sábado, outubro 21, 2006

José Sarney Vê a Política nos Estados Unidos - Folha de São Paulo, 20/10/2006

JOSÉ SARNEY

No espaço sideral

A AVENTURA espacial, diz o historiador, cientista e político francês Claude Allègre, foi ao mesmo tempo um sonho e uma decepção. A presença do homem no espaço é cara e ineficaz. A fantasia das redes universais Iridium e Global Star foi suplantada pela velha tecnologia dos cabos submarinos, agora óticos.
Mas restou a ciência. O Hubble é uma maravilha que persiste depois que sua vida útil terminou. As sondas espaciais revelam detalhes dos outros planetas. Os satélites de observação e informação (como GPS, Galileo), cada vez mais miniaturizados, abrem extraordinárias perspectivas às ciências geográficas.
Vejo, siderado, que o Bush resolveu se meter com o espaço e decretou que "os propósitos pacíficos (grifo deles) da exploração do espaço permitem as atividades de defesa e inteligência na busca dos interesses nacionais". E "os controles sobre armas propostos não devem atrapalhar os direitos dos EUA de pesquisar, proceder a ensaios ou ter outras atividades no espaço". Atividades militares, entenda-se.
O maior volume de recursos americanos para a pesquisa espacial não é o da Nasa; é o das unidades militares, como as bases Vanderberg e Spawar, na Califórnia, e Arnold (AEDC), no Tennessee. Isso passa um retrato assustador do desprezo da política americana pelo mundo. A mesma falta de respeito que tem pelo direito que a Revolução Americana trouxe ao mundo na declaração de Jefferson e agora é revogado pela nova lei sobre tribunais militares, com a qual Bush avisou aos tribunais que o direito de habeas corpus está suspenso em relação aos prisioneiros de Guantánamo. É a primeira vez que o habeas corpus é suspenso nos EUA desde a Guerra Civil. Eles podem ainda persuadir confissões com métodos "alternativos".
Mas não só más notícias vêm de lá. Uma conferência de prefeitos americanos anuncia que 168 grandes cidades, como Seattle (de quem partiu a iniciativa), Nova York e Los Angeles, decidiram aplicar o Protocolo de Kyoto.
A idéia do espaço sideral, infinitamente em expansão e estendido no tempo -no céu vemos estrelas, buracos negros, poeira, radiação como eram há milhões e bilhões de anos-, deveria levar-nos a pensar mais no nosso mundo e em nossas limitações. "Podemos inflar nossos conceitos além dos espaços imagináveis, só criamos átomos, em detrimento da realidade das coisas", dizia Pascal. A realidade é a Terra ameaçada pela violência e pela guerra, pela destruição do homem e da natureza.
Fiquemos com os satélites, que podem e devem nos ajudar, controlando queimadas e desmatamentos. E com o sonho do espaço como símbolo da paz.


jose-sarney@uol.com.br

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2010200606.htm