quarta-feira, setembro 30, 2009

A primavera chegou com frio

A primavera chegou com frio

O inverno se foi chovendo. Nada estranho. São comuns os agostos chuvosos, e mesmo alguns setembros. De forma que um inverno rigoroso como há algum tempo não se via, se foi, como já foi dito antes, chorando. Chovendo.

E a primavera chegou também com chuva. Uma transição úmida. O lago Rio Guaíba anda em níveis raramente vistos de fartura d'água. E temos tido notícia de inundações em algumas cidades do Rio Grande do Sul. São Sebastião do Caí, Três Coroas, … Para não falar em Santa Catarina ou Paraná.

E se o inverno se foi, deixou um resto de frio para a primavera. Nesta semana tivemos temperaturas próximas de zero grau Celsius em alguma localidades, como, por exemplo, Bagé. E nesta terça aqui em Porto Alegre, o dia surgiu com temperatura abaixo de 10 graus Celsius. Para 29 de setembro, portanto para a primavera, é muito frio!

E com estas viradas de tempo estou novamente resfriado. Repetindo o chavão de um amigo carioca: “O gaúcho é um forte! Principalmente aquele que consegue sobreviver!”

30/09/2009.


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Mãe "silencia" resto do seu cérebro para ouvir choro de bebê

Mãe "silencia" resto do seu cérebro para ouvir choro de bebê

Estudo feito com camundongos sugere papel de hormônio feminino na inibição do córtex auditivo

RICARDO MIOTO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Pesquisadores mostraram como as mães desenvolvem um ouvido tão aguçado para o choro de seus bebês. Não é que os seus cérebros valorizem mais os chamados dos filhotes. Eles, na verdade, diminuem o volume de todo o resto.
"Você pode imaginar um refletor em cima de um cantor em um palco. Se as outras luzes do palco estão todas acesas, o refletor não destaca tanto o artista. Mas, se está tudo na escuridão, o mesmo refletor destaca o cantor muito bem", disse à Folha Robert Liu, da Emory University, em Atlanta, EUA.
"Nós achamos que as mães têm uma inibição que reduz a atividade nas áreas do córtex auditivo que não estão direcionadas especificamente para o chamado do filhote."
Os pesquisadores utilizaram na experiência, publicada na última edição do periódico "Neuron", fêmeas de camundongo com filhotes e fêmeas virgens. Eles gravaram o chamado de filhotes e exibiram-no para todas elas. Enquanto isso, observaram a atividade das células dos seus cérebros.
Áreas diferentes do córtex auditivo respondem por diferentes frequências ouvidas.
As áreas relacionadas à frequência dos gritos dos filhotes ficaram ativas nos dois grupos. Entretanto, o resto do córtex auditivo das mães se "apagou" com mais intensidade e por mais tempo. Isso ajuda a mãe a reconhecer os chamados de um bebê mesmo que em um ambiente muito barulhento.
Ainda não se sabe como ocorrem essas mudanças no cérebro materno. Segundo Liu, pode ser que o cérebro das mães tenha sido reprogramado pelos hormônios para desligar com mais facilidade áreas auditivas não utilizadas para escutar bebês -sejam filhos delas ou não.
É possível também que as mães tenham "exercitado" o seu cérebro para focalizar a sua concentração no grito dos bebês camundongos.
Apostando na primeira hipótese, Liu e colegas querem agora saber como os hormônios femininos criam o fenômeno.

Texto da Folha de São Paulo, de 15 de junho de 2009.

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Rebeldes da língua

Rebeldes da língua

RIO DE JANEIRO - Abgar Renault (1901-1995), um dos nossos mais subestimados poetas modernos -não necessariamente "modernistas"-, nunca aderiu às reformas ortográficas de 1943 e 1971. Até morrer, escreveu belezas como "Quando me sumo na total ausência/ do curso opaco e ascetico do somno/ e não estou em mais nenhum lugar,/ mil invisiveis cousas mysteriosas/ talvez ocorram sobre o chão, pelo ar".
E Abgar não era um amador excêntrico. Era filólogo, um profissional da língua. Foi um dos expoentes da gloriosa Universidade do Brasil, chegou a ministro da Educação e defendeu o Brasil na Unesco. Pois nem assim. Seus textos em prosa e poemas aportavam nas editoras cheios de "yy" e "ph" e eram convertidos para a ortografia vigente. Ordens de cima, diziam.
Mas sua desobediência civil foi bonita. Movimento parecido, só que em massa, está acontecendo em Portugal, com a recusa dos lusos a aderir ao "acordo" ortográfico recém-decretado e já em uso no Brasil. Os portugueses não querem dispensar o "c" de "insecto", o "p" de "Egipto" ou o "h" de "húmido", além dos tremas e hifens. É como eles veem a língua, e fazem bem em defender seu patrimônio.
Aqui no Brasil começam a surgir sintomas dessa desobediência. O escritor Reinaldo Moraes, autor do recém-lançado romance "Pornopopéia", não abriu mão do acento nem no título. E o também recente "Dicionário Amoroso da Língua Portuguesa", editado por Marcelo Moutinho e Jorge Reis-Sá, com contos, poemas e ensaios de autores de Brasil, Portugal, Angola, Moçambique e Timor Leste, é uma aula prática de unidade na diversidade.
Nesse livro, cada autor escreve como se escreve em seu país. Pois, para nenhuma surpresa, aqui e além-mar, entende-se tudo. E por que não? É a mesma língua portuguesa. Nisso está o seu encanto.

Texto de Ruy Castro, na Folha de São Paulo, de 17 de junho de 2009.


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Genial (sobre Clarice Lispector)



Na crescente cobertura externa de Brasil, que agora avança sobre a cultura, a "Economist" acompanha os jornais americanos e europeus e dá longa resenha da biografia de Clarice Lispector, "um dos gênios mais obscuros das letras modernas". Na legenda, com ironia, "Se ao menos nós pudéssemos entender"

Na coluna Toda Mídia, na Folha de São Paulo, de 21 de agosto de 2009.

A imagem com legenda tem crédito para Haus Publishing/economist.com.


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segunda-feira, setembro 28, 2009

As epidemias e seus bodes expiatórios

As epidemias e seus bodes expiatórios

Por DONALD G. McNEIL Jr.

Quem foi o culpado pela Peste Negra? Na Europa medieval, a culpa era atribuída aos judeus com tamanha frequência e brutalidade que é até surpreendente que a doença não tenha sido chamada de Peste Judaica. No auge da pandemia no continente, entre 1348 e 1351, mais de 200 comunidades judaicas foram erradicadas, sendo seus habitantes acusados de difundir a doença ou envenenar poços.
A gripe suína de 2009 não é nem de longe tão virulenta, nem as reações que ela acarreta. Mas, como em outras pandemias da história da humanidade, alguém tem de levar a culpa.
Primeiro, foram os mexicanos. Políticos dos EUA chegaram a propor o fechamento da fronteira com o México. Em maio, um jogador mexicano de futebol cuspiu em um adversário chileno que o teria chamado de “leproso”, e a imprensa chilena o acusou de guerra biológica. Mas, em junho, argentinos apedrejaram ônibus chilenos, dizendo que eles levavam a doença. Quando o número de casos na Argentina disparou, governos europeus aconselharam seus cidadãos a não visitar esse país.
“Quando a doença ataca e os seres humanos sofrem, (…) infelizmente a identificação de um bode expiatório é às vezes inevitável”, disse Liise-Anne Pirofski, chefe do departamento de doenças infecciosas da Faculdade de Medicina Albert Einstein, em Nova York.
Uma recente exposição chamada “O Tesouro de Erfurt”, no Museu da Universidade Yeshiva, em Manhattan, apresentou uma lembrança oportuna e deprimente desse hábito demasiadamente humano. Uma arca com mais de 600 joias de ouro, inclusive uma magnífica aliança de casamento do século 14, foi achada em escavações no local onde existira um vibrante bairro judeu em Erfurt, na Alemanha. Ela continha também 3.141 moedas de prata, a maioria com retratos reais; o último rei retratado havia morrido em 1350.
Isso, segundo Gabriel Goldstein, diretor-associado de exposições do museu, sugere fortemente que o material foi enterrado em 1349, o ano em que a peste chegou a Erfurt.
“Por que colocar tamanha carteira de investimentos no chão e deixá-la ali por 700 anos?”, perguntou ele. “Havia uma grande revolta contra os judeus de Erfurt —os registros dizem que cem ou mil foram mortos. Aparentemente, quem escondeu isso morreu e nunca mais voltou.”
Martin Blaser, historiador ligado à escola de medicina da Universidade de Nova York, oferece uma intrigante hipótese de por que os judeus se tornaram bodes expiatórios na Peste Negra: eles foram em grande parte poupados, em comparação a outros grupos, porque os grãos eram retirados das suas casas durante o Pessach (Páscoa judaica), desestimulando a entrada dos ratos, que difundiam a doença. O auge da peste foi na primavera, na época do Pessach.
O fato é que as doenças são tão complexas que atribuir culpas é inútil, e simplesmente afastar a culpa pode ser mais eficiente.
Durante a Peste Negra, o papa Clemente 6° baixou um édito dizendo que os judeus não eram culpados. Tampouco a culpa era dos pecados da humanidade —isso teria confortado os Flagelantes, uma seita que era o verdadeiro alvo da bula papal; eles costumavam comandar ataques de multidões aos judeus e à hierarquia corrupta da Igreja. Levaria 500 anos até que a “teoria dos germes” explicasse a doença.
O papa atribuiu a culpa a um alvo que dificilmente revidaria as acusações: a um mau alinhamento entre Marte, Júpiter e Saturno.

