quarta-feira, agosto 19, 2009

Celibatários nas praias do século XXI

Celibatários nas praias do século XXI

Javier Darío Restrepo
De Bogotá, Colômbia

O mundo de hoje está curado de espantos sexuais: o sexo oral é tema de conversas desde que a imprensa xeretou as intimidades do presidente Clinton; as seções sobre sexo em jornais e revistas tratam, sem rubores, de tema que o Kama Sutra esqueceu e que o gênero picaresco deixou de lado, apesar da sua cínica acalmação. Nenhum segredo sobre o sexo parece ser-nos alheio.

No entanto, estão soando gritos de escândalo e de curiosidade adolescente diante do flerte de um casal em uma praia, porque ele é um gentil e popular sacerdote da televisão, da rádio e da imprensa. Escândalo sincero? Curiosidade? Hipocrisia?

Um sacerdote apaixonado em Miami, ou as mulheres seduzidas e grávidas do presidente Lugo, quando ainda usava a mitra, ocupam espaços e imagens na televisão, colunas na imprensa, fazem as beatas se benzerem e os incrédulos sorrirem, astutos e satisfeitos, e converteram em um tema deliciosamente picante o celibato dos sacerdotes.

O celibato no Concílio.
Apesar da imprensa de então ter afirmado que o Concílio Vaticano se reunia para autorizar o casamento dos padres, o certo é que não foi um tema da sua agenda, apesar da quantidade de folhetos, cartas, estudos e propostas que circularam pelos corredores da aula conciliar e pelas caixas postais dos quase 2.000 participantes nas suas sessões. Até um escrito assinado por 81 médicos, sociólogos e escritores, urgia um estudo sobre o tema. O Papa considerou inoportuno o debate público, mas deixou aberta a possibilidade de que os padres conciliares apresentassem os seus escritos, que a presidência do Concílio os faria chegar até as suas mãos.

Um desses escritos foi o do monsenhor Koop, bispo de Lins, no Brasil. Pedia clero casado para salvar a Igreja na América Latina, um continente com 35% dos fiéis de toda a Igreja e apenas com 6% dos seus sacerdotes. Calculava-se então que para o ano 2000 o continente precisaria de 125.000 sacerdotes mais e que a esse número somente se chegaria com sacerdotes casados. Um dos teólogos assessores do concílio escreveu naqueles dias que a Igreja deveria renunciar ao celibato como forma de encontrar um clero suficientemente numeroso.

Mas, além disso, como resolver o problema dos sacerdotes que não haviam sido capazes de cumprir os seus votos e que se haviam convertido em motivo de escândalo?

Em uma dramática confissão de João XXIII ao filósofo francês Etienne Gilson, lhe confiou: "parece-me que escuto um choro, como vozes que pedem à Igreja que os libere do pesado fardo." E admitia: "não é dogma, a Escritura não impõe o celibato e, inclusive, é fácil de fazer: pego uma pena, assino um papel e amanhã todos os sacerdotes que assim o desejarem poderão se casar. Mas não podemos fazer isso. Não podemos consentir com isso."

Por que insistir no celibato?
Os bispos que aplaudiram, até o delírio, uma carta de Paulo VI ao Concílio, na qual reiterou as expressões de João XXIII, tinham muito claras as razões dessa negativa e as compartiam. De fato, 1.971 deles haviam aprovado uma proposição que qualificava o celibato como "riqueza positiva."

O teólogo alemão, Kart Rahner, do grupo de assessores do Concílio, explicaria que a vida não se pode reduzir ao diário e ao sexo. Dela também fazem parte a responsabilidade, o mistério, a dor aceita e a renúncia. Ao comparar o compromisso do celibatário com o compromisso matrimonial descobria que os dois são difíceis. O casado e o celibatário necessitam amor generoso, domínio pessoal, renúncia à vontade, maturidade e entrega. Ambos dão satisfações, obrigam a caminhar por caminhos sem volta, mas nenhum é superior ao outro. Casos como o do padre Jacob Loos, um antigo pastor protestante que celebra a sua missa em uma pequena capela de Zwolle e ali dá a comunhão à sua esposa e aos seus filhos, abrem o caminho de uma possibilidade: os sacerdotes casados. Hoje é muito comum o caso dos diáconos casados e poderia chegar o recrutamento de casados para o sacerdócio, mas não o dos sacerdotes com licença para casar-se. Ali o celibato é inamovível.

No entanto, Nicodemo, metropolita ortodoxo e o doutor Ramsey, que foi primado anglicano, coincidiam em sua admiração pelo celibato da Igreja Católica. Por ocasião do Concílio, cálculos foram feitos: 20% dos pastores protestantes e 45% dos ortodoxos escolhiam voluntariamente o celibato; talvez pela mesma razão que os católicos.

Entendiam que os seus chamados à fidelidade matrimonial e o seu testemunho sobre a existência de uma vida vindoura, superior em tudo à atual, deviam ser algo mais que retórica de púlpito.

Para demonstrar que a vida futura é superior, o mensageiro deve se converter na mensagem e começar por derrubar de fato o mito de que o sexo é tudo ou quase tudo, e que as delícias da vida presente são prescindíveis e pálidas diante da felicidade futura. Se isso não se prova com vidas capazes de vencer a força do sexo, a predicação da Igreja é vazia.

Talvez pensasse nisso Bento XV em 1920, quando afirmou que a Santa Sé nunca cederia nesta matéria. Ou João XXIII, quando chamou de alucinados os que achavam possível uma ab-rogação do celibato. Algo parecido diria Bento XVI em nossos dias. A Igreja está convencida de que a tirania do sexo e a fé na vida que virá criam a necessidade do testemunho dos celibatários. Isso torna o cristianismo uma coisa muito pouco moderna. A Igreja também sabe disso.

Este texto é originário do Terra Magazine. Destaques do blogueiro.


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