessa religião e em escolas oficiais. Em 130 delas se ensina protestantismo e em 41, o islamismo. A Fundação Pluralismo e Convivência, criada em 2005 pelo Ministério da Justiça, distribuiu em seus três anos e meio de existência mais de 14 milhões de euros entre as três federações religiosas signatárias desses acordos. Até maio de 2008 estas são as ajudas recebidas: evangélicos, 6.149.886 euros; muçulmanos, 5.887.825; judeus, 2.130.873.

O pastor Bernardo Serrano, 54, recebeu três subvenções da Fundação Pluralismo para programas de integração de sua Igreja Apostólica Pentecostal de Antequera (Málaga), uma das maiores da Andaluzia. Um dos que teve mais êxito foi o Cine Cero Cero. Ou seja, cinema sem álcool mais um filme que ressalta os valores humanos, como "Carruagens de Fogo". "Buscamos alternativas para a garrafa entre os jovens."

Serrano realizou um estudo sociológico em 2007 entre as 546 igrejas evangélicas da Andaluzia. Os resultados apontam na direção do crescimento: em 1970 havia 59 congregações; em 2008 somavam 546. O número de membros praticantes, isto é, batizados, cresceu de 16 mil para 40 mil. A eles devem-se acrescentar 67 mil estrangeiros.

Segundo o estudo, o perfil do evangélico andaluz, que pode ser extrapolado para o resto da Espanha, é o seguinte: classe média baixa (85%), entre 26 e 40 anos (40%) e com estudos secundários (56%). A maioria é de mulheres, em porcentagem muito semelhante à da população em geral (52,55%).

Além dos bairros, os evangélicos trabalham em prisões e hospitais. "Em alguns presídios já vão mais presos aos nossos cultos que aos católicos", diz o pastor Serrano, e cita o caso da penitenciária de El Dueso, na Cantábria.

Todo esse trabalho passa despercebido dos partidos políticos? É claro que não. É o que diz o pastor cigano Pisa: "Nos ofereceram de tudo: prefeituras ou ser o braço-direito do prefeito da vez. Os políticos andaluzes sabem que por trás há 150 mil votos diretos e 500 mil indiretos". Mas eles se mantêm longe da tentação: "Votamos por consciência, não recomendamos nenhuma opção".

Não recomendam, mas a levam no coração. O pastor malaguenho Miguel Rueda, 58, companheiro de Serrano, acredita que os de sua geração são majoritariamente de esquerda, como ele próprio, "devido à rejeição e a perseguição que houve no franquismo". Em resumo: a ditadura adubou a semente evangélica, que cresceu e se multiplicou na democracia.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Texto do El País, no UOL.


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quarta-feira, outubro 15, 2008

Dia do Professor 2008: Que tal aprender bons motivos para comemorar esse dia?

Que tal aprender bons motivos para comemorar esse dia?

Heidi Strecker*
Especial para Página 3 Pedagogia & comunicação

· Quando eu era pequena, eu tinha um professor, no lugar de uma professora, como a maioria das crianças. Puxa, eu admirava meu professor. Parecia que ele sabia tudo! E o mais incrível, eu pensava, é que ele fazia uma força danada para a gente ficar sabendo aquelas coisas todas que ele já sabia.

Meu professor parecia muito grande, mas quem sabe fosse eu muito pequena.

Acontece que fui crescendo e continuei achando meus professores e professoras grandes. Por que será? A gente pensa que o professor nasce sabendo. Mas isso não é verdade. Ele tem que estudar anos e anos para poder ensinar aquelas coisas pra gente. Dizem também que professor tem muita paciência, paciência de Jó. Todo mundo admira o jeito que ele tem pra lidar com os alunos. O que muita gente não sabe é que é que ele estuda - e muito - o que deve fazer para prender a atenção da turma toda.

Tem professor que faz rir. A turma gargalha só de ver o jeito dele. Em compensação, tem professor tão sério que dá até medo de chegar perto. Fui descobrindo aos poucos que o professor também é como todo mundo, também fica chateado, tem preocupação, perde a paciência.

Você sabia que essa profissão é uma das mais antigas que existe? O filósofo grego Sócrates era professor de Platão, veja só. E isso foi há 25 séculos atrás! Sócrates não ensinava numa escola, mas em locais públicos, como praças e ginásios. Ele conversava com as pessoas, fazendo perguntas e provocando seus discípulos, o que os obrigava a pensar. E como!

No Brasil, antes da chegada dos portugueses, os índios também eram instruídos por meio de conversas e do exemplo de pessoas da família ou dos chefes da tribo. Quando chegaram os jesuítas, há quase 500 anos, fundaram as primeiras escolas brasileiras. Os mestres ensinavam os filhos dos índios a ler, escrever, contar e falar português, já pensou? Um dos primeiro professores no Brasil foi o padre jesuíta José de Anchieta.

Sem o professor, fica difícil imaginar como a cultura poderia se desenvolver e se disseminar. É o professor que revolve os valores e o conhecimento, passa os valores de uma geração para outra e ainda constrói novos conhecimentos com os seus alunos.

E como surgiu o dia do professor? Bem, um decreto de D. Pedro 1º, em 15 de outubro de 1827, definiu como deveriam ser as Escolas de Primeiras Letras em todo o Brasil. Essa lei dizia, entre outras coisas, o que deveria ser ensinado para meninos e meninas. Em 1963, um decreto do presidente João Goulart instituiu o dia 15 de outubro como dia do professor. Uma homenagem muito justa.

Sabe quantos professores tem o Brasil? Cerca de 2,4 milhões de professores, só na educação básica. Quase 80% trabalham na escola pública. Ensinam crianças pequenas nas creches e nas salas de alfabetização, ensinam nos programas de educação de jovens e adultos e também no ensino fundamental e médio. Tem professor que não acaba mais!

Além disso, temos também os outros professores. Professor de violino, professor de judô, professora de capoeira, professor de alemão, professora de faculdade, de pós-graduação. E tenha certeza: todo professor é também aluno, a vida inteira. Está sempre se aperfeiçoando, estudando, lendo e fazendo mais cursos. Não acaba nunca a formação do professor.

Mesmo assim, no Brasil o professor, em geral, não ganha aquilo que merece. É um grande problema, ele fica sem tempo, dá muitas aulas seguidas, não consegue se capacitar. O Brasil precisa cuidar bem do professor, você não acha?

*Heidi Strecker é filósofa e educadora.

Texto no UOL Educação.


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Mais de 80% dos professores se sentem desvalorizados

Brasília - Mais de 80% dos professores se sentem desvalorizados pela sociedade. O cenário não muda dentro da escola, onde 75% acha que a administração do colégio ou mesmo da secretaria de educação de sua cidade não reconhecem a importância da categoria. A constatação é da pesquisa "A Qualidade da Educação sob o Olhar do Professor", da Fundação SM e da Organização dos Estados Ibero-americanos. Mais de 8 mil professores em 19 Estados participaram do estudo.

"O fato de não serem valorizados [professores] como profissionais, sem perspectiva de bons salários ou de uma carreira, leva a um processo de desvalorização. Os jovens não procuram o magistério o que cria um efeito dominó", comenta o presidente da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), Roberto Leão.

Apesar da avaliação negativa sobre o reconhecimento da profissão, 67% dos professores disseram que não mudariam de profissão. "Esse percentual é muito bom. É mesmo uma profissão que envolve. Você está sempre em contato com o que tem de novo no mundo, que são as crianças e os jovens. Isso é importante, é gostoso", conta Leão.

