sexta-feira, agosto 18, 2006

AQUELA ESTRELA BORDADA EM MEU PIJAMA


Do blog do poeta, jornalista e professor Fabrício Carpinejar:

AQUELA ESTRELA BORDADA EM MEU PIJAMA


Fabrício Carpinejar
Escritor, colorado, autor de "O Amor Esquece de Começar" (Bertrand Brasil, 2006)


Era o último jogo do Falcão pelo Inter e a rara chance de conseguir o título de campeão da América. A tristeza de perder o ídolo diminuía com a possibilidade de vencer a Libertadores contra o Nacional. Tinha oito anos e só pensava em ser jogador do Inter, só pensava em futebol. Escutei o jogo pelo rádio. Uruguai nunca me pareceu tão longe. Entendia o jogo quando apareciam os nomes de Benitez, Mauro Galvão, Batista, Jair e Mário Sérgio. Depois do zero a zero em Porto Alegre, restava vencer. Não suportei o nervosismo e apaguei o rádio aos 35m do segundo tempo. Adormeci com o coração entre a língua e os dentes. O coração mais dentes do que línguas.

Acordei de manhãzinha, às 5h, para ver qual tinha sido o resultado. Cheirei o jornal antes de ver a manchete. Vitorino de cabeça. Inter havia perdido de um zero. A cidade vazia, deserta, os cães latiam entre si. As estrelas não tinham sentido e já se despediam. Sempre que busco o jornal, imagino que virá a manchete, que Falcão ficaria para jogar o Mundial, que seria centroavante, que não haveria escola de manhã, que meu pai e meus irmãos gremistas teriam medo de conversar comigo, que mexeria com a colher o leite para o achocolatado subir do fundo.

Vinte e seis anos depois, duas libertadores do Grêmio, sou um menino de letras garrafais. Um menino de papel. Com os mesmos vincos de um travesseiro guardado. Com filhos colorados como eu, indecisos entre gritar e correr. Com minha mulher desesperadamente alegre, que me olha como se não fosse acreditar. Em 1980, nascia Bolívar, zagueiro do Inter, que completou aniversário justo ao enfrentar o time de São Paulo. Ele daria o presente para mim ou eu daria para ele? Quem torce mais: aquele que enxerga ou aquele que vira para não sofrer? Quem tem mais coragem? Era a última partida de Tinga com a camisa vermelha. Ele fez o gol ontem. De cabeça. O gol que Falcão também sonhava.

O pão velho volta a ser quente na boca. Aos 35 minutos do segundo tempo, desliguei novamente a tevê. Fui deitar, alheio às superstições. Hoje o jornal decidiu minha vida. Pela segunda vez. Como disse Abel, o técnico que já foi vice para vencer: "Não podemos mudar o início, mas podemos mudar o final". Sou o primeiro a acordar para nunca mais dormir.



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