Texto do The New York Times, republicado na Folha de São Paulo, de 14 de setembro de 2009.


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sexta-feira, setembro 25, 2009

O tempo passa muito rápido: Já estão armando a Feira do Livro de 2009



É impressionante. As estruturas para a Feira do Livro de 2009 já estão sendo montadas. Num primeiro momento na Rua da Praia. A Feira vai do final de outubro até meados de novembro.

Ou como diz o outro, “agora é rapidinho: 7 de setembro, 20 de setembro (celebração da Revolta Farroupilha para os gaúchos), Dia da Criança (12 de outubro), Natal e Ano Novo”.

Já viu, né?


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Dirce Migliaccio (1933-2009)

E faleceu nesta semana a atriz Dirce Migliaccio.

Segundo o noticiário, a atriz morreu em decorrência de pneumonia e infecção urinária. É dito também que ela estava com a saúde debilitada desde que sofreu um acidente vascular cerebral – AVC, em abril deste ano.

Informam que seu papel mais marcante foi como a boneca Emília na adaptação que a TV Globo produziu em 1977 da obra do escritor Monteiro Lobato, o Sítio do Pica-Pau Amarelo.

Mas para mim, o papel mais marcante da atriz foi mesmo como uma das irmãs Cajazeiras, na novela O Bem Amado (1973), da mesma TV Globo.


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Filme: Uma Prova de Amor

Crítica/ "Uma Prova de Amor"

Com boas atuações infantis, drama questiona a ciência

RONI FILGUEIRAS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Em "Uma Prova de Amor", o diretor-roteirista Nick Cassavetes faz incursão a temas psicanalíticos, com desdobramentos que vão da bioética à teoria do sentido, passando pela eutanásia.
E nos apresenta um mosaico humano a partir do drama dos Fitzgerald: Sara (Cameron Diaz) e o marido Brian (Jason Patric) recebem o diagnóstico de que Kate (Sofia Vassilieva), filha de dois anos, tem câncer.
Por meio de manipulação genética, o casal concebe Anna (Abigail Breslin), com o fim de prolongar a vida da irmã, por meio de cirurgias e transfusões.
Até que aos 11 anos Anna contrata um advogado (Alec Baldwin) para impedir os pais de disporem de seu corpo. Como num jogo de xadrez, o diretor investiga, então, as jogadas humanas, cujo nível estratégico é limitado pelo acontecimento maior da morte iminente. Um movimento que conduz a configuração do tabuleiro de drama familiar ao xeque-mate do filme de tribunal.
Mesmo com concessões, excesso de tramas paralelas e longe do brilhantismo de "Alpha Dog", Cassavetes tem o mérito de cutucar com vara curta um vespeiro ético atualíssimo. E mostra como situações-limite são catalisadores de paixões.
Se a família para Cassavetes representa a origem das tragédias, as mães encarnam a natureza selvagem. No entanto, Diaz não foi a melhor escolha para fazer a leoa que briga com Deus para salvar a cria.
O show aqui fica com as jovens Abigail ("Pequena Miss Sunshine") e Sofia (da série "Medium"). Num mundo em que os limites da ética estão cada dia mais fluidos e esgarçados, Cassavetes afirma que a morte pode restituir o sentido das coisas, de forma trágica.


UMA PROVA DE AMOR

Direção: Nick Cassavetes
Produção: EUA, 2009
Com: Cameron Diaz, Abigail Breslin
Onde: Espaço Unibanco de Cinema, Cine TAM e circuito
Classificação: 12 anos
Avaliação: bom

Texto publicado na Folha de São Paulo, de 11 de setembro de 2009.

Eu não estou certo que eu venha a assistir o filme, mas gostei da resenha.


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Morre mais um combatente paulista de 1932

HENI SCAF (1910-2009)

O combatente de 32 lutou por 77 anos

TALITA BEDINELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Escondido da mãe, Heni Scaf alistou-se aos 21 anos para lutar na Revolução de 32. Deixou o interior de SP com mais 75 voluntários rumo à serra da Mantiqueira.
Ficou 83 dias dentro de uma trincheira, passou frio e fome, teve as armas confiscadas pelos inimigos, viu muitos companheiros serem mortos e perdeu a guerra. Mas, dois anos depois, a Constituição pela qual lutou foi promulgada. "Ele sentia muito orgulho de ter participado", conta a filha Sandra.
Por mais 77 anos continuou lutando, mas pelos direitos dos combatentes. Presidia a Associação dos Veteranos de 32 de Bauru, onde morava, e ajudou a conquistar pensão e isenção de impostos para os que lutaram. Em casa tinha quase um museu: capacete de combate, medalhas e pilhas de documentos, como uma carta do presidente João Baptista Figueiredo o parabenizando. No tempo livre, lia. "Guerra e Paz", de Leon Tolstói, estava entre os seus prediletos.
Neste ano, não participou dos desfiles em homenagem aos combatentes. Sofreu uma queda e foi enfraquecendo até morrer, aos 98, de parada cardiorrespiratória, no dia 9. Deixou duas filhas, quatro netos e dois bisnetos. No velório, o topo do caixão ganhou uma bandeira do Estado e um capacete da Revolução, usado cada vez que um ex-combatente de Bauru morre. Agora só um vive.
A missa de sétimo dia será hoje, às 19h, na Catedral Ortodoxa, em São Paulo.

Do obituário da Folha de São Paulo, de 18 de setembro de 2009.

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Bode na sala, segundo Gonsales



Quase sempre há diversas maneiras de ver as coisas. Tirinha da Folha, de 18/12/2008.

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Futuro sombrio para o fotojornalismo

Futuro parece sombrio para o fotojornalismo

Por DAVID JOLLY

PARIS — Quando os fotojornalistas e seus admiradores se reunirem no sul da França, no final deste mês, na mostra Visa pour l’Image, comemoração anual de seu ofício, muitos profissionais poderão estar se perguntando quanto tempo ainda conseguirão aguentar.
Jornais e revistas têm cortado os orçamentos de fotografia ou fechado suas portas, e as redes de TV reduziram a cobertura noticiosa em favor de material menos caro. Imagens e vídeos amadores tirados com celulares são publicados em sites da web minutos depois dos fatos. Os fotógrafos que tentam ganhar a vida retratando as notícias dizem que há uma crise.
O último sinal de problemas foi o da empresa dona da agência de fotos Gamma, que pediu concordata em 28 de julho após sofrer prejuízo de US$ 4,2 milhões no primeiro semestre, quando suas vendas caíram quase 33%.
A Gamma foi fundada em 1966, pelos fotógrafos Raymond Depardon e Gilles Caron. Juntamente com as agências Sygma, Sipa e a mais antiga Magnum, ela ajudou a fazer de Paris a capital mundial do fotojornalismo.
Um tribunal de Paris deu à dona da Gamma, a agência Eyedea Presse, seis meses para se reorganizar. “Aguentamos até onde pudemos, mas este modelo empresarial não é mais viável”, disse Stéphane Ledoux, executivo-chefe da empresa.
Olivia Riant, porta-voz da Eyedea Pesse, disse que haverá cortes de empregos. “O problema é que a fotografia jornalística está acabada”, ela disse. “Vamos parar de cobrir fatos diários para cobrir temas com maior profundidade.”
A Gamma foi adquirida em 1999 pela Hachette Filipacchi Médias, uma unidade da Lagardère, que a combinou com outras operações para fornecer fotos para suas revistas. Mas o negócio não prosperou, e ela foi vendida em 2007 para o fundo de investimentos Green Recovery. As concorrentes da Gamma não se saíram muito melhor: a Sygma foi adquirida pela Corbis em 1999, e a Sipa, pela Sud Communication em 2001.
O fotojornalismo viveu uma era dourada desde antes da Segunda Guerra Mundial até a década de 70. Revistas como “Time”, “Life” e “Paris Match” —e virtualmente todos os grandes jornais do mundo— tinham orçamentos para empregar legiões de fotógrafos.
Mas, hoje, em uma época de menor receita publicitária e demissões, editores de fotografia de diversas publicações têm de pensar bem antes de mandar um fotógrafo em campo ao custo de US$ 250 por dia, mais despesas.
As grandes agências de notícias —Associated Press, Agence France Presse e Reuters, junto com locomotivas regionais como Kyodo, no Japão, e Xinhua, na China— dominam a fotografia jornalística. Mas o negócio de comercializar e vender fotos digitalizadas é comandado por duas empresas globais: a Getty Images, fundada em 1995, e a Corbis, fundada em 1989 pelo presidente da Microsoft, Bill Gates.
As empresas de fotos de arquivo ganharam destaque ao comprar centenas de arquivos de imagens e disponibilizá-los para venda on-line. Enquanto continuam patrocinando o fotojornalismo, as companhias são na verdade serviços de gerenciamento de direitos autorais de propriedade digital.
Na Getty, 70% das receitas vêm da venda de imagens de arquivo. “Fotojornalismo significa que os fotógrafos podem contar a história em imagens, e havia lugares onde eles podiam publicar essas fotos”, disse o principal executivo da Getty, Jonathan Klein. “No mundo da imprensa, a maioria desses lugares desapareceu desde então.”
Mas, ele acrescenta, há motivos para otimismo, porque “graças à web hoje há bilhões de páginas para os fotógrafos mostrarem seu trabalho”.
Jean-François Leroy, organizador do festival de fotojornalismo Visa pour l’Image, que começa neste sábado, na França, apontou como outro problema a menor ênfase a temas sérios na mídia. “Os fotógrafos estão produzindo coisas ótimas, mas hoje a mídia só parece se interessar por celebridades”, disse.

Texto do The New York Times, na Folha de São Paulo, de 24 de agosto de 2009.


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quarta-feira, setembro 23, 2009

Entrevista com Eric Hobsbawm

"Washington jamais será tão influente na AL"

Para Hobsbawm, Brasil é essencial no amadurecimento político do continente

Historiador marxista volta a defender-se com relação a ataques às suas convicções ideológicas; "me recuso a dizer que perdi a esperança"

DA REDAÇÃO

Leia trechos da entrevista que Eric Hobsbawm concedeu à Folha. (SYLVIA COLOMBO)

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/images/ep.gif

FOLHA - O que mais deveria ser discutido no aniversário de 20 anos da queda do Muro de Berlim?
ERIC HOBSBAWM
- A celebração é oportuna porque o capitalismo agora chegou a seu limite. A crise econômica mundial é o fim de um ciclo, que começou a ruir quando caiu o Muro em Berlim. No Leste Europeu, vejo dificuldade em rompimento com o legado comunista. Mas é o Ocidente quem deve refletir mais sobre o que ocorreu na Guerra Fria e o que pode ser feito para evitar um novo colapso.

FOLHA - As "Eras" são consideradas um exemplo de boa análise histórica dedicada a um amplo período. O sr. acha que falta ambição a historiadores hoje?
HOBSBAWM
- Para fazer história com uma perspectiva maior, é preciso ser um intelectual maduro. Hoje, os jovens historiadores gastam muito mais tempo em suas especializações. Quando estão aptos a dar um passo maior, hesitam. A história equivocadamente se afastou da "história total" que fazia Fernand Braudel [1902-1985].

FOLHA - O sr. começa "A Era dos Impérios" contando uma história autobiográfica (a do encontro de seus pais no Egito) e então propõe uma reflexão sobre história e memória. Quão diferente foi escrever este volume, que se refere a passagens mais próximas do seu olhar no tempo, do que os anteriores?
HOBSBAWM
- Neste livro tive de trabalhar com o que chamo de "zona de penumbra", onde se misturam nossas lembranças e tradições familiares com o que aprendemos depois sobre determinado período. Não é fácil, pois trata-se de um território de incertezas e em que há um elemento afetivo. Por outro lado, trata-se de uma oportunidade de estimular aquele que lê a pensar sobre como seu próprio passado está relacionado com a história.

FOLHA - Em seu novo livro ("Reappraisals"), o historiador britânico Tony Judt escreveu um ensaio sobre o senhor ("Eric Hobsbawm and the Romance of Communism"). Neste, mostra admiração por seu conhecimento, mas faz uma severa crítica: "para fazer o bem no novo século, nós devemos começar dizendo a verdade sobre o antigo. Hobsbawm se recusa a mirar o demônio na cara e chamá-lo pelo nome". Como o sr. responderia a seu colega?
HOBSBAWM
- A crítica de Judt não se justifica. O que ele quer é que eu diga que estava errado. Em "A Era dos Extremos", eu encaro o problema, o critico e condeno. Não tenho problemas em dizer que a Revolução Russa causou dor e sofrimento à população russa. Porém, o esforço revolucionário foi algo heroico. Uma tentativa de melhorar a sociedade como não se viu mais na história. Me recuso a dizer que perdi a esperança.

FOLHA - O sr. havia dito, numa entrevista ao "Independent", que havia alguns clubes dos quais não iria ser sócio nunca, referindo-se aos intelectuais ex-comunistas. Ainda pensa assim?
HOBSBAWM
- Não vejo problema quando um intelectual, especialmente de países do Leste Europeu, percebe que a democracia é melhor do que o sistema autoritário em que vivia. É normal a mudança de posição quando surgem fatos novos. O ex-comunista que condeno é aquele que antes militava em grupos de esquerda e que hoje tem uma bandeira única, a de ser anticomunista apenas, esquecendo-se do resto das ideias pelas quais lutava. Também me entristece ver intelectuais jovens, que não passaram pela história dessas lutas, repetindo e tentando tirar benefício desse mesmo tipo de propaganda.

FOLHA - A América Latina está às vésperas de comemorar, em vários países, os 200 anos do início das lutas de independência. Que análise faz do atual momento?
HOBSBAWM
- A dependência econômica ainda é um fato, mas politicamente a América Latina é cada vez mais livre. Washington jamais voltará a exercer a influência de antes, tampouco a apoiar golpes ou ditaduras como fez no passado. O que está acontecendo em Honduras é um sinal disso. O Brasil tem papel central nesse processo, uma vez que o México se transforma cada vez mais em apêndice dos EUA.

Na Folha de São Paulo, de 15 de setembro de 2009.


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segunda-feira, setembro 21, 2009

O mercado da desconfiança

O mercado da desconfiança

Consumidores que baixam arquivos legalmente na internet têm que abdicar da própria privacidade e são maltratados por empresas que parecem acreditar que a honestidade não compensa, diz antropólogo



HERMANO VIANNA
ESPECIAL PARA A FOLHA


Governos de vários países estão criando leis para que suas alfândegas possam apreender computadores com softwares, músicas e filmes "piratas". Estou tranquilo: não há nada não autorizado em meus "hard disks". Mesmo canções: escuto aquelas que seus autores disponibilizaram livremente na rede. Ou pago por imagens, sons, textos, códigos quando avalio que o preço é justo. Caso contrário, parto para outra: há uma abundância de material interessante para se baixar legalmente e de graça por aí.
O problema é que, cada vez mais, tenho me sentido punido -ou tratado como otário- justamente ao agir dentro da lei, e mesmo depois de pagar para ter acesso a determinados bens protegidos por leis que dizem defender criadores/autores/ artistas.
Para entender o patético do meu empenho na honestidade, vale a pena narrar um episódio recente, cheio de lições morais bem contemporâneas.