Grau de satisfação
Outro tema avaliado pela pesquisa foi o grau de satisfação dos professores referente aos diferentes aspectos da escola, desde a infra-estrutura até o relacionamento com as famílias dos estudantes. Para 81,3% dos entrevistados, a relação do professor com seus alunos é o que traz mais satisfação.

Em todos os pontos avaliados, o nível de contentamento dos professores da rede particular é sempre maior do que os da pública. Sobre as instalações, equipamentos e materiais que a escola dispõe para otimizar as aulas, 84,1% dos professores da rede privada dizem estar satisfeitos, contra 47,3% da rede pública.

A professora Margarete Lopes vive as duas realidades. Ela dá aula de artes visuais em uma escola pública de Taguatinga - cidade do Distrito do Federal, distante 20 quilômetros de Brasília - e em um colégio particular da cidade. Projetores, DVD, televisão e Internet são alguns dos recursos que ela dispõe para dinamizar o ensino na instituição privada.

"Os recursos digitais influenciam muito no processo de aprendizado, porque hoje, em qualquer nível social, o estudante tem acesso a essas tecnologias. Se a escola também oferece esses meios, o resultado é mais positivo, atrai o aluno", avalia a professora. Na escola de Taguatinga, os recursos são mais limitados. "A gente tem projetor, TV, laboratório de informática, mas é um aparelho e eu não sou a única querendo usar", explica.

Além da questão estrutural, Margarete acredita que para melhorar a qualidade do ensino nas escolas públicas é preciso que toda a sociedade se comprometa com a causa, além da vontade do governo. "A escola pública pode melhorar bastante a partir do momento em que as políticas educacionais sejam verdadeiramente compromissadas", acredita.

Texto do UOL Educação.

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terça-feira, outubro 14, 2008

Alencar, o escravista - II

Análise/livro/"Cartas a Favor da Escravidão"

Esforço letrado de Alencar é chocante

Textos publicados revelam um escritor admirável e ao mesmo tempo execrável, que faz pensar nos novos senhores do Brasil

TALES AB'SÁBER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quem ler as "Cartas a Favor da Escravidão", de José de Alencar, que a editora Hedra publica após 140 anos de sua primeira aparição, deve se espantar. De fato, o livro tende para o inacreditável.
Há muito que circula a percepção em círculos progressistas de que as elites nacionais poderiam funcionar por princípios pré-modernos em plena modernidade, diante dos quais o horizonte real de desenvolvimento social do país não é um móvel histórico forte.
A vida ideológica estável de nossa época nos impede de checarmos as concepções de mundo do poder e seu controle do corpo e destino no mundo do trabalho. Em um tempo em que todo poder emana do capital, e a crítica da violência no espaço do trabalho está vedada por princípio, apesar da virtual escravidão, a verdade é que a violência contra o trabalho continua aí, presente, configurando amplos setores da economia. No entanto, tais novos senhores do trabalho do outro estão justificados a priori.
Afinal, imensas empresas, como as grandes marcas esportivas ocidentais, não exploram também ao extremo o trabalho, até mesmo o infantil, no sudoeste asiático, ao mesmo tempo em que terceirizam as responsabilidades, como se nada tivessem a ver com essa ordem de iniqüidades, mesmo quando ganham tudo com ela?

Clareza e astúcia
Em uma certa passagem de nossa modernidade, José de Alencar se pôs a defender, com seu estilo transparente e elegante, a posição do Partido Conservador pela manutenção da escravidão no Brasil. A instituição estava abalada, pois fora abolida no império inglês (1833), nas colônias francesas (1848) e nos EUA (1863).
As pressões sobre o Brasil eram grandes, e d. Pedro 2º sinalizava, mesmo que de modo muito lento e gradual, para o horizonte de supressão do trabalho escravo. Então Alencar escreve essas peças execráveis, mas, paradoxalmente, admiráveis pela clareza e pela astúcia, sustentando a necessidade civilizatória da escravidão.
Fundado em um princípio de violência inconciliável da civilização com a natureza e com o outro humano -o bárbaro-, que seria civilizado pela força avançada que o poria como escravo, mas força que também o tornava um virtual sujeito para ele próprio, Alencar se utiliza de todos os argumentos imagináveis em seu tempo para justificar o modernamente injustificável, do risco de crise social à necessidade econômica fatalista e até mesmo um desenho de amálgama de raças pela miscigenação e pela cultura, que faria da escravidão a mãe da cultura nacional.
Hoje, o esforço letrado e frio do escritor é chocante e nos parece vazado de desfaçatez. Algo parece ter mudado no valor dos fatos e da história.
Mas o que podemos dizer dos neo-senhores, que mantêm condições de terror e ignomínia no mundo do trabalho? Se eles fossem obrigados a falar, como recentemente os neocons americanos o fizeram para justificar a ilegítima invasão no Iraque, seu sistema de razões e sofismas soaria semelhante ao do elegante e culto senhor de escravo e romancista brasileiro, como toda ordem de razão que emana da pura força.
De modo algum é acaso que este tenha sido o único trabalho publicado do autor no século 19 ausente das obras completas de 1959. Tal voz conservadora é de fato mais poderosa quando silenciosa, quando não mais necessita se justificar. Por isso o livro de Alencar é importante. Ele dá voz e configuração ao que silencia, pois não necessita justificativa, e pode apenas agir, tão sistematicamente no Brasil.


TALES AB'SÁBER é psicanalista, membro do Instituto Sedes Sapientiae e autor de "O Sonhar Restaurado" (ed. 34)

Da Folha de São Paulo, de 8 de outubro de 2008.

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Alencar, o escravista

Alencar, o escravista

Cartas do autor a d. Pedro 2º, nas quais defendia o cativeiro no país, são pela 1ª vez publicadas em livro, 140 anos depois

RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

"A escravidão caduca, mas ainda não morreu; ainda se prendem a ela graves interesses de um povo. É quanto basta para merecer o respeito."
Quem vinha a público, em 1867, desejoso de ser ouvido na defesa do cativeiro no país era o romancista José de Alencar (1829-1877). A memória histórica no Brasil, no entanto, silenciaria seus argumentos no século seguinte.
A frase aparece numa das sete cartas públicas em que, naquele ano, o autor de "Iracema" criticou o imperador d. Pedro 2º por propor que o país começasse a pôr fim gradual à escravidão. Só agora, 140 anos depois, elas ganham uma edição em livro, "Cartas a Favor da Escravidão" (ed. Hedra), que chega nesta semana às livrarias.
Embora diversos pesquisadores tivessem conhecimento de sua existência -que era citada em alguns trabalhos- e das posições políticas de Alencar, o conteúdo das cartas não chegou a ser reimpresso. O conjunto não aparece, por exemplo, nas obras completas do autor romântico, organizadas em 1959 pela editora José Aguilar (hoje Nova Aguilar).
No final dos anos 90, a historiadora Silvia Cristina Martins de Souza encontrou as cartas na Biblioteca Nacional, no Rio.
Republicou parte delas numa revista especializada da Unicamp. "Elas não haviam sido reproduzidas no século 20", diz a pesquisadora, que atribui o "esquecimento" do material ao "desconhecimento e desinteresse" sobre a obra de Alencar.
O organizador do livro que vem agora a público, Tâmis Parron, tem opinião diferente.
Ele escreve na introdução aos textos de Alencar que se trata de uma "provável tentativa de expurgar sua memória artística de uma posição moralmente insustentável para os padrões culturais hegemônicos desde o final do século 19".
"É um expurgo? Pode ser. É provável, mas não tenho acesso a documentos que provem essa hipótese", disse o historiador, em entrevista à Folha.
Procurada, a Nova Aguilar não respondeu aos questionamentos sobre a lacuna e sobre a possibilidade de inclusão das cartas em edições futuras (a última, esgotada, saiu em 1965).
As "Novas Cartas Políticas de Erasmo", como foram denominadas, numa referência ao pensador holandês, apareceram num momento de crise internacional da escravidão. Com o fim da Guerra Civil Americana (1861-1865) e da servidão nos EUA, aumentaram as pressões internacionais para que o Brasil, como último país independente da América a mantê-la, pusesse fim à instituição.
No princípio de 1867, o imperador pede que seu gabinete encaminhe ao Legislativo uma proposta de discussão que resulte num prazo para o fim da escravidão.

