sexta-feira, novembro 04, 2005

Redenção?

Certos eventos em nossa vida devem ser tomados como uma epifania, uma manifestação sobrenatural. Dia 1º de novembro, portanto Dia de Todos os Santos, recebi logo pela manhã, de um colega, um correio eletrônico com um texto atribuído ao escritor João Ubaldo Ribeiro, com uma cantilena de como nós brasileiros demos ou somos errados como povo, fala de uma certa "'ESPERTEZA BRASILEIRA' congênita", e que os políticos dos quais costumamos falar mal são um reflexo de nós, povo brasileiro.
Como disse, não sei se o João Ubaldo realmente escreveu tal texto, procurando no Google, por João Ubaldo, nas primeiras páginas de consulta não encontrei. Tentei usando a primeira frase do texto. Veio linque para uma lista de discussão (http://carpa.ciagri.usp.br/users-l/msg00503.html), para um certo Universo da Mulher (http://www.universodamulher.com.br/index.php?mod=mat&id_materia=4704), mas ali informava que o texto era de autoria de um tal Mauro Marques Branco, e para um Blog-se - o Blog da Imprensa (http://www.soltandopipa.blog-se.com.br/blog/home.asp). Abaixo uma reprodução do texto como o recebi.

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Precisa-se de Matéria Prima

João Ubaldo Ribeiro

A crença geral anterior era que Collor não servia, bem como Itamar e Fernando Henrique. Agora dizemos que Lula não serve. E o que vier depois de Lula também não servirá para nada. Por isso estou começando a suspeitar que o problema não está no ladrão corrupto que foi Collor, ou na farsa que é o Lula. O problema está em nós. Nós como POVO. Nós como matéria prima de um país. Porque pertenço a um país onde a ESPERTEZA" é a moeda que sempre é valorizada, tanto ou mais do que o dólar. Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família, baseada em valores e respeito aos demais. Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nas calçadas onde se paga por um só jornal E SE TIRA UM SÓ JORNAL, DEIXANDO OS DEMAIS ONDE ESTÃO.

Pertenço ao país onde as "EMPRESAS PRIVADAS" são papelarias particulares de seus empregados desonestos, que levam para casa, como se fosse correto, folhas de papel, lápis, canetas, clipes e tudo o que possa ser útil para o trabalho dos filhos ...e para eles mesmos. Pertenço a um país onde a gente se sente o máximo porque conseguiu "puxar" a tevê a cabo do vizinho, onde a gente frauda a declaração de imposto de renda para não pagar ou pagar menos impostos. Pertenço a um país onde a impontualidade é um hábito. Onde os diretores das empresas não valorizam o capital humano. Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo nas ruas e depois reclamam do governo por não limpar os esgotos. Onde pessoas fazem "gatos" para roubar luz e água e nos queixamos de como esses serviços estão caros. Onde não existe a cultura pela leitura (exemplo maior nosso atual Presidente, que recentemente falou que é "muito chato ter que ler") e não há consciência nem memória política, histórica nem econômica. Onde nossos congressistas trabalham dois dias por semana para aprovar projetos e leis que só servem para afundar ao que não tem, encher o saco ao que tem pouco e beneficiar só a alguns.

Pertenço a um país onde as carteiras de motorista e os certificados médicos podem ser "comprados", sem fazer nenhum exame. Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no ônibus, enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não dar o lugar. Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não para o pedestre. Um país onde fazemos um monte de coisa errada, mas nos esbaldamos em criticar nossos governantes. Quanto mais analiso os defeitos do Fernando Henrique e do Lula, melhor me sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem "molhei" a mão de um guarda de trânsito para não ser multado. Quanto mais digo o quanto o Dirceu é culpado, melhor sou eu como brasileiro, apesar de ainda hoje de manhã passei para trás um cliente através de uma fraude, o que me ajudou a pagar algumas dívidas. Não. Não. Não. Já basta.

Como "Matéria Prima" de um país, temos muitas coisas boas, mas nos falta muito para sermos os homens e mulheres que nosso país precisa. Esses defeitos, essa "ESPERTEZA BRASILEIRA" congênita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e evolui até converter-se em casos de escândalo, essa falta de qualidade humana, mais do que Collor, Itamar, Fernando Henrique ou Lula, é que é real e honestamente ruim, porque todos eles são brasileiros como nós, ELEITOS POR NÓS. Nascidos aqui, não em outra parte... Me entristeço. Porque, ainda que Lula renunciasse hoje mesmo, o próximo presidente que o suceder terá que continuar trabalhando com a mesma matéria prima defeituosa que, como povo, somos nós mesmos. E não poderá fazer nada... Não tenho nenhuma garantia de que alguém o possa fazer melhor, mas enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a erradicar primeiro os vícios que temos como povo, ninguém servirá. Nem serviu Collor, nem serviu Itamar, não serviu Fernando Henrique, e nem serve Lula, nem servirá o que vier. Qual é a alternativa? Precisamos de mais um ditador, para que nos faça cumprir a lei com a força e por meio do terror? Aqui faz falta outra coisa. E enquanto essa "outra coisa" não comece a surgir de baixo para cima, ou de cima para baixo, ou do centro para os lados, ou como queiram, seguiremos igualmente condenados, igualmente estancados....igualmente sacaneados!!! É muito gostoso ser brasileiro. Mas quando essa brasilinidade autóctone começa a ser um empecilho às nossas possibilidades de desenvolvimento como Nação, aí a coisa muda... Não esperemos acender uma vela a todos os Santos, a ver se nos mandam um Messias.

