terça-feira, dezembro 19, 2006

Soninha Francine: Filando a Alegria Colorada - Folha de São Paulo, 19/12/2006

Filando a alegria colorada

"JÁ PENSOU como ELES estão se sentindo agora?"
No almoço de domingo na casa de amigos, todos estavam felizes com a vitória no Mundial -e ninguém era Colorado. Vendo as imagens da festa na TV, sabíamos, até por experiência própria (todo mundo já comemorou alguma coisa um dia...), que o orgulho e alegria de um torcedor "legítimo" são incomparáveis, mas curtimos a festa como aqueles milhões de pessoas que vibram com o futebol brasileiro sem terem nascido aqui. Inter campeão do mundo, e contra o Barcelona! A força do conjunto é impressionante. Esporte coletivo tem essa graça fundamental, que às vezes o futebol trata como se fosse recurso dos menores, os mais fracos, os desprovidos de talento. Se você não tem craques, precisa "apelar" para o conjunto. Não: um bom conjunto é indispensável para todos (e a melhor sustentação para os craques).
Por isso é difícil uma seleção mostrar o futebol de um grande time e um craque sentir-se tão à vontade com a camisa de seu país quanto com o uniforme do clube. Por isso, também, não adiantou o Barcelona ter jogadores importados de dez países. Em campo e no banco de reservas, vestiam azul-grená nove atletas que disputaram a Copa do Mundo por sete seleções (e não estavam lá o Messi e o Eto'o, que não foi para a Copa, mas "é seleção"). Não que o time catalão não seja excelente também no trabalho coletivo, mas o Inter, mesmo sem um jogador na disputa do melhor do mundo, lhe foi superior. Aplicado, solidário, destemido, concentrado, lúcido. Parou os indivíduos -Ronaldinho, Deco, Giuly, Von Brockhorst...- e desmontou o conjunto. O Barcelona teve chances, teve momentos de superioridade, mas não pôde com Clemer, Iarley, Gabiru e os demais.
O time gaúcho foi festejado no país todo, não só porque são muitos os que têm simpatia por ele e poucos os que o têm como rival mas também porque o Inter é inter...estadual. Tem atletas de Maranhão, Ceará, São Paulