quarta-feira, outubro 11, 2006

Editorial da Folha de São Paulo de 11/10/2006 Sobre a Bomba Nuclear Norte-Coreana

A bomba prolifera

O SUPOSTO teste nuclear norte-coreano deve ser deplorado. Se já é ruim que mais países tenham acesso a bombas atômicas, pior quando tais artefatos caem nas garras de uma ditadura tenebrosa.
Feita essa constatação, é preciso reconhecer que, em termos estritamente jurídicos, a Coréia do Norte tem tanto direito quanto os EUA ou a Rússia de possuir uma bomba. Só o que limita a aquisição ou o desenvolvimento de artefatos bélicos atômicos é o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), do qual a Coréia do Norte não é mais signatária.
Daí não segue que o mundo esteja de mãos atadas. Se um ou mais países quiserem impor sanções à Coréia do Norte por conta do que consideram um comportamento hostil, podem fazê-lo.
O problema é a assimetria do sistema de não-proliferação. Firmado em 1968, o TNP peca por tentar congelar a divisão do mundo em duas categorias de países. Na primeira figurariam as cinco potências nucleares da época -EUA, URSS (depois a Rússia), Reino Unido, França e China-, autorizadas a manter arsenais. Na segunda estariam os demais, que se comprometeriam a nunca adquirir tais armas.
Não surpreende que o TNP jamais tenha funcionado bem. Índia, Paquistão e Israel, que nunca assinaram o documento, desenvolveram arsenal atômico. A África do Sul também, mas o destruiu nos anos 90. A Coréia do Norte, que era signatária do pacto, denunciou-o em 2003.
Um TNP imperfeito é ainda preferível à anarquia nuclear. Mas, para que o pacto possa ser respeitado, as potências nucleares deveriam dar seguimento a uma das previsões do tratado e estabelecer um cronograma de longa duração para o completo desmantelamento atômico.
Tal disposição jamais foi tratada com seriedade. A existência de duas categorias de países pode ser admitida como excepcional e transitória; não como definitiva.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1110200602.htm