Instituição necessária
É em reação a essa movimentação de d. Pedro que Alencar argumenta, em suas cartas, contra a extinção por lei de uma instituição que, para ele, deveria acabar como resultado de um processo "natural" de maturação -processo que na Europa, ele diz, levou séculos.
O escritor e político -falava como integrante do Partido Conservador- reconhece que a escravidão já se apresentava "sob um aspecto repugnante", mas completava que "ainda mesmo extintas e derrogadas, as instituições dos povos são coisa santa, digna de toda veneração". "Nenhum utopista, seja ele um gênio, tem o direito de profaná-las. A razão social condena uma tal impiedade." As "razões sociais" do cativeiro no Brasil eram muitas, segundo o autor. Em primeiro lugar, de ordem econômica, já que era pelo trabalho escravo que se mantinha a produtividade das unidades agro-exportadoras do século 19. Depois, política, já que era daí que o Estado tirava recursos para existir.
Mas também "social", já que, segundo Alencar, a instituição no Brasil trazia a promessa de inserção, como cidadão (ainda que parcial), do escravo alforriado e de seus filhos.
Finalmente, num raciocínio pouco usual na época, Alencar, de certa forma prefigurando Gilberto Freyre, autor de "Casa Grande & Senzala", afirmava que a escravidão permitia a existência de uma cultura original no Brasil, fruto da "miscigenação" de costumes entre "brasileiros" e negros africanos.


CARTAS A FAVOR DA ESCRAVIDÃO
Autor: José de Alencar
Organizador: Tâmis Parron
Editora: Hedra
Quanto: preço a definir (160 págs.)

Texto da Folha de São Paulo, de 8 de outubro de 2008.

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sábado, outubro 11, 2008

A greve dos bancários NÃO acabou!

Se você chegou aqui via Google, a informação que a greve dos bancários acabou é de alguns anos atrás.
Sobre a greve dos bancários em sua campanha salarial de 2008, aqui em Porto Alegre, você pode achar informação no saite do Sindicato dos Bancários.
Eu comento algo no meu outro blog, o Ainda a Mosca Azul.

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quinta-feira, outubro 09, 2008

O gosto do pó

O Gosto do Pó

NÃO TENHO VOCAÇÃO para idealizar as coisas. Idealizar é pensar que o mundo é melhor do que parece. A idealização aumenta o já inevitável risco de fracassar na vida. Reconheço, caro leitor, que a incapacidade de idealizar pode se transformar numa doença mortal. O ceticismo, o cinismo, o niilismo, a melancolia, são formas possíveis dessa doença.
Muitos acreditam que sem utopias ou ideais a vida perde o sentido. Talvez tenham razão. Acho que não. Eu, desprovido de qualquer órgão para idealização, prefiro sempre a realidade à fantasia. Nunca tive qualquer esperança metafísica. Não acho que minha vida seja necessariamente melhor por isso. Uma das banalidades da sociedade moderna é confundir conhecimento com felicidade e sucesso. "A vida para a felicidade" é irmã gêmea da mediocridade.
Mas a mediocridade pode ser uma forma de sobreviver. Muitas vezes, não há muito mais do que isso como opção no cotidiano. Não acho que o conhecimento salve ninguém, mas ele nos ensina outras formas de olhar o mundo. Nós pensamos enquanto as aranhas tecem suas teias.
Habitamos em dois mundos: o externo e o interno. Do lado de fora, a ameaça vem do fato de sermos parte insignificante da cadeia alimentar. Portadores de um órgão que pensa e vê a beleza, sabemos que este órgão, gelatina cinzenta, é também alimento de muitos outros animais. Sejam eles gloriosos leões, sejam eles miseráveis vermes. Esse "excesso" de conhecimento é a ameaça que nos atormenta no mundo interno. Combatemos em duas frentes.
Na primeira, combatemos a violência do meio ambiente, onde animais devoram uns aos outros. Na segunda, combatemos a violência da alma, onde o medo se torna nosso irmão gêmeo. Esse "excesso" de conhecimento nos faz carregar nas costas, há infinitos milênios, a imagem de nosso próprio cadáver no espelho. À noite, quando dormimos, os fantasmas dessa alma, que sabe mais do que deve, nos visita.
Às vezes, na insônia, como diria Elias Canetti, ouvimos os ruídos do corpo e sentimos a fragilidade da vida que nos escapa. Certa feita, o escritor israelense Amóz Oz me disse, numa entrevista para a Folha, que tem o hábito de caminhar pelo deserto todas as manhãs. Esse hábito o ajuda a compreender melhor a condição humana.
Por quê? Amóz Oz tem em mente a antiga tradição religiosa de caminhar pelo deserto a fim de percebermos do que somos feitos: pó e cinzas. Grandes descobertas sobre si mesmo e sobre a vida são comuns nos relatos dessas caminhadas. Uma teologia forte nasce aí: na pobreza do pó.
Aliás, a ignorância com relação às grandes tradições religiosas é marca de um iluminismo estreito, característico da nossa formação em ciências humanas. Marx, Nietzsche e Freud, apesar de terem posto a teologia de joelhos, apresentam visões simplificadas da religião. Mesmo a literatura de auto-ajuda, esse grande engodo, bebe nesta experiência do deserto para construir suas fórmulas baratas de salvação.
Mas a consciência do deserto pode nos assaltar mesmo em meio a nossa vida cotidiana. Não é necessário irmos a Israel. O envelhecimento é um exemplo. O medo do envelhecimento mostra seus dentes todas as manhãs. Quando olho no espelho pela manhã, e vejo as marcas do tempo no rosto, sou visitado por este fantasma. Ou quando recebo o resultado infeliz de um exame de laboratório.
Hospitais e cemitérios são lugares excepcionais para fazermos filosofia. Imediatamente, é restabelecida, em minha alma, a consciência do punhado de pó que sou. A cada doença, o pó toma o lugar do corpo. Eis a agonia interna da alma se fazendo presente.
Uma das coisas mais difíceis de se pensar quando vivemos numa cultura excessivamente medrosa como a nossa, viciada na utopia do "humano eficaz", é que outros modos de vida já foram menos covardes. Isso nada tem a ver com "voltar ao passado". Faz parte de nossa cultura o auto-engano porque tememos que a tristeza nos torne menos eficientes.
Imperativos do tipo "seja jovem" excluem grande parte da experiência cotidiana. A imensa maioria das horas se passa entre a insegurança e o medo. Se o seu pai ou a sua mãe sonha em ser "jovem" como você, a fala escondida nesse desejo é: "você meu filho, você minha filha, não tem futuro". A coragem é necessária para sermos gente grande. A "propaganda da juventude" humilha a alma que tem, em sua boca, o gosto do pó todos os dias.