Indignação
Vladimir Jankélévitch foi filósofo e também pianista. Numa de suas melhores entrevistas, as respostas eram dadas tanto pela fala quanto por interpretações de obras de seus compositores favoritos: Debussy, Fauré, Ravel. Tenho uma transcrição de suas palavras, interrompidas por trechos de partituras, publicada em livro nos anos 80 ["Vladimir Jankélévitch", em francês, ed. La Manufacture, 1986].
Meu exemplar está com páginas soltas de tanto que foi relido. Volto sempre a momentos como aquele em que Jankélévitch declara que gosta mais da luminosidade de Tolstói do que dos subsolos de Dostoiévski: "Estar em plena luz, na evidência, na presença total, quando as coisas estão imóveis no ar do meio-dia, é lá que o mistério é mais perturbador".
Ou a resposta sobre a nostalgia: "O tempo revela o charme das coisas sem charme. É por isso que o tempo é poeta. Só os poetas e pintores são capazes de conhecer de imediato o charme do presente. [...] Utrillo [1883-1955] pintava um poste ou um muro num subúrbio sórdido... e isso fazia sonhar. O que os poetas e pintores sabem traduzir no presente, o tempo o traduz para nós que não somos nem pintores nem poetas. É o tempo que é poeta para nós".
Queria comprar uma nova edição do livro. Procurei nas lojas da internet: acho que está esgotado. Lembrei que a entrevista tinha sido gravada originalmente para o rádio. Conseguir uma cópia do arquivo sonoro seria fenomenal. A conversa começa com Jankélévitch afirmando que seu meio de expressão é o oral ("meu negócio não é a escritura"). O áudio apresentaria também seu piano. Fui então parar no site do Instituto do Audiovisual (INA) francês, que anda digitalizando e vendendo o acervo das TVs e rádios públicas como a France Culture. Só havia trechos da entrevista que procurava. Descobri que o que foi publicado no meu livro era um remix de várias entrevistas.
Como resultado da busca, encontrei o vídeo da edição de "Apostrophes", com Jankélévitch (não) respondendo à pergunta "para que servem os filósofos?". Resolvi baixar para ver o programa completo. Custava 5 (R$ 13). Caro para algo que, se não me engano, foi pago pelo dinheiro público francês há décadas. Mas sei que o trabalho de digitalização e disponibilização desse tipo de acervo não é barato, nem simples.
Resolvi colaborar. Fiz meu cadastro e a compra. Sempre receamos passar dados para novos sites, que não sabemos se são realmente seguros. É questão de confiança: esperamos que seus administradores vão ter cuidado com as informações. Mas mesmo tendo fornecido até o número do cartão de crédito, logo descobrimos que o INA não confia no comprador.
Não tinha sido informado (ok, não li com atenção os termos de uso) de que precisaria baixar outro programa para ver o vídeo já pago. Resultado: novo cadastro em outro site desconhecido e a obrigação de instalar um programa no qual também precisamos confiar (temos mesmo a certeza de que o programa não vai transmitir informações de nosso computador para sua empresa?). E, depois disso tudo, antes de ver o vídeo ainda somos obrigados a ultrapassar uma mensagem policial nos ameaçando com o aviso de que o arquivo contém uma marca d'água digital que nos identificaria caso seja utilizado ilegalmente. Somos tratados todos como potenciais bandidos, como piratas de vídeos filosóficos.

Negócio furado
Não vi a entrevista, indignado. A mesma indignação moral que me causou outra compra também motivada por Jankélévitch. Na entrevista-remix de meu livro despedaçado, ele conta que chora ouvindo música, e que as lágrimas sempre acompanham qualquer audição de "L'Enfant et les Sortilèges" [A Criança e os Sortilégios], de Ravel.
Outro dia, numa das poucas lojas de discos que nos restam, deparei com uma nova gravação dessa obra, com a Filarmônica de Berlim conduzida por Simon Rattle. Comprei, apesar do preço extorsivo (três vezes mais do que no exterior). Estou virando quase uma central de filantropia para modelos de negócios artísticos decadentes.
Na capa, dizia ser um OpenDisc: "Insira este CD no seu computador para acessar o EMI Classics Club. Acesse material bônus, sessões de escuta exclusivas e mais". Claro: o acesso não é imediato, apesar do preço que pago pelo CD físico. É preciso fazer o cadastro, é preciso concordar com a política de privacidade e termos de uso sinistros. O "disc" não tem nada de "open". Como ninguém lê esses contratos, vou transcrever aqui algumas passagens. Tudo começa aparentemente "do bem": "O OpenDisc respeita sua privacidade. Para atendê-lo(a), precisamos coletar algumas informações pessoais. Nós nos preocupamos em proteger essas informações.
Veja abaixo nossos compromissos em seu favor". Para ver os compromissos -"em nosso favor"-, precisamos clicar em vários links. Com que finalidade as informações são coletadas? "Essas informações são essenciais para nós, bem como para o artista e para a gravadora, para que forneçamos para você serviços com qualidade e que o conheçamos melhor." E ainda: "Ocasionalmente, usaremos suas informações pessoais para convidá-lo(a) a participar de pesquisas e concursos para medir a sua satisfação".
Papo furado. Quem disse que eu quero ser conhecido melhor ou convidado para qualquer coisa? CEP e data de nascimento não são necessários para o serviço de ver vídeos e ouvir música. Eles me obrigam a me tornar conhecido, arquivando meus dados. É o preço que pago para ter acesso ao material que me foi propagandeado como "bônus" ou "aberto".
A política de privacidade, que na realidade impõe a abdicação da minha privacidade, diz também que minhas informações não serão fornecidas para terceiros, mas podem ser enviadas às subsidiárias da gravadora em todo o mundo. Eu tenho que confiar nessas subsidiárias todas, que nem sei quais são. E a recíproca não é exatamente verdadeira. Sou tratado com extrema desconfiança: tanto que não posso reproduzir, "em qualquer meio", o conteúdo a que tiver acesso.
Desisti de ter acesso. Como desconfiam de mim, vou desconfiar também. Não sou ingrato. Pelo contrário: tenho enorme gratidão pelos momentos de intensa alegria e iluminação cultural que me foram proporcionados pelo trabalho das grandes gravadoras. Acho que as gravadoras também deveriam me agradecer: fui consumidor ideal, comprei milhares de discos (e comprei o mesmo disco várias vezes: em vinil, em CD...), ajudei a divulgar a carreira de muitos artistas etc. Mas tudo tem limite.

A falta e o vício
É pena ver uma história de criação tão rica terminando de modo tão mesquinho, com o público sendo tratado tão mal, até por políticas de privacidade tapeadoras. Quem paga é feito de bobo. Essas políticas parecem querer nos ensinar que a honestidade "não compensa".
Será muito difícil perceber que tudo isso é suicídio comercial, é perda de credibilidade total? Volto à filosofia moral de Vladimir Jankélévitch. No seu livro "O Mal", ele identifica uma gradação da malvadeza. A falta é um acidente, uma negligência: pode acontecer com todo mundo. Já o vício "é o movimento da falta, continuado e tornado crônico" -o vício está para a falta assim como a paixão para a emoção momentânea. Mas ainda pode ter cura.
Já a "méchanceté" (maldade, ruindade...) é o baixo absoluto, o zênite do mal, uma "qualificação do caráter", algo que toma conta da totalidade da pessoa. Aí não tem mais jeito... Diante da cultura digital, muitas empresas já cometeram muitas faltas, se tornaram viciadas nessas faltas e por isso estão se transformando em marcas ("brands", encarnações etc.) da maldade, afastando mesmo quem se empenha em seguir todas as regras.
Ler Jankélévitch deveria ser obrigatório para seus diretores e advogados. Começando com os livros "A Má Consciência" e "A Mentira" até chegar, quem sabe, no "Tratado das Virtudes", que está completando 60 anos de sua primeira publicação.


HERMANO VIANNA é antropólogo e pesquisador musical, autor de "O Mistério do Samba" (ed. Jorge Zahar), entre outros livros.

Texto publicado no caderno Mais! da Folha de São Paulo, de 6 de setembro de 2009.

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sexta-feira, setembro 18, 2009

Fusca


Fusca
Upload feito originalmente por Heber Garcia
Adoro fuscas!

quarta-feira, setembro 16, 2009

Sexta-feira à noite

Sexta-feira à noite

Marina Colasanti

Sexta-feira à noite
os homens acariciam o clitóris das esposas
com dedos molhados de saliva.
O mesmo gesto com que todos os dias
contam dinheiro papéis documentos
e folheiam nas revistas
a vida dos seus ídolos.

Sexta-feira à noite
os homens penetram suas esposas
com tédio e pênis.
O mesmo tédio com que todos os dias
enfiam o carro na garagem
o dedo no nariz
e metem a mão no bolso
para coçar o saco.

Sexta-feira à noite
os homens ressonam de borco
enquanto as mulheres no escuro
encaram seu destino
e sonham com o príncipe encantado.


O poema de Marina Colansanti, veio do blog do Luís Nassif.

Creio que para muitas destas mulheres que tinham entre 15 e 30 anos (ou mais) no final dos anos 1980 e início dos 1990 este príncipe encantado tinha a cara do ator Patrick Swayze, astro de Ritmo Quente ("Dirty Dancing" - 1987) e Ghost, do Outro Lado da Vida (1990).

Pessoalmente eu gostei bastante de Caçadores de Emoção ("Point Break" - 1991), que ele atua junto com Keanu Reeves.

O passamento do ator se deu nesta segunda-feira, dia 14. Há tempos ele lutava contra um câncer no pâncreas.

Ou como o recado que enviei para minha ex-esposa, "Ele morreu, mas eu (ainda) estou aqui.".


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terça-feira, setembro 15, 2009

Os Lauros de Caco Galhardo e a separação



Da Folha.

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domingo, setembro 13, 2009

Lágrimas de Despedida do Inverno de 2009

Faz 4 dias que está chovendo em Porto Alegre.

Se fosse em São Paulo, o Macaco Simão já estaria dizendo que era São Pedro cuspindo na gente. E que daqui a pouco a gente ia começar a mofar!...

Pois é, a metáfora de chuva como lágrimas é para lá de batida.

Mas continua bem válida.

Um inverno mais rigoroso do que aqueles com os quais estávamos nos acostumando vai se despedindo chorando...


11/09/2009.

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"Por que você sumiu?"



Por Fábio Moon e Gabriel Bá, na Folha de São Paulo.

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Um livro de Ondjaki, angolano

Obra de Ondjaki volta à Luanda dos anos 80

DA REPORTAGEM LOCAL

Na Luanda dos anos 80, o português confundia-se com o espanhol e o russo na tranquila praia do Bispo, onde o escritor Ondjaki, 31, foi criado.
Em meio à Guerra Fria, os angolanos conviviam com cubanos e soviéticos e tinham a paz de sua rotina ameaçada por estes últimos, empenhados em construir no local um mausoléu para o presidente Agostinho Neto, morto em 1979.
As lembranças que o autor tem daqueles tempos servem de base para "AvóDezanove e o Segredo Soviético", que tem lançamento nesta quinta, na Livraria da Travessa, no Rio.
Mas, como ele próprio ressalta, a história "torna-se ficção desde o primeiro instante".
"Qualquer visão da realidade, escrita num livro de ficção, é já um multifacetado espelho para novas interpretações. Fica muito difícil delinear a fronteira entre o que houve e o que não se passou bem assim", diz o autor, o mais celebrado nome da nova geração na literatura africana, que hoje vive no Rio.
No romance, dois meninos criam um plano mirabolante para evitar perder as suas casas para a obra no local. É um "exercício do que poderia ter acontecido", afirma o autor, que registra "os desejos e as conversas das crianças que testemunhavam uma mudança radical no seu bairro".
Conhecido por suas narrativas marcadas pela oralidade, Ondjaki celebra esse olhar infantil e o encontro de linguagens em Luanda numa escrita que transborda ironia. Um dos personagens russos, Bilhardov, por exemplo, vira para as crianças o "camarada Botardov" por causa do modo como se dirigia às pessoas em qualquer hora do dia -"bótard", tentando dizer "boa tarde". (RC)


AVÓDEZANOVE E O SEGREDO SOVIÉTICO
Autor: Ondjaki
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 36 (192 págs.
) Lançamento: qui., às 19h, na Livraria da Travessa (av. Afrânio de Melo Franco, 290, RJ, tel. 3138-9600)

Texto da Folha de São Paulo, de 23 de junho de 2009.

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Um livro de Mia Couto, moçambicano

Mia Couto vê o fim do mundo

Moçambicano chega ao Brasil para falar sobre seu novo romance e participar de eventos de teatro

Obra trata da busca pelo esquecimento no país do escritor; em SP e no Rio, ele também comenta as adaptações de seus textos


RAQUEL COZER
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois que o mundo acabou, um lugarejo chamado Jesusalém tornou-se o lar do que restou da humanidade -Silvestre Vitalício, os dois filhos, um tio dos meninos, um serviçal e, vá lá, a jumenta Jezibela, "tão humana que afogava os devaneios sexuais" do velho Vitalício.
Mas um dia Mwanito, o filho mais novo, vê uma mulher e desaba em lágrimas, porque achava que não havia mais nenhuma delas na Terra. É a partir desse ponto, entre o fim e o começo da existência, que se desenrola "Antes de Nascer o Mundo", o mais recente romance do moçambicano Mia Couto. O livro tem lançamento simultâneo no Brasil e em Portugal, Angola e Moçambique.
Por aqui, Couto, 53, um dos maiores nomes da literatura africana contemporânea, desembarca nesta semana para uma série de eventos. O primeiro acontece nesta quinta, em São Paulo, quando o autor lança o romance na Livraria Cultura do Conjunto Nacional.
Embora a descrição da história de "Antes de Nascer o Mundo" lembre algo de realismo fantástico, é de uma realidade bem próxima do autor que o romance trata. Jesusalém, "a terra onde Jesus haveria de se descrucificar", é um lugar como tantos outros que o escritor conheceu em seu país.
"No interior de Moçambique deparei com famílias que viviam numa quase completa condição de marginalidade. Estavam aparentemente longe de tudo. Trabalhei com essas comunidades e reparei sempre que, depois de um primeiro olhar, a ligação umbilical com o mundo de hoje estava presente", ele diz à Folha.
É dessa ligação que Vitalício, o líder do lugarejo, tenta se livrar. Mais precisamente, da lembrança que o mundo real lhe traz -a morte de Dordalma, mãe de seus filhos. A tentativa de apagar o passado é também uma fuga da guerra que, durante 16 anos, fez quase 1 milhão de mortos no país.
"Os moçambicanos escolheram o esquecimento. Quem hoje viaja pelo país não sente sinal nenhum dessa guerra. Esse esquecimento é uma sabedoria, uma percepção de que os demônios do passado ainda não foram enterrados. Mas é um falso esquecimento, como quase sempre sucede com os lapsos de memória", diz Couto.

No teatro
Os outros eventos de que o autor participa no Brasil são ligados ao teatro. Nesta sexta-feira, ele participa de um bate-papo no Sesc Avenida Paulista, onde está em cartaz a peça "O Outro Pé da Sereia", adaptada do romance homônimo do autor pela Cia. Fábrica São Paulo.
No dia 3 de julho, faz palestra no Sesc Ginástico, no Rio, dentro do Festlip -0Festival de Teatro da Língua Portuguesa (www.talu.com.br/festlip), que reúne 11 espetáculos de seis países.


ANTES DE NASCER O MUNDO
Autor: Mia Couto
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 42 (280 págs.)
Lançamento: qui., às 19h, na Livraria Cultura do Cj. Nacional (av. Paulista, 2.073, tel. 0/xx/11/3170-4033)

Texto da Folha de São Paulo, de 23 de junho de 2009.

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23/06/2009: A Folha apresenta Chris Marker

Um mito da caverna

O ermitão Chris Marker, cineasta e fotógrafo parisiense que não se deixa fotografar, é tema de duas mostras em São Paulo

SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

Chris Marker se esconde atrás do sorriso de um gato. Não se deixa fotografar e deu sua última entrevista, evasiva até não poder mais, no Second Life. Diz que se informa pela Al Jazeera e pelo canto dos passarinhos do 20º arrondissement. Dá suas opiniões nas tiras do gatinho Guillaume, que publica em jornais franceses.
Nascido Christian François Bouche-Villeneuve, o parisiense de 87 anos simplificou até o nome para o sintético Chris Marker. Prefere o silêncio à fala, a tarja preta no lugar de imagens que não interessam.
Duas mostras em São Paulo vão tentar jogar luz sobre o ermitão Marker. Começa amanhã no Centro Cultural Banco do Brasil um festival com 33 de seus filmes. Em julho, o Museu da Imagem e do Som abre mostra com 200 fotografias de Marker feitas entre 1952 e 2006. Uma galeria de Nova York e outra de Moscou também fizeram há pouco retrospectivas da obra do artista.
Marker não saiu de Paris e seguiu por e-mails lacônicos os preparativos. "Ele é famoso pela reclusão", diz Bill Horrigan, que cuidou da mostra no MIS e diz ser o único curador a fazer contato, uma vez por ano, com Marker. "Ele protege sua privacidade num grau excessivo."
Também exagera nas doses de modéstia. Marker não se considera um cineasta, mas já ganhou o Urso de Ouro em Berlim por "Descrição de um Combate", de 1960. Filmou com Alain Resnais e Jean-Luc Godard, mas diz que só eles são diretores de verdade. Também não se diz fotógrafo, como foi seu amigo Henri Cartier-Bresson. Ele não gosta de alarde.
Talvez porque já disse tudo que tem a dizer em "Sans Soleil". No filme de 1982 que extrapolou os limites do documentário, ele dividiu o mundo em listas de coisas elegantes, coisas tristes, coisas que não valem a pena filmar e coisas que fazem bater o coração.
Não usa adjetivos, "etiquetas com o preço das coisas". Traduz a ideia de que o "horror tem um nome e tem um rosto" -de Francis Ford Coppola em "Apocalypse Now" e, por extensão, Joseph Conrad no livro "Coração das Trevas"- à noção de que "a beleza absoluta também tem nome e rosto".
Por isso não pensa duas vezes, tanto em seus filmes, quanto nas fotos que faz, em estilhaçar o tempo e manter só a fração, uma das 25 num segundo cinematográfico, detentora dessa beleza ou desse horror.

Instantes suspensos
"Ele amava a fragilidade desses instantes suspensos, essas lembranças que serviam apenas para deixar lembranças", diz a narradora de "Sans Soleil" sobre o protagonista oculto do filme, numa descrição que cabe sem exagero também a Marker.
Ao contrário do cinema tradicional, ele prefere que seus atores e os flagrados nas ruas encarem a câmera. Nas manifestações da juventude parisiense, de maio de 1968 a 2002, na Islândia, em Guiné-Bissau e em Tóquio, sai em busca desses instantes privilegiados.
Marker diz que rouba olhares como "um trombadinha rápido, correndo com seu tesouro". Naquele instante, e há centenas deles na mostra do MIS, ele costuma encontrar o que chama de "rosto da solidão".
"Naquela fração de segundo, o operário chileno sabia que a fábrica nacionalizada era propriedade sua, o boxeador tailandês sabia que tinha perdido, a esquerdista alemã sabia da derrota de seu partido", escreveu Marker sobre seus retratos.
Fez imagens das primeiras eleições na Alemanha depois da queda do Muro de Berlim, de ativistas no Brasil, do início da Perestroika em Moscou, mas não chama sua obra de política. "A política não me interessa", diz. "Me interessa a história."
E a memória. Registrou a mesma esquina de Paris em 1961 e 2001 para mostrar como cresceu ali uma árvore, enquanto o resto do mundo permaneceu igual. "Nós não lembramos, recriamos a memória, como recriamos a história."
Ele acredita na fabricação da narrativa e do real, usando a memória como motor estético. Em "La Jetée", filme de 1962, seu melhor exemplo desse tempo desconstruído e refeito, usou só os fotogramas cruciais para contar a história.
"É preciso que o abandono seja uma festa, que o adeus receba também uma cerimônia."

Texto publicado na Folha de São Paulo, de 23 de junho de 2009.

Marker reescreve cenas do passado

Artista francês usa imagens antigas, suas e de outras pessoas, para criar obras potentes e atuais; CCBB-SP exibe 33 filmes

Haverá exibição do filme "Sans Soleil" e de documentário sobre Akira Kurosawa; mostra no CCBB-Brasília vai até domingo

PEDRO BUTCHER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"Não é o passado que nos domina, são as imagens do passado." Epígrafe do filme "O Túmulo de Alexandre", a frase do pensador e crítico literário George Steiner poderia se aplicar a toda a obra do artista francês multimídia Chris Marker.
Ao reinventar e recontextualizar materiais captados por outras pessoas, em outros tempos, não raro misturando imagens colhidas por ele mesmo, Marker confere aos registros do passado nova potência e atualidade, retirando deles sua condição de fantasma.
Nascido em 1921, na França, Marker é de uma geração formada pelo cinema (e pelos traumas da Segunda Guerra).
Mas, possivelmente, foi o único "cineasta" de sua geração capaz de abraçar de imediato as novas tecnologias da imagem, sem se atrelar à película. Uma decisão que contribuiu para mantê-lo à margem, mas que, com o tempo, mostrou-se visionária.
Uma ideia de cinema, no entanto, sempre serviu de baliza para seu trabalho: aquela do filme-ensaio, proposta pelo cineasta russo Sergei Eisenstein.
Para além da montagem dialética, a operação envolve novas conexões que incluem, sobretudo, o som. Não por acaso, boa parte de seus filmes é narrada em primeira pessoa.
Marker não é um "cineasta político", mas um pensador e poeta da história. Em rara entrevista ao jornal francês "Libération", em 2003, ele falou sobre o estigma do diretor engajado: "Para muitos, engajado quer dizer político, e a política, arte do compromisso -o que lhe diz respeito de fato. Retirado o compromisso, só existem relações de força bruta (...). O que me apaixona é a história, e a política me interessa somente na medida em que ela é o recorte da história no presente".
Mesmo "La Jetée" (a plataforma), um de seus raros trabalhos ficcionais, realizado com fotografias fixas, fala da questão do tempo. O ponto de partida são duas imagens presentes na memória do personagem central, sobrevivente de uma hecatombe nuclear: o rosto de uma mulher e a morte de um homem. Mas o passado, aqui, é também futuro -uma bela síntese dos objetivos de Marker.
Em meio a uma obra farta, que mistura suportes e, em alguns casos, liberta-se da projeção diante de uma plateia (ele foi um dos primeiros artistas a produzir um CD-Rom, por exemplo), dois filmes se destacam na mostra do Centro Cultural Banco do Brasil. Não por acaso, são reflexões sobre o comunismo e sua derrocada: "O Fundo do Ar É Vermelho" (1977), e "O Túmulo de Alexandre" (1992). O primeiro é um épico de três horas, movido pelo contraste entre os movimentos de esquerda do fim dos anos 60 e o autoritarismo soviético, tomando como ponto nevrálgico maio de 68, na França, e a invasão de Praga, em agosto daquele mesmo ano. O uso do material de arquivo é assombroso.
O segundo é formado por seis cartas dirigidas ao cineasta russo Alexandre Medvedkine, autor de "A Felicidade" (1934), uma figura que, na visão de Marker, foi injustamente excluída dos cânones cinematográficos. (detalhe: "A Felicidade" também está na mostra).
Merecem atenção, ainda, "As Estátuas Também Morrem" (1953), correalizado com Alain Resnais, "A.K." (1995), belíssimo filme sobre as filmagens de "Ran", de Akira Kurosawa, e "Um dia de Andrei Arsenevich" (1999), sobre Andrei Tarkovski.


