Tudo Pelo Estilo
O texto abaixo / anexo é parte (cerca de 2/3) de artigo que foi publicado na revista CartaCapital, numa resenha sobre o livro A Voz do Escritor, de A. Alvarez.
Tudo Pelo Estilo Miguel Sanches Neto
Revista CartaCapital Edição 402, 19 de julho de 2006, Ano XII, página 63
A lição que podemos tirar é que, contrariando as fórmulas didáticas, escrever tem muito pouco a ver com técnica. O texto será tanto mais essencial quanto mais próximos da voz do autor, que não deve apenas descobrir, em meia às falsas vozes que ecoam em seuinterior, aquela que realmente é sua, mas também fortalecê-la. Logo, a formação passa pela paciente ciência de ir abandonando os penduricalhos estilísticos com o propósito de desvelar a própria voz.
Vista assim, a literatura adquire um valor humano perene, que a livra da lógica da mercadoria, sujeita a modismos, cumprindo o papel de tornar você leitor paciente mais integral e prazerosamente vivo. Livrar-se dos estilos artificiais é afastar-se dos clichês, investindo numa linguagem que, de tão espontânea, permanece eternamente virgem para os leitores vindouros.
Na segunda palestra, Alvarez trata do receptor desta voz ela deverá ser tão límpida e verdadeira quanto possível para poder ser sintonizada. Nesta concepção, toda leitura é um ato de escuta da voz, o que cria uma súbita aproximação entre quem a produziu e quem a ouve, mesmo que se passem séculos.
A primeira percepção de um texto é um contato auditivo (físico) e intenso com a voz original, pois a escrita deixa de ser uma convenção de signos para tornar-se algo tão vivo quanto o leitor, emitindo ondas sonoras imaginárias que ele consegue captar. É como se o texto incluísse o próprio corpo do autor, fazendo com que a leitura seja não uma atividade solitária, mas uma conversa íntima entre mentes afastadas no tempo e no espaço. Para que isso ocorra, o autor tem de estar presente na página, habitando-a com um verbo sincero e despojado.
Isso não deve ser entendido com uma concessão à facilidade e ao exibicionismo autobiográfico, tal como ocorre nos dias atuais, quando biografias e autobiografias ocuparam o lugar da alta literatura de imaginação, tida como elitista eis o tema da última palestra. Depois de um período de rigor neoclássico (o modernismo inglês), que fez com que escritores domassem suas neuroses por meio de um senso de medida, superando alguns princípios românticos, a literatura do século XX se entregou à mídia e à fama, confundindo vida com literatura.
O ensaísta localiza nos anos 60 mudança do padrão, momento em que viver tornou-se maior do que escrever. Os grandes responsáveis teriam sido os escritores beat (Allen Ginsberg & cia.), que fizeram da literatura um território confessional. Alvarez nega a contracultura e o texto mal-acabado que ela institucionalizou, lembrando que vem do romantismo a tendência de viver tragicamente para dotar a obra de um valor midiático, que garanta o sucesso por meio de escândalos.
Contra as drogas, as bebidas e o culto da loucura como métodos da escrita relaxada, ele entende a arte como busca pela ordem e pela sanidade empreendida por pessoas que quase sempre são perturbadas. Ela será sempre a afirmação pela linguagem do cosmo contra as forças latentes do caos.
Tudo Pelo Estilo Miguel Sanches Neto
Revista CartaCapital Edição 402, 19 de julho de 2006, Ano XII, página 63
A lição que podemos tirar é que, contrariando as fórmulas didáticas, escrever tem muito pouco a ver com técnica. O texto será tanto mais essencial quanto mais próximos da voz do autor, que não deve apenas descobrir, em meia às falsas vozes que ecoam em seuinterior, aquela que realmente é sua, mas também fortalecê-la. Logo, a formação passa pela paciente ciência de ir abandonando os penduricalhos estilísticos com o propósito de desvelar a própria voz.
Vista assim, a literatura adquire um valor humano perene, que a livra da lógica da mercadoria, sujeita a modismos, cumprindo o papel de tornar você leitor paciente mais integral e prazerosamente vivo. Livrar-se dos estilos artificiais é afastar-se dos clichês, investindo numa linguagem que, de tão espontânea, permanece eternamente virgem para os leitores vindouros.
Na segunda palestra, Alvarez trata do receptor desta voz ela deverá ser tão límpida e verdadeira quanto possível para poder ser sintonizada. Nesta concepção, toda leitura é um ato de escuta da voz, o que cria uma súbita aproximação entre quem a produziu e quem a ouve, mesmo que se passem séculos.
A primeira percepção de um texto é um contato auditivo (físico) e intenso com a voz original, pois a escrita deixa de ser uma convenção de signos para tornar-se algo tão vivo quanto o leitor, emitindo ondas sonoras imaginárias que ele consegue captar. É como se o texto incluísse o próprio corpo do autor, fazendo com que a leitura seja não uma atividade solitária, mas uma conversa íntima entre mentes afastadas no tempo e no espaço. Para que isso ocorra, o autor tem de estar presente na página, habitando-a com um verbo sincero e despojado.
Isso não deve ser entendido com uma concessão à facilidade e ao exibicionismo autobiográfico, tal como ocorre nos dias atuais, quando biografias e autobiografias ocuparam o lugar da alta literatura de imaginação, tida como elitista eis o tema da última palestra. Depois de um período de rigor neoclássico (o modernismo inglês), que fez com que escritores domassem suas neuroses por meio de um senso de medida, superando alguns princípios românticos, a literatura do século XX se entregou à mídia e à fama, confundindo vida com literatura.
O ensaísta localiza nos anos 60 mudança do padrão, momento em que viver tornou-se maior do que escrever. Os grandes responsáveis teriam sido os escritores beat (Allen Ginsberg & cia.), que fizeram da literatura um território confessional. Alvarez nega a contracultura e o texto mal-acabado que ela institucionalizou, lembrando que vem do romantismo a tendência de viver tragicamente para dotar a obra de um valor midiático, que garanta o sucesso por meio de escândalos.
Contra as drogas, as bebidas e o culto da loucura como métodos da escrita relaxada, ele entende a arte como busca pela ordem e pela sanidade empreendida por pessoas que quase sempre são perturbadas. Ela será sempre a afirmação pela linguagem do cosmo contra as forças latentes do caos.
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