Texto de Luiz Felipe Pondé, na Folha de São Paulo, de 6 de outubro de 2008.

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Coisas que posso dizer #8

"É difícil fazer parte de alguma instituição feita para melhorar o mundo e ajudar os homens, seja essa escola, partido, empresa, movimento ou outra, e não ter uma visão desencantada ou mesmo cínica sobre as instituições feitas para melhorar o mundo e ajudar os homens. "

César Xrmr, no Animot.

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quarta-feira, outubro 08, 2008

Ainda sobre o Teatro São Pedro

Sobre a nota anterior, o saite do jornal Zero Hora, informa que ontem estava sendo gravada a edição de aniversário do programa Altas Horas, da TV Globo. Entre as atrações que participaram da gravação, as cantoras Maria Rita, Fernanda Abreu e Fernanda Takai, o cantor Arnaldo Antunes, e os grupos Charlie Brown Jr., Cachorro Grande e Sepultura, mais o grupo britânico McFly.

Alguma destas atrações deve ter sido a causa da emoção das meninas.


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terça-feira, outubro 07, 2008

Nos fundos do Teatro São Pedro

Eu não sei, o que aconteceu, ou talvez acontecerá, no Teatro São Pedro nos próximos dias.

Mas quem quer que seja o protagonista, estava causando furor em um grupo de adolescentes, como pode ser visto abaixo.



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Vai uma lancha?

Esta estava em exposição no Shopping Iguatemi, aqui de Porto Alegre. Cerca de R$ 60.000,00, com planos de financiamento em até 60 vezes.


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Aritmética da Crise

Aritmética da Crise

EM 1994 , nos EUA, os juros dos empréstimos bancários eram baixos. Em Nova York, os Jones, um casal de professores, decidiram comprar um apartamento que valia US$ 300 mil. Graças a uma herança, eles dispunham de um aporte inicial de US$ 100 mil e conseguiram um empréstimo hipotecário de US$ 200 mil a juros fixos; a mensalidade, que pagariam por 30 anos, era compatível com seus salários.
Em 1996, o apartamento dos Jones, comprado por US$ 300 mil, já estava valendo US$ 450 mil, e os bancos competiam para refinanciá-lo. Os Jones contrataram novo empréstimo hipotecário de US$ 350 mil; com isso, pagaram o saldo da hipoteca anterior (quase US$ 200 mil) e ficaram com US$ 150 mil líquidos, para eles.
A bolsa não parava de subir, e os Jones investiram seus 150 mil (sobre os quais pagavam juros de 6%) em fundos de ações (com retorno médio de 16% ao ano). Nada mal.
Dois anos mais tarde, o apartamento valia US$ 600 mil. Os Jones pediram a seu banco uma linha de crédito garantida por uma segunda hipoteca sobre o imóvel: mais US$ 150 mil, que eles investiram nos mesmos fundos de ações.
Nessa altura, além do apartamento (que valia 600 mil, mas com duas hipotecas, de 350 e 150 mil), os Jones possuíam um capital investido de US$ 300 mil. Sucesso, hein?
Preocupados em não perder o trem da alegria, convencidos de que não há bem-estar sem crescimento contínuo e entusiastas da internet, os Jones venderam seus fundos e passaram a negociar ações diretamente numa corretora on-line, com bons resultados: naqueles anos, era difícil errar. Preferiam as ações de empresas das novas tecnologias, que prometiam lucros rápidos. Seus investimentos serviam como garantia para eles alavancarem dinheiro para mais investimentos, o que multiplicava o retorno (e também os riscos, mas os Jones se sentiam confiantes: só conheciam céus azuis -longo período de juros baixos, aumento vertiginoso do preço dos imóveis e subida contínua das bolsas).
Em março de 2000, no desastre das ações de tecnologia, alavancados além da conta, os Jones tiveram que vender na pior baixa. Perderam metade de seu capital. Mas, nesta altura, seu imóvel valia US$ 800 mil; eles ampliaram a linha de crédito e voltaram para a bolsa com toda força.
No 11 de Setembro de 2001, novo desastre. Os Jones ficaram com quase nada. Sobrava-lhes seu imóvel. Problema: entre 2000 e 2001, pela queda nas bolsas, US$ 4 trilhões sumiram das contas dos americanos; o preço dos imóveis estava fadado a baixar. No fim de 2007, o apartamento dos Jones, hipotecado por US$ 500 mil, valia US$ 450 mil. Entregar a casa para o banco credor se tornava um bom negócio. Essa é a história de uma hipoteca de primeira linha. A das hipotecas de segunda linha ("subprime") é mais simples.
Nos anos 90, os Smiths não tinham renda para pagar as mensalidades de um empréstimo. Para que os menos solventes aproveitassem a "festa" imobiliária, os bancos inventaram um tipo de empréstimo com juros bem altos, mas que seriam cobrados só a partir do terceiro ano. Ou seja, antes de dois anos, os Smiths venderiam seu imóvel (cujo valor teria aumentado de, digamos, 30%), reembolsariam o empréstimo do banco e ficariam com o tal 30%, um pequeno patrimônio. Tudo certo -à condição que o preço dos imóveis não parasse de subir.
Durante esse tempo, os bancos, assim como seus clientes, também apostaram no eterno "boom" dos imóveis e transformaram os débitos hipotecários dos Jones e dos Smiths em títulos negociáveis, lastro para alavancar mais dinheiro etc.
O que foi? Cobiça dos Jones e dos Smiths? Ganância de executivos preocupados só com seu bônus de Natal? Uma grande jornalista americana, Barbara Ehrenreich, no "New York Times" de 23 de setembro, aponta para um responsável menos óbvio: o pensamento positivo, triunfante na cultura americana das últimas décadas.
Para Ehrenreich, o problema é que, há anos, "tropas de pastores de superigrejas e um fluxo infinito de best-sellers de auto-ajuda" juram que, para conseguir o que a gente quer, é suficiente "acreditar firme": deseje ardentemente o objeto de sua ambição, e eis que o mundo e Deus responderão a seu pedido.
As estantes das livrarias de aeroporto mandam cada viajante (sobretudo se for um executivo) ser loucamente otimista e confiante. Em seus sites, os conferencistas motivacionais ainda listam orgulhosamente, entre seus clientes importantes, Lehman Brothers e Merril Lynch...

Texto de Contardo Calligaris, na Folha de São Paulo, de 2 de outubro de 2008.


