sexta-feira, março 03, 2006

Sobre Gaúchos

No início de janeiro, li um texto de uma paranaense a respeito das peculiaridades dos gaúchos. Neste caso os nascidos na banda leste do rio Uruguai, pois também os há(os gaúchos) na banda oeste. O tal texto se chama "Breve Reflexão Cultural Sobre Gaúchos e Lagostas", e está disponível no saite Digestivo Cultural (http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=1802).

Lá ela comenta sobre a forte identidade de grupo dos gaúchos, principalmente daqueles que por um motivo ou outro se exilam de sua terra. Comenta ainda de sua capacidade gregária, e da fundação de Centros de Tradições Gaúchas (CTG's) Brasil afora. Segundo ela, e eu tenho de concordar, esta identidade não raro se sobrepõe à brasileira. Segundo ela, e eu novamente concordo, uma evidência disso é que em alguns automóveis pertencentes a gaúchos estão afixados adesivos com o mapa, ou a bandeira do Rio Grande do Sul, e junto a frase "O Rio Grande é o meu País!". Como muitas vezes não é informado de qual Rio Grande se está falando, que fique claro desde já junto aos potiguares que o Rio Grande deles, o do "Norte", não existe.

Gaúchos são mesmo seres peculiares. Gostam de louvar a memória de uma revolução, que como disse outro(1), perdemos. Ou seja a Revolução Farroupilha, uma revolução, na verdade uma guerra civil, que se estendeu por 10 anos. Quanto a essa questão de celebrar uma revolução perdida, nada demais. Os paulistas também fazem o mesmo com a Constitucionalista de 1932, e parte da elite cultural paulista ainda hoje sente grande ódio da memória de Getúlio Vargas. O problema é que somos bastante seletivos naquilo que gostamos de celebrar, tipo o bom a gente exalta, e o ruim faz de conta que não existiu. É lembrada a nobreza de Bento Gonçalves que se negou a destruir São José do Norte para ocupá-la e ter um porto marítimo para as exportações farroupilhas, e que ainda forneceu remédios aos feridos da guarnição legalista (imperial) que momentos antes combatera. Também é lembrado o destemor dos farroupilhas se negando a aceitar ajuda de argentinos, curiosamente os gaúchos "de lá", para se engajarem na luta contra o Império Brasileiro de então. Os farroupilhas não apenas recusaram a ajuda, como também ameaçaram atacar qualquer tropa argentina que se arriscasse a cruzar o rio Uruguai. É lembrado ainda, que os farroupilhas, ou os gaúchos, tão logo terminou o conflito, em que conseguiram uma paz honrosa, logo foram envolvidos pelo Império Brasileiro, em guerras no Rio da Prata, na Argentina(na época "Províncias Unidas do Rio da Prata"), e no Uruguai. Mas ninguém gosta de lembrar a traição do general Canabarro ao corpo de lanceiros negros, do exército farroupilha, nos estertores do conflito. (O que fazer com aquela negrada a quem havia sido prometida a liberdade, como prêmio pela sua participação nas batalhas?). Ainda a respeito dos lanceiros negros, não tenho certeza de que o movimento tradicionalista gaúcho celebrava sua participação na Revolução antes do governo Olívio Dutra.

Por outro lado, também ninguém gosta de lembrar, o comportamento bárbaro de ambos os lados contendores da Revolução Federalista de 1893, ambos os lados gaúchos, em que a degola de inimigos presos e desarmados se tornou banal.

Por fim, nesta genealogia do gauchismo do Rio Grande do Sul, a turma ainda gosta de lembrar, que um bando de gaúchos saiu daqui para amarrar seus cavalos no obelisco da Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, então capital federal do Brasil. Mas não se queria separação, se queria poder. E a revolução de 1930, teve como estopim o assassinato do então candidato a vice-presidente, João Pessoa, na Paraíba. E Getúlio não teria se tornado presidente do Brasil se não tivesse apoio de mineiros, pernambucanos, paraibanos...

E ainda no ciclo da Revolução de 1930, também devemos lembrar que na revolta paulista de 1932, Flores da Cunha, uma liderança regional gaúcha, apoiou os paulistas contra o governo ainda provisório do gaúcho Getúlio Vargas.

Mas tudo bem.

No seu melhor lado a identidade do gaúcho produz uma certa comunhão, amistosidade, e é divertida. No seu pior, pode produzir separatismo, preconceito, reacionarismo, até racismo!

Em tempo: a escritora paranaense citada no início deste texto, quando fala em lagostas, está fazendo uma alegoria em relação a outros escritores paranaenses.




(1) TELLES, Jorge. Farrapos: A Guerra que Perdemos. Porto Alegre: Martins Livreiro Editor, 2002.

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1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Ah, eu sou gaúcho!

4:32 PM  

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