MOSTRA CHRIS MARKER: BRICOLEUR MULTIMÍDIA
Quando: a partir de amanhã, até 5/ 07; qua. a dom. (bb.com.br/cultura)
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil - São Paulo (r. Álvares Penteado, 112, tel.: 0/xx/11/ 3113-3651)
Quanto: R$ 4 (classificação: 12 anos)

Texto também publicado na Folha de São Paulo, de 23 de junho de 2009.


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quarta-feira, setembro 09, 2009

Data 09/09/09 provoca onda de casamentos no mundo

Em Kuala Lumpur, 560 casais formalizaram sua união em cerimônia coletiva

A combinação numérica única representada pela data desta quarta-feira, 9 de setembro de 2009, está provocando uma onda de casamentos em várias partes do mundo.

Em Kuala Lumpur, na Malásia, uma cerimônia única reuniu 560 pares de noivos na manhã desta quarta-feira.

Na China, onde o número "9" simboliza a sorte, milhares de casais são esperados ao longo do dia nos cartórios do país - cerca de 10 mil deles apenas em Pequim, segundo o jornal China Daily.

"Destacamos funcionários extras para assegurar um trabalho tranquilo nos locais de registro", disse ao jornal Zhou Jixiang, diretor da divisão de casamentos do Bureau de Assuntos Civis de Xangai.

Zhou disse que ainda não é possível garantir que o número de casamentos realizados nesta quarta-feira vá superar o do dia 8 de agosto de 2008, que além de combinar o algarismo "8", marcou o início dos Jogos Olímpicos de Pequim. Na ocasião, um total de 20,6 mil casais formalizaram sua união nas principais cidades do país.

Em Las Vegas, nos Estados Unidos, conhecida por permitir casamentos-relâmpago, as autoridades também esperam um grande movimento nas capelas.

Emergência

Com números mais modestos, a cidade de Gretna, na Escócia, espera pelo menos 47 casais que se registraram para se casar nesta quarta-feira.

Como a lei escocesa permite o casamento de menores de 21 anos sem a autorização dos pais, a cidade, que fica perto da fronteira com a Inglaterra, é um destino popular entre jovens casais britânicos.

Em 8 de agosto de 2008, foram realizados 69 casamentos em Gretna. Em 7 de julho de 2007, o total chegou a 78.

Esta quarta-feira também deve marcar a união de casais em que pelo menos um dos parceiros trabalha nos serviços de emergência da Grã-Bretanha, acionados pelo número de telefone "999".

Em entrevista ao jornal Daily Mail, o casal de policiais Jacqueline Felton e Michael Aldrer contou que adiou o casamento marcado para o ano passado ao se dar conta de que esta quarta-feira seria "uma oportunidade única" de tornar a data ainda mais especial.

Texto da BBC Brasil.

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quarta-feira, setembro 02, 2009

2009: Um Inverno para ficar na memória

Já estamos no início de setembro. Nestes primeiros dias de setembro tivemos alguma chuva. Esta chuva veio amenizar o calor inesperado do final de agosto. E todas estas palavras podem levar a um engano.

Houve um tempo em que eu escrevia muito sobre o calor ou o frio. Era uma estratégia para ter assunto. Atualizar o registro do weblog. Não mais. O registro tem sido atualizado por textos de outrem. Não necessariamente textos com que haja acordo, mas que tenham sido interessantes, ou que tenham levado a alguma reflexão, às vezes a algum estranhamento. Tempo e temperatura eram assunto recorrente.

Hoje volta a ser.

2009 vai ficar, ou deveria ficar, marcado na memória como um inverno que fez um frio como há algum tempo não se via. Segundo a coluna de meteorologia no jornal Correio de Povo de meados de julho passado, desde 1996 o estado do Rio Grande do Sul não encarava temperaturas médias baixas como as que enfrentamos neste inverno. Muitos dias de renguear cusco. De usar toca, cachecol e luvas.

E de quebra veio a peste.

Neste inverno fomos assolados pela gripe “A”, vulga gripe suína, produzida pelo tão afamado vírus H1N1. Todo inverno a agora conhecida como gripe sazonal, a, digamos, “gripe comum” assolava e matava muita gente, tanto que de uns anos para cá o Ministério da Saúde lançou campanhas de vacinação para anciões, pois estes muitas vezes padeciam sob a gripe sazonal. E parece que as pessoas em geral nunca prestaram muita atenção às mortes causadas por esta gripe pois aparentemente ela atingia apenas as pessoas no final do seu ciclo de vida.

Com a gripe A fomos despertados para a fragilidade da vida humana em qualquer momento. A nova peste ceifou bebês, jovens, adultos e mulheres grávidas.

No final do inverno boreal, um país inteiro, o México, parou um pouco para tentar estabilizar a epidemia. E quando o inverno chegou a esta porção austral do mundo, a cidade de São Gabriel também resolveu parar por medo do novo vírus. Diversas escolas resolveram cancelar ou adiar aulas para evitar contágios. No final de julho, início de agosto, muitas mulheres grávidas foram dispensadas de comparecerem aos seus locais de trabalho com o intuito de não expô-las ao risco. Acho que foi por julho também que o restaurante onde rotineiramente almoço disponibilizou aos seus clientes álcool em forma de gel, medida desinfetante e profilática contra o vírus. De certa forma parece que voltamos ao século XIV, ao tempo em que a Peste Negra assolou a Europa.

Mas setembro chegou. A primavera está logo ali. No final de agosto, como já disse, chegou até a haver dias quentes.

Sobrevivemos, a maioria. Acho que enquanto vivermos lembraremos.

“Se lembra de 2009?”

“2009?”

“É. Aquele ano que fez frio pra chuchu, e que surgiu aquela nova gripe!...”

02/09/2009


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Noites de Junho, Noites de Outrora

Noites de junho, noites de outrora

JUNHO ACABOU e eu nem sofri com isso. Sei que em alguns lugares as festas ainda teimam em sobreviver, mais por vício de calendário e pesquisa mercadológica do que por necessidade.
Considero obscena a decoração que as lojas comerciais promovem em nome de uma tradição que não mais existe, as bandeirinhas de papel fino, os balões armados com arame e plástico, as fogueiras de mentirinha, movidas a ventilador. No adro de algumas igrejas, também há movimento, mas sem empolgação, o lucro das barraquinhas mudará as telhas quebradas dos templos, alguns deles aos pedaços.
Não sei como as coisas se passam em outros sítios. Aqui, no Rio, é uma calamidade. Os jardins de infância faturam por fora em nome dos santos juninos, e os pais são obrigados a gastar os tubos com fantasias caipiras que as crianças acabam vestindo sem entender e sem amar. Até o presidente da República bota na cabeça um chapéu de palha em frangalhos e convida os ministros para um quentão oficial geralmente substituído por um uísque de 12 anos.
Da antiga e bonita tradição das festas de Santo Antônio e São João não sobrou nada, apenas a referência no calendário e a advertência anual das autoridades a respeito de balões e fogos.
Pois foi por aí que a festa acabou. Reconheço os motivos que obrigaram o governo, em seus diferentes níveis, a proibir balões. Mas que diabo, na minha infância, o céu ficava "pintadinho de balão" -como lembra a marchinha junina de Assis Valente. As casas eram mais frágeis, mais espaçadas, havia matagais em abundância na paisagem e mesmo assim os incêndios eram poucos.
Que me lembre, nunca vi incêndio provocado por balão, embora meu pai, nos anos de minha infância, fosse famoso baloeiro entre os baloeiros mais famosos. Foi talvez a única arte em que se distinguiu -nas demais foi um desastre.
Os preparativos começavam no início de maio, resmas de papel fino sueco -era o melhor e o mais resistente, de cores mais cintilantes e duradouras. Os balões se amontoavam pelas salas e quartos, pendurados em varas, em ganchos, em cima dos armários, deles saía um cheiro da cola de farinha de trigo e do papel importado. Ali eles aguardavam a noite mágica em que subiriam ao céu.
Murchos, coloridos e disformes, pareciam monstruosas fantasias de palhaços, sem alma, sem chama, à espera do momento em que entrariam em cena, no imenso espaço da noite de junho.
Mas dia 13 (Santo Antonio) ou dia 24 (São João), eles se erguiam, iluminados, varando o espaço majestosamente, enquanto aqui embaixo ficávamos, ao redor da fogueira, olhando atônitos aquela beleza que subia, frágil e poderosa. Eram enormes os balões, e belos.
Lá distante, da sala onde funcionava a primeira radiovitrola que meu pai comprara na Casa Édison, provavelmente a prazo, vinha a marchinha de Assis Valente na voz de Carlos Galhardo: "Cai, cai balão / não deixa o vento te levar / quem sobe muito / cai depressa sem voar/ e a ventania / de tua queda vai zombar / cai, cai balão / não deixa o vento te levar".
Mas os ventos levavam os balões e eles sumiam na imensa enseada da noite. Mais um pouco e as fogueiras ficavam reduzidas a cinzas, onde se assavam batatas doces e roletes de cana. Enquanto isso, os balões ainda voavam pela madrugada, silenciosos, as buchas apagadas. Manuel Bandeira tem versos pungentes sobre os balões apagados das madrugadas, no poema que foi o primeiro que entendi e amei. ("Profundamente").
Vivi a mesma experiência: acordava no meio da noite e pensava em todos os que estavam dormindo, profundamente, e de repente um balão apagado passava em silêncio pela minha janela, vindo de longe, cansado, sem glória, cumprindo o seu destino de balão. Todos estavam dormindo, menos eu, vigiando o céu, esperando que um deles viesse a cair em nosso quintal. Alvoroçado, acordava o pai e íamos juntos e orgulhosos apanhar a dádiva que o céu nos mandara.
Pois é. As fogueiras acabaram mesmo. As noites de junho eram as mais frias do ano. E as festas também estão acabando. Mas não posso deixar de lembrar os balões que nunca me libertaram de seu legado de tristeza, mansidão e fragilidade.

Texto do Carlos Heitor Cony, na Folha de São Paulo, de 17 de julho de 2009.


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terça-feira, setembro 01, 2009

O chique na berlinda - uma entrevista com Peter Singer

O chique na berlinda

Em entrevista à Folha, o filósofo australiano Peter Singer diz que o consumo de luxo aumenta a pobreza

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON


Peter Singer acha que as pessoas que gastam [dinheiro] com vinhos caros e viagens luxuosas em vez de ajudar crianças pobres são, de certa maneira, responsáveis pela morte destas.
É o que ele defende em seu livro mais recente, "The Life You Can Save" [A Vida Que Você Pode Salvar, Random House, 206 págs., US$ 22, R$ 47], um manifesto humanitário embasado nos preceitos da bioética.
É a mais nova faceta do polêmico filósofo australiano de 62 anos, que ensina esse ramo da ética na Universidade Princeton, em Nova Jersey (EUA).
As outras são a do militante pelos direitos dos animais, posição defendida em outro livro, "Animal Liberation" [Libertação Animal, Random House, 1975], considerada a obra que iniciou a faceta radical desse movimento, e "Should the Baby Live? - The Problem of Handicapped Infants" (Deve o Bebê Viver? - O Problema das Crianças com Deficiências, Oxford Univesrity Press, 1985), em que defende a eutanásia.
Leia abaixo trechos da entrevista que concedeu à Folha por e-mail.

FOLHA - Segundo a Unicef, 27 mil crianças morrerão hoje. O que devemos fazer a respeito e não fazemos?
PETER SINGER
- Essas mortes são evitáveis. Elas são decorrência de situações que podem ser mudadas -ausência de água limpa, falta de postos médicos locais, ausência de redes contra a malária e assim por diante. Acima de tudo, acontecem por conta da extrema pobreza, e isso também pode ser mudado.
Nós deveríamos usar uma parte de nossa riqueza para ajudar a tirar as pessoas da armadilha da extrema pobreza. É errado gastarmos tanto com coisas supérfluas, enquanto outros não têm o suficiente para comer ou não têm condições de mandar suas crianças para a escola.

FOLHA - Ao mesmo tempo, 20 mil americanos perderão seus empregos hoje. O quão difícil é ser coerente em uma época de derretimento econômico?
SINGER
- O problema não é coerência, mas fazer com que as pessoas pensem outras enquanto estão preocupadas com os próprios interesses. Somos egoístas por natureza, e não espero que as pessoas se tornem altruístas se estão preocupadas em pagar o aluguel.

FOLHA - O sr. dá um terço de seus rendimentos à rede de assistência global Oxfam. É suficiente? Recomenda que outros façam o mesmo?
SINGER
- Eu não diria que é o suficiente; se eu fosse uma pessoa melhor, daria mais.
Ao mesmo tempo, porém, não seria preciso que ninguém desse tanto quanto eu dou se apenas as pessoas mais ricas doassem algo de suas rendas.
Então, em meu livro, recomendo uma porcentagem muito menor, começando por 1% da renda das pessoas. É possível ver a tabela completa no livro ou no site www.thelifeyoucansave.com, [onde você pode fazer sua doação também.

FOLHA - O sr. escreveu: "Quando nós gastamos nossa sobra de dinheiro em shows, sapatos da moda, jantares sofisticados, vinhos caros ou em viagens de férias para lugares distantes, estamos fazendo algo errado". Mas pode-se argumentar que, ao fazer isso, ajudamos a criar ou manter empregos, algo que hoje em dia é mais do que necessário. Como equilibrar esforço humanitário e capitalismo?
SINGER
- A maior parte do que gastamos no que você menciona vai para pessoas que já são ricas. Se o que você compra ajuda realmente os mais pobres -talvez por meio de um esquema de comércio justo-, tudo bem, não me oponho.
Mas é importante ajudar os pobres diretamente também, pois de outra maneira eles não podem se integrar à economia global. Os países mais pobres não têm a infraestrutura necessária para essa integração.

FOLHA - O sr. acha que uma das consequências da atual crise pode ser que as pessoas passem a ter uma vida mais frugal?
SINGER
- Seria bom em certo sentido, especialmente do ponto de vista do ambiente, do aquecimento global.
Mas duvido que aconteça. A crise vai passar, e em alguns anos voltaremos aos nossos hábitos antigos.

FOLHA - Do ponto de vista da bioética, qual é a diferença entre George W. Bush e Obama na Casa Branca?
SINGER
- Uma diferença enorme. Bush e seus capangas adotaram uma atitude arrogante em relação ao resto do mundo -os EUA são o chefe, disseram, não apenas mais um membro da comunidade internacional.
Obama tem uma atitude diferente, e isso é importante.
Igualmente importante, é claro, é sua recusa em torturar, seu plano de fechar [a prisão da base militar de] Guantánamo, sua disposição em apoiar organizações de planejamento familiar que também incluem aborto entre os meios de ajudar as mulheres a controlar sua fertilidade, sua aceitação de pesquisa usando células-tronco de embriões humanos e, acima de tudo, uma atitude positiva em relação à ciência.

FOLHA - Não há contradição entre o que defende em "Deve o Bebê Viver?" e "A Vida Que Você Pode Salvar"?
SINGER
- Nenhuma. Minha preocupação primária é a redução do sofrimento desnecessário.
Há uma enorme diferença entre tentar salvar a vida de crianças cujos pais querem que elas vivam e cujas vidas podem ser salvas com quantias modestas de dinheiro e manter vivas crianças extremamente incapacitadas, usando tecnologia médica moderna e caríssima, quando os pais acham que seria melhor para a criança e a família se o bebê não sobrevivesse.

FOLHA - A propósito de um de seus primeiros livros, "Libertação Animal", e a gripe suína, o sr. acha que há uma lição moral nessa quase pandemia?
SINGER
- Não creio. A razão moral para não colocar porcos nas "fábricas rurais" em que estão é que é uma vida horrível para os porcos, e não há necessidade de que os tratemos assim.
Talvez uma consequência secundária de colocar milhões de animais juntos em condições precárias é que eles cultivam novas doenças, que podem gerar pandemias globais.
Mas seja isso verdade ou não, o fato é que, para começar, não deveríamos estar tratando os animais dessa maneira.

Texto do caderno Mais! da Folha de São Paulo, de 10 de maio de 2009.

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