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Acervo digital do Diário Oficial do estado de São Paulo será aberto

Acervo digital do "Diário Oficial" será aberto

A partir de hoje, arquivos dos 117 anos do jornal podem ser consultados gratuitamente pela internet

RACHEL COSTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Em 1º de maio de 1891, circulava a primeira edição do "Diário Oficial" do Estado de São Paulo. A publicação, com apenas quatro páginas, era bem diferente da atual, que ultrapassa as 600 páginas. A partir de hoje, todas elas estarão disponíveis gratuitamente na internet, no www.imesp.com.br.
Anteriormente, as pesquisas nas edições de 1992 até hoje e as buscas por palavra-chave nos jornais de 2001 a 2008 eram pagas -R$ 12,00 a hora.
A leitura das sete últimas edições e a busca por edições de 1891 a 1991 era gratuita, mas exigia cadastro prévio. A partir de agora, a cobrança e o cadastramento deixam de existir.
O diretor-executivo da Imprensa Oficial de São Paulo, Hubert Alquéres, fala que, com a iniciativa, São Paulo torna-se um dos primeiros Estados do país a disponibilizar todos os seus Diários Oficiais de forma gratuita para a consulta virtual.
No Tocantins isso já acontecia, mas o arquivo do Estado tem apenas 19 anos, pouco perto dos 117 anos registrados pela imprensa oficial paulista.
Nos arquivos do "Diário Oficial" é possível acessar projetos de lei, gastos e investimentos dos órgãos públicos, balanços de empresas, resultados de concursos, nomeações e demissões de servidores públicos.
Para Alquéres, a medida aumenta a transparência ao permitir ao cidadão consultar os atos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário estaduais.
Júlio Pimentel Pinto, professor do Departamento de História da USP, teve acesso ao conteúdo antes do lançamento. Em sua avaliação, a iniciativa facilita a pesquisa e incentiva uma melhor reflexão sobre a história de São Paulo gravada nas páginas da publicação.
Alquéres conta que, para incentivar o acesso aos arquivos do "Diário Oficial" do Estado, serão criados dois projetos para o próximo ano. Um voltado para as escolas públicas -para o uso do acervo pelos professores em sala de aula- e outro para estudantes universitários -para o desenvolvimento de pesquisas acadêmicas.

Texto da Folha de São Paulo, de 1º. de outubro de 2008.


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Cientista desafia darwinistas com prêmio multimilionário

Um criacionista turco chamado Adnan Oktar lançou um desafio aos darwinistas ao oferecer um prêmio de 10 bilhões de liras turcas (7,3 bilhões de dólares) ao cientista que lhe apresentar um fóssil que comprove o processo evolutivo.

Oktar, de 52 anos, é um dos mais ferozes críticos da teoria da evolução de Charles Darwin, a qual ele qualifica como "ditadura darwinista", segundo o jornal The Independent.

Contra todas as evidências científicas, Oktar afirma que não existem fósseis que possam provar as teorias de Darwin.

O criacionista ficou famoso há 10 anos quando distribuiu gratuitamente no mundo inteiro o seu luxuoso livro 'Atlas da Criação', uma edição de 800 páginas no qual ele afirma que durante milhões de anos as formas dos seres vivos não evoluíram.

Segundo a agência EFE, o biólogo britânico Richard Darwins qualificou o livro como 'ridículo' e seu conteúdo como 'inane'. Em resposta, Oktar disse que o biólogo não havia lhe apresentado nenhum fóssil que apoiasse as teorias darwinistas.

Kevin Padian, da Universidade da Califórnia, disse que Oktar "não tem nem idéia de tudo o que já é conhecido sobre a evolução. Se ele visse um fóssil de um caranguejo, diria que é um normal. A extinção não parece preocupar-lhe."


Redação Terra

Texto visto no Terra.

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sexta-feira, outubro 03, 2008

Montagem da Feira do Livro 2008 a mil

O cenário para a Feira do Livro de Porto Alegre, neste ano de 2008, está sendo montado rapidamente.
Esta foto foi tirada numa quinta-feira, dia 25 de setembro.

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quinta-feira, outubro 02, 2008

Bichos-preguiça




Foto de Ronald Wittek, da EFE, no UOL.

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Quase memória

Quase memória


Relação do brasileiro com seu passado é mais tênue do que aquela construída nos países europeus e mesmo nas demais nações latino-americanas



PETER BURKE
COLUNISTA DA FOLHA

Na última geração, os europeus experimentaram um "boom de memória", uma onda de interesse, tanto acadêmico quanto popular, pelas lembranças; não apenas memórias individuais, mas também coletivas -em outras palavras, imagens compartilhadas do passado.
Essa onda de interesse foi ao mesmo tempo expressada e incentivada pela série de sete livros de enorme sucesso lançada pelo estudioso-editor Pierre Nora entre 1984 e 1993, sob o título "Les Lieux de Mémoire" [Os Lugares de Memória].
A idéia central de Nora foi pedir a seus colaboradores que se concentrassem em lugares associados a memórias coletivas do passado francês - lugares geográficos, como Versalhes ou o Panteão, mas também lugares metafóricos, como a "Enciclopédia Larousse" ou mesmo a "Marselhesa".
A série foi imitada em outros países europeus, como a Alemanha e a Itália. Poderia ou deveria ser imitada também no Brasil?
Poder-se-ia afirmar que no Brasil ou em outros lugares do Novo Mundo um empreendimento como o de Nora seria inadequado, pois, em comparação com a Europa, nas Américas um edifício é considerado antigo quando data da década de 1930, e a população de muitos países é relativamente jovem e mais voltada para o futuro do que para o passado.
Na verdade, os brasileiros parecem ainda menos preocupados com o passado do que as populações de outros países latino-americanos, especialmente a Argentina.
De todo modo, o Brasil tem seus próprios "lugares de memória". Os nomes de muitas localidades, de Iguaçu a Paraíba, têm um significado em tupi e assim nos lembram, ou deveriam lembrar, os tupinambás e outros "primeiros povos".

Cidades, pessoas
As cidades, por outro lado, muitas vezes evocam memórias da Europa. Os imigrantes tentaram recriar nas Américas um mundo conhecido, batizando suas cidades de Belém, Nova Friburgo, Nova Odessa e assim por diante.
Em comparação, os escravos africanos que foram trazidos para o Brasil contra a sua vontade não tiveram a oportunidade de impor nomes familiares à paisagem estranha. No entanto tentaram a reconstrução simbólica do espaço africano nos terreiros de candomblé.
As memórias locais também são importantes. Os nomes de algumas cidades e muitas ruas se referem a líderes e acontecimentos locais -João Pessoa, avenida Nove de Julho etc. Nomes como esses foram conseqüência de iniciativas oficiais.
Um testemunho mais direto de memórias populares ou atitudes em relação ao passado vem dos nomes pessoais.
Para um visitante europeu, é uma espécie de surpresa descobrir quantos brasileiros têm nomes de heróis culturais como Edison, Milton, Newton ou Washington.
O único problema é descobrir se esses nomes foram escolhidos pelos pais por sua sonoridade ou por sua associação com o Reino Unido, os EUA, a ciência ou a democracia.
Um equivalente brasileiro a "Os Lugares de Memória", se fosse publicado, como espero que um dia o seja, naturalmente incluiria as comemorações oficiais de eventos como a descoberta do Brasil pelos portugueses ou a expulsão dos portugueses da Bahia em 1823.
Como no caso da Europa, os locais de memória incluiriam museus e monumentos (embora os visitantes europeus possam se surpreender ao ver monumentos aos imigrantes no Brasil).
Também haveria espaço para pinturas históricas como "Independência ou Morte", de Pedro Américo, ou suas imagens da guerra contra o Paraguai.
De todo modo, os principais lugares de onde a maioria dos brasileiros extrai suas visões do passado são certamente o Carnaval e a telenovela.
Temas históricos são comuns nos enredos das escolas de samba do Rio e seus equivalentes em outras cidades -eventos como a descoberta do Brasil ou a abolição da escravatura e indivíduos como Zumbi ou o imperador d. Pedro 2º. Quanto às telenovelas, pense-se no sucesso de "A Escrava Isaura" em 1976 e novamente em 2004; e de "Sinhá Moça" em 1986 e também 20 anos depois, assim como novelas relacionadas à história mais recente, de "Éramos Seis" (1994) a "Terra Nostra" (1999).

Novelas e Carnaval
Com um pouco de exagero, poderíamos comparar as visões do passado brasileiro apresentadas nesses dois meios de comunicação. A visão carnavalesca tende a ser crítica e a apresentar o ponto de vista do escravo. Por exemplo, em 1988, centenário da abolição da escravidão, o tema da Mangueira foi "Cem Anos de Liberdade - Realidade ou Ilusão?".
As novelas, por sua vez, geralmente apresentam uma visão de harmonia social -embora apareçam os fazendeiros e capatazes cruéis, os protagonistas (em geral brancos ou mestiços) são generosos e idealistas.
Em suma, poder-se-ia dizer que o Brasil tem o que poderíamos chamar de um "regime de memória" próprio. Em contraste com a França e outras partes da Europa, há menos preocupação com o passado, e os lugares associados às memórias também são diferentes.
O contraste entre o regime de memória do Brasil e o de seus vizinhos hispano-americanos não é menos notável. As estátuas eqüestres de líderes como Bolívar, San Martín e Artigas não são muito presentes no Brasil (com exceção do Rio Grande do Sul, pelo menos), uma lembrança de que o Brasil conquistou a independência por meios mais pacíficos do que a América espanhola.
Uma estátua foi oferecida a dom Pedro 2º depois da Guerra do Paraguai, mas o imperador a recusou, enquanto o marechal Deodoro teve de esperar até 1937 e as políticas de comemoração do regime Vargas para que sua estátua eqüestre fosse erguida no Rio.
Outro contraste entre o Brasil e seus vizinhos, especialmente a Argentina, o Chile e o Peru, se refere às memórias recentes de regimes autoritários e às pessoas "desaparecidas".
O Brasil não tem equivalente à Comissão da Verdade chilena -embora uma equipe de pesquisadores patrocinada pelo cardeal Paulo Evaristo Arns, ex-arcebispo de São Paulo, tenha publicado "Brasil, Nunca Mais", um relato dos abusos aos direitos humanos durante a ditadura militar.
Até agora a anistia e a amnésia -conceitos associados- predominaram. Essa situação vai mudar em um futuro próximo ou o regime de memória do Brasil continuará original?


PETER BURKE é historiador inglês, autor de "O Que É História Cultural?" (ed. Zahar). Escreve na seção "Autores", do Mais!.
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.

Do caderno Mais!, da Folha de São Paulo, de 28 de setembro de 2008.


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Darwinismo (e Criacionismo) na Turquia

O debate muçulmano do criacionismo: enfrentando Darwin na Turquia
Os cristãos fundamentalistas americanos não são os únicos liderando uma cruzada contra Darwin. O criacionismo e o "design inteligente" também estão se tornando cada vez mais populares entre os muçulmanos da Turquia

Daniel Steinvorth
Em Istambul (Turquia)


O homem que deseja salvar o mundo se chama Harun Yahya e lembra um ator da época do cinema mudo. Ele veste um terno de seda branca, abotoaduras douradas e exibe uma barba bem aparada no queixo. "Em 20 anos", ele diz em tom sério, "a humanidade entrará em uma era dourada".

Yahya diz que descobriu essa notícia maravilhosa na Bíblia e no Alcorão. Ele argumenta que é um "fato científico" que Jesus e o Mahdi, o messias muçulmano, voltarão à humanidade para resolver todos os conflitos globais. Antes, entretanto, ele diz que esses dois emissários celestiais terão que lidar com outro desafio: eles terão que erradicar a heresia do naturalista britânico Charles Darwin, que postula que toda a vida se originou de um processo de seleção natural.

Na visão de Yahya, o darwinismo está na raiz de todos os males do mundo. Visando ajudar a livrar o mundo desta teoria, ele bancou a impressão de milhares de cópias de "O Atlas da Criação" e as enviou para várias partes do mundo. Este tomo de formato grande e 800 páginas visa provar que nunca houve uma evolução natural das espécies. Em vez disso, ele argumenta que todas as formas de vida da Terra permaneceram inalteradas por milhões de anos. Ilustrações coloridas de fósseis foram incluídas para documentar a falta das chamadas formas transitórias.

Yahya, 52 anos, um ex-estudante de arquitetura, é sem dúvida o mais expressivo seguidor do criacionismo em seu país. Ele alega já ter vendido 8 milhões de cópias de seus vários livros. No ano passado, milhares de cópias de "O Atlas da Criação" foram entregues - de forma não solicitada - para escolas de toda a Europa. A identidade da pessoa ou instituição que pagou a conta dessa iniciativa permanece desconhecida.

Além de Yahya, que atualmente está sendo processado "por ganho pessoal ilegal", há outros opositores veementes da evolução na Turquia. Um deles é Kerim Balci, um jornalista que trabalha para o jornal "Zaman" pró-governo. Sua mensagem: "Deus não é aquele que está morto; é o darwinismo".

Uma pesquisa realizada em 2006 mostrou quão impopular permanece a teoria da evolução no mais moderno de todos os países islâmicos. Foi perguntado às populações de 34 países sobre sua postura em relação à teoria da evolução, e o menor percentual de defensores foi encontrado na Turquia. Apenas um quarto dos turcos sente que a teoria de Darwin é correta. Apenas ligeiramente à frente deles - em 33º lugar - estavam os americanos.

Para Ibrahim Betil, um ativista comunitário turco envolvido em programas escolares, estes números contrastam enormemente das políticas educacionais oficiais do país. Diferentemente do que está acontecendo em várias áreas nos Estados Unidos, todas as tentativas de introduzir o criacionismo nas aulas de biologia na Turquia foram bloqueadas. Apenas a teoria da evolução é ensinada "em todas as escolas, em todas as salas de aula, mesmo nas províncias mais remotas".

Mas isso poderá mudar em breve. Como colocou recentemente o ministro da Educação ortodoxo da Turquia, Hüseyin Çelik, o darwinismo não é nada mais do que "uma arma dos materialistas e dos infiéis". Çelik é um grande admirador da teoria do "design inteligente" - uma versão moderna da teoria do criacionismo, que alega reconhecer a mão de uma espécie de projetista por trás de todas as leis naturais do mundo.

Tradução: George El Khouri Andolfato

Texto da Der Spiegel, no UOL.


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quarta-feira, outubro 01, 2008

Paul Newman - 1925-2008


Mais um dos grandes do nosso imaginário que se vai. Não me recordo de nenhum filme de Paul Newman que tenha me marcado, mas certamente isto é mais uma falha minha do que do ator. A única cena que me lembro é dele, em parceria com Robert Redford, na cena final do filme Butch Cassidy and Sundance Kid. Ótima.

É um tempo para rever alguns filmes dele, inclusive Butch Cassidy and Sundance Kid.

Destes grandes galãs das décadas de 1960, Newman, Steve McQueen e Robert Redford, sobrevive Redford. Vida longa a ele.

A foto é da Associated Press, de 1968. Está publicada na capa da versão online da Folha de São Paulo, deste domingo, 28 de setembro de 2008.