Nós temos que mudar, um novo governador com os mesmos brasileiros não poderá fazer nada. Está muito claro...... Somos nós os que temos que mudar. Sim, creio que isto encaixa muito bem em tudo o que anda nos acontecendo: desculpamos a mediocridade mediante programas de televisão nefastos e francamente tolerantes com o fracasso. É a indústria da desculpa e da estupidez. Agora, depois desta mensagem, francamente decidi procurar o responsável, não para castigá-lo, senão para exigir-lhe (sim, exigir-lhe) que melhore seu comportamento e que não se faça de surdo, de desentendido. Sim, decidi procurar o responsável e ESTOU SEGURO QUE O ENCONTRAREI QUANDO ME OLHAR NO ESPELHO. AÍ ESTÁ. NÃO PRECISO PROCURÁ-LO EM OUTRO LADO.

E você, o que pensa?.... MEDITE!!!!!"

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É claro que o texto abusa de simplificações e do sendo comum. É mais ou menos como aquelas perguntas que aparecem nas comunidades do Orkut, questionando "como alguém pode ter orgulho de ser brasileiro?", ou "por que a África não se desenvolveu?". Como se a natureza de 180 milhões de indivíduos pudesse ser medida por meio milhar que quebram algumas regras de convivência...
E aí se recortam os exemplos para comprovar a tese.
Por que não se vendem jornais em caixas na calçada, onde as pessoas depositam dinheiro, e levam jornal? Bom é possível dizer que temos muitos jornaleiros em qualquer esquina de nossas capitais. Temos máquinas de venda automática de comes e bebes, e a população em geral se dá bem com tais máquinas, mesmo quando, às vezes, elas não entregam o que oferecem, nem devolvem o dinheiro (já aconteceu comigo, e, neste caso, não depredei a máquina). Talvez uma pergunta melhor fosse porque os jornais são tão caros relativamente ao poder aquisitivo da média da população? Ou, por que temos tantos analfabetos funcionais? Talvez seja nosso caráter. Brasileiros naturalmente gostam de ganhar pouco, e naturalmente não gostam de estudar.
O texto fala de empresa privada como a papelaria que as pessoas montam, quando roubam de suas empresas papel, clipes, grampos, canetas, lápis, e outros materiais de escritório. Isso é porque naturalmente todos os brasileiros tem empregos em escritórios. Como os brasileiros gostam de ganhar pouco (conforme foi concluído no parágrafo anterior), eles compensam isto pegando material de escritório emprestado nas empresas em que trabalham. Ainda sobre este ponto, dias atrás eu estive conversando com um colega, e ele me falou de um livro com o personagem Dilbert, do autor norte-americano Scott Adams, cujo título é algo aproximado de "Como se Tornar Milionário Roubando Material de Escritório". Pois é, o Scott Adams deve ter escrito tal livro após alguma viagem de pesquisa ao Brasil...
A lamúria continua com os "gatos", isto é, o acesso sem pagamento a serviços de água, eletricidade e tv a cabo. Eu penso que talvez o acesso à eletricidade e à água tratada devessem ser tornados direitos fundamentais dos seres humanos. Se, ao contrário, talvez pudesse haver uma política repressiva maior quanto aos gatos para água e luz, ia ficar mais difícil reclamar do mau cheiro das pessoas que não quisessem tomar banho, e também ficaria mais fácil para que doenças endêmicas se propagassem. Quanto à tv a cabo, mesmo pessoas que podem pagar por ela, reclamam das mensalidades. O seu acesso ainda é muito restrito no Brasil, e as operadoras também não estão muito preocupadas em instalar infraestrutura em locais que não considerem lucrativos. É como o roto falando do rasgado.
E há ainda o lamento sobre a corrupção do guarda de trânsito, e a mentira na declaração do imposto de renda, e a crítica fácil "aos políticos". É como se em outros países as pessoas não tentassem se livrar dos crimes ou pequenos delitos que cometeram, ou se os outros povos gostassem de pagar impostos. Se tais países existissem, não teriam impostos, teriam contribuições voluntárias da parte de seus cidadãos... Talvez tal questionamento sirva para perguntar por que a base das polícias brasileiras ganha tão mal, que se corrompe por algum trocado, quando se corrompe. Por que um policial ganha mal? Por que um professor ganha mal? E quanto aos políticos, podemos fechar o Congresso, a Câmara, as Assembléias Legislativas, e as Câmaras de Vereadores, nomear um ditador federal, que nomearia interventores estaduais, que por sua vez, nomeariam interventores municipais, todos homens probos. Mas aí surge um problema. E se algum deles não corresponder à probidade esperada? Se de alguma maneira a população ficar sabendo, deve linchá-lo? E o que fazer se isso acontecer ao ditador federal? Começar uma guerra civil?
O autor espera que o povo brasileiro possa melhorar extirpando seus vícios. Como ele espera que isso aconteça? Eu gostaria muito que o Espírito Santo iluminasse todas as mentes, e todos os brasileiros se tornassem discípulos de Jesus Cristo, e em conseqüência amassem o seu próximo como a si mesmos, mas me parece que isto é uma utopia; não tenho fé que isso possa prevalecer. Assim, para aprimorar a matéria prima, o melhor é ir obedecendo as leis e punindo quem as desobedecer. Se a lei for excessiva deve ser revogada. Se alguém for pego em corrupção, deve ser pego e julgado. Mas parece que isto está se tentando fazer...Mas parece que demora tanto...
Talvez esperar um milagre seja mais fácil.