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Igrejas evangélicas crescem em território católico - Espanha e América Latina

Entre o mercado e o púlpito: igrejas evangélicas crescem em território católico
Centenas de igrejas evangélicas desembarcam na Espanha com os imigrantes. A porcentagem de protestantes na América Latina já alcança 20% da população. Algumas organizações fazem negócios às custas da fé

María Antonia Sánchez-Vallejo
Em Madri

Na América Latina se rompeu o monopólio da fé. O pluralismo e a concorrência dominam o cenário religioso; o proselitismo assume as leis do mercado - e as técnicas de comunicação multimídia - e parte de uma paróquia tradicional ou nominalmente católica passa para as igrejas evangélicas. Falar em transferência maciça não é exagerado: calcula-se que entre 10% e 20% da população sul-americana sejam protestantes, de 20% a 30% na América Central e mais de 31% na Guatemala. Exemplos do fenômeno do fundamentalismo cristão, as novas igrejas latinas arrastam massas populares e começam a exportar pastores. Também para a Espanha: os imigrantes reproduzem suas comunidades religiosas ou as criam novamente, o que os ajuda a salvar-se do isolamento da imigração. Surgem "como cogumelos" - nas palavras de um pastor protestante - igrejas livres, autônomas, informais, o que também representa um risco de penetração de seitas ou grupos de filiação duvidosa.

O Vaticano considera uma "sangria que não pode ser parada" a deserção dos católicos - no caso de que o fossem anteriormente - para as fileiras protestantes e a atribui a um "proselitismo agressivo" - os termos entre aspas são declarações do papa Bento 16 -, mas os evangélicos aproveitam a distância secular, na sua opinião, entre o clero e os fiéis católicos para ganhar terreno. São protagonistas desse fenômeno as igrejas pentecostais, que salientam a ação direta do Espírito Santo e seus dons - a cura, a profecia ou o dom das línguas -, o que na prática se substancia em cerimônias participativas, inclinadas ao êxtase coletivo. Pentecostais são os pregadores que, na América Latina e na Espanha, dominam as ondas ou as antenas de várias rádios e televisões locais. Pastoreiam comunidades formadas majoritariamente por fiéis de baixo nível social e, no caso dos imigrantes, de seres que regulam sua nova vida através da experiência religiosa. Mas por trás de algumas siglas ou nomes há interesses equívocos, quando não negócios - às vezes autênticas multinacionais - em nome da fé.

O que representa essa proliferação de novos movimentos religiosos na América Latina? E na Espanha, representa algum desafio? Há algum filtro, modos de garantir a idoneidade das novas igrejas? "Na Espanha há cerca de 2.600 igrejas evangélicas, e 2.100 estão registradas em nossa federação. O resto não se inscreve porque é muito recente, ou porque estão em processo de constituição ou porque não querem", afirma Mariano Blázquez, secretário-executivo da Federação de Entidades Religiosas Evangélicas da Espanha (Ferede), interlocutora diante do governo espanhol. À lista de igrejas oficiais somam-se centenas de igrejas espontâneas, às vezes efêmeras. "(No âmbito protestante) os grupos não precisam da aprovação de um bispo ou de uma hierarquia para funcionar. Qualquer um pode criar uma igreja, e essa é exatamente nossa grande fraqueza. Não podemos evitar excessos ao amparo da liberdade. O único que podemos fazer na Ferede é explicar qual é a realidade espanhola e acompanhá-los no processo de constituição. Os únicos limites são a legislação espanhola e o Evangelho", conclui Blázquez, que confirma um desembarque "difícil de controlar". Blázquez e os demais especialistas consultados franzem a testa quando se levanta o argumento das seitas. "Prefiro falar de atividades delituosas ou que possam afetar a personalidade. 'Seita' não tem uma conotação jurídica, mas por trás de algumas igrejas há atividades que podem ser perseguidas. É isso que é preciso denunciar, trate-se de uma igreja ou de um clube de futebol", afirma.

O representante da Ferede se refere concretamente à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), também denominada Pare de Sofrer em muitos países latino-americanos e investigada no Brasil e na República Dominicana por fraude fiscal, malversação de fundos e suposta lavagem de dinheiro do narcotráfico, cujo exemplo El País pôs na mesa discutir o problema das seitas. A alusão não é gratuita. Com outro nome - Comunidade Cristã do Espírito Santo -, a IURD está inscrita desde 1993 no Registro de Entidades Religiosas do Ministério da Justiça da Espanha. Mas não está na Ferede, embora Blázquez lembre que não é obrigatório.

A que se deve a rejeição de seus pares? "Ao mercantilismo, à perversão do Evangelho. Vendem a água do rio Jordão e cruzes bentas, tudo isso é alheio a nós. Mas foram eles que retiraram o pedido de registro. É claro que de nossa parte havia certa disposição a uma avaliação desfavorável, pois algumas de suas práticas são discordantes."

Por exemplo, o recurso à superfé, o evangelho da prosperidade, que se baseia em doações voluntárias como prova de fé. Por essa via a IURD arrecada bilhões de dólares por ano, segundo fontes fidedignas. Basta dar um clique na página da web da Comunidade Cristã do Espírito Santo para saltar para outra em que aparece um convite para realizar doações, seguida de um número de conta. Não se trata do dízimo - a contribuição de 10% do salário para a manutenção da igreja, uma forma de autofinanciamento nas igrejas protestantes. Vai muito além.

Mas a IURD, com a qual El País tentou entrar em contato sem resultado, não é a única "igreja" questionada. Também o são agrupamentos como Juventude Com Uma Missão (JCUM), a qual o Brasil acusa de manipular indígenas da Amazônia e que também está presente em uma dezena de cidades espanholas, assim como registrada na Ferede e na Justiça; o instituto Lingüístico de Verão, controversa associação americana de difusão da Bíblia arraigada em comunidades indígenas do Peru, México Colômbia ou Brasil, ou finalmente o grupo missionário americano Novas Tribos, que foi expulso da Venezuela em 2005 por ser, segundo Hugo Chávez, "agentes de penetração imperialista".

Exemplos como este último ano poderiam propiciar outra leitura: a perseguição por parte de regimes de esquerda ou populistas a organizações que disputam os favores das massas. Algo como um expurgo do populismo contra o povo.

Do povo procede a onda mais recente de fiéis e pastores que chega à Espanha. "Os recém-chegados têm um perfil discreto, vêm do Equador, de Honduras," explica Blázquez. "Nada a ver com a imigração maciça de profissionais de 15 anos atrás, coincidindo com a primeira crise grave da Argentina. Alguns já eram evangélicos, outros se converteram aqui", acrescenta o representante da Ferede.

Antonio González, doutor em filosofia e teologia, ex-colaborador do jesuíta Ignacio Ellacuría e bom conhecedor da realidade centro-americana - viveu sete anos na Guatemala e em El Salvador -, está de acordo: "Os pentecostais costumam ser de classe baixa ou mesmo de ambientes de extrema pobreza". O pentecostalismo se arraiga entre os mais desarraigados, embora também haja pentecostais de classe média e alta e inclusive políticos, como o direitista guatemalteco Efraín Ríos Montt.

"A proletarização nas grandes cidades provoca a necessidade de recriar uma nova identidade, e as igrejas evangélicas oferecem a oportunidade de forjar essa identidade alternativa", conclui. Para a maioria dos imigrantes, carentes de referências, o fato religioso é portanto uma tábua de salvação. "São muitos os latino-americanos que não eram protestantes antes de vir e que se tornam evangélicos precisamente na Espanha, pois é aqui que experimentam a proletarização e a anomia. Também não faltam crentes que, muito fervorosos em seus países de origem, na Espanha perdem seu fervor, talvez devido à prosperidade econômica ou pelo desejo de ser aceitos", continua González. "As igrejas evangélicas representam para muitos deles uma maneira de se integrar, mas também se corre o risco contrário, o da criação de igrejas étnicas, isoladas. Em nossa igreja, por exemplo, há oito latino-americanos", afirma Pedro Tarquis, porta-voz da Aliança Evangélica Espanhola. "Nosso maior seguro, o maior controle, é a convivência, e o ideal seria a interculturalidade, mesmo que sejam os filhos dos que chegam agora que realmente se integrarão.

"Há costumes diferentes, é verdade, mas pelo menos temos um idioma comum, coisa que não ocorre com os emigrantes da Europa do Leste ou da Ásia", acrescenta Tarquis, que vê nessa incorporação seiva nova para as igrejas: "Assim como a realidade católica nos EUA se sustenta pela presença de imigrantes latinos, aqui na Espanha poderia se afirmar o mesmo do movimento evangélico". Não há cifras do número de imigrantes latino-americanos na Espanha que professam a religião evangélica, e os do subcontinente são aproximados, como vimos. Mas ninguém duvida do potencial evangelizador da América Latina.

Pela primeira vez a América do Sul não é uma terra de missão, mas um viveiro de pastores e fiéis. "As igrejas evangélicas cresceram e seus líderes são autóctones, não é verdade que sejam produto da penetração americana, não mais. A região do mundo que tem mais missionários é a América Latina, e os manda inclusive para a América do Norte", explica Mariano Blázquez.

"Estima-se que há mais de 9 mil missionários latino-americanos, enviados e sustentados pela América Latina, trabalhando em culturas diferentes da sua. Cerca de 4 mil o fazem na Ásia, África e Europa do Leste", relata Samuel Escobar, de origem peruana, catedrático emérito de Missionologia no Seminário Teológico Batista da Pensilvânia (EUA). "A religiosidade evangélica latino-americana é um fenômeno crescente e vigoroso", acrescenta. "É difícil estimar com precisão quantos protestantes há no continente, mas, por exemplo, no Peru, segundo o censo de outubro de 2007, a população protestante maior de 12 anos duplicou desde 1993 e hoje chega a 12,5%. No Chile se aproximaria de 20%."

E como é a vivência religiosa dos evangélicos? Exatamente isso, uma experiência pessoal, comunitária, vital, que traspassa os limites do culto para se enraizar no emocional e no cotidiano. Basta dar uma volta pelos bairros populares das grandes cidades para constatar a mobilização: são muitas as convocações de rua, de folheto na mão, para cultos e reuniões "de fraternidade" que pescam, sobretudo no calado dos jovens. Também proliferam os cartazes pregados em portais, bocas de metrô ou faróis com apelações ao "chamado do Evangelho". Os convocantes podem se chamar, por exemplo, Livres x Cristo, nome que aparece em um folheto apanhado ao acaso em um bairro de Madri com alta porcentagem de imigração latina. "Renovação juvenil", anuncia o papel; "música com uma mensagem de mudanças para sua vida." Remetente: Compañerismo La Puerta. A entrada ao ato, com músicas e obras de teatro, é grátis.

"A atração das igrejas pentecostais é a de uma fé pessoal, compreensível, fortemente vivencial, diante da experiência mais anódina, autoritária, fria, que costumam ter muitos latino-americanos na Igreja Católica. Inclusive quando o sacerdote procede de meios muito populares sua formação o distancia de suas origens mais que os pastores pentecostais, que permanecem mais próximos de suas raízes. E normalmente a Igreja Católica, quando se interessa pelos pobres, não pode deixar de adotar uma atitude paternalista devido à forte diferença de classes que há entre seus líderes e seus fiéis", salienta Antonio González, conhecedor do contexto católico, tentando explicar as razões do sucesso do protestantismo na América Latina.

"Uma estudiosa pentecostal americana afirma que os latino-americanos quando se tornam pentecostais deixam de ser psicologicamente pobres, embora na verdade continuem sendo", conclui González, professor de teologia no Seminário Evangélico Unido de El Escorial (Madri) e responsável por estudos e publicações da Fundação Zubiri.

Inclusive quando algumas dessas igrejas são às vezes "mais conservadoras que as européias", lembra Blázquez, em geral inoculam no crente "um estilo de vida mais disciplinado - sem álcool, etc. -, o sentimento de ajuda mútua, um apoio decidido a suas iniciativas vitais, a assumir riscos econômicos, etc.", conta González. "As populações que adotam o protestantismo são populações que prosperam, porque aprendem a ler, a respeitar suas mulheres e adotam uma ética de trabalho que os faz progredir", comenta Tarquis.

Assim que, radicalmente livres, refratárias ao poder, pois na estrutura evangélica não existe hierarquia - não há bispos que nomeiem nem cúria que proíba - e à margem das denominações tradicionais - batistas, presbiterianos, metodistas -, as novas igrejas latino-americanas são protagonistas de um fenômeno sociológico incipiente na Espanha. Sem controle, mas também sem pausa. Entre o culto conservador e a mensagem apocalíptica próxima do milenarismo, 99% das novas igrejas que brotam em nossos bairros também desempenham um trabalho social: proporcionam coesão, amparo, apoio econômico ou uma mão estendida na hora de cuidar das crianças. Umas poucas, porém, quase não conseguem mascarar traços suspeitos, da liderança onipotente ao som incessante da caixa registradora.

"As possibilidades de manipulação são limitadas. É verdade que na América Latina o pastor protestante pode adquirir os traços do velho caudilho, mas ao mesmo tempo tem de ganhar autoridade continuamente, não é sacerdote no sentido de pessoa sagrada", aponta Antonio González. Embora o protestantismo consagre a liberdade e a autonomia, não há nenhuma maneira de exercer certo controle, ou pelo menos uma supervisão de suas atividades e seus fins? Para González, a melhor salvaguarda diante de irregularidades é o "princípio bíblico: o pastor pode ser julgado à luz da Bíblia", embora também reconheça que os abusos mais freqüentes têm sido "do tipo econômico".

Pedro Tarquis propôs em sua época submeter a auditorias a atuação das igrejas da Aliança Evangélica Espanhola, "sobretudo as que já têm um volume de fiéis considerável". Não fizeram caso: sua iniciativa foi vista como uma veleidade de Torquemada, "como uma tentativa de impor uma hierarquia". Em consonância com Tarquis, Samuel Escobar, que passa por ser a autoridade máxima na matéria, não tem dúvidas sobre o método a seguir para abortar irregularidades. "É preciso um consenso social em relação aos limites da liberdade de que gozamos. Agora mesmo nos EUA o senador republicano por Iowa Chuck Grassley conduz uma investigação sobre as manipulações financeiras de seis corporações religiosas que cresceram de maneira notável e mantêm atividade comercial vigorosa. Quatro delas se negaram a responder à investigação", conta Escobar. Igrejas livres? Igrejas "abusivas", na definição do teólogo evangélico americano Pat Zukeran? Ou multinacionais da fé?

Já vai longe a época em que se via a penetração evangélica como um instrumento da CIA - outra teoria que ainda persiste a considera um contrapeso intencional à Teologia da Libertação -, parece que as igrejas, evangélicas ou não, se rendem aos métodos e às vezes aos fins do mercado. Do outro lado do charco e sem ir tão longe, como lembra o teólogo Escobar: "Como seu próprio jornal informa, o deputado socialista José Camarasa está tentando nos esclarecer os relatórios financeiros relativos à visita do papa a Valência em 2006". Por alusões evangélicas, quem não tiver culpa...

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Texto do jornal El País, no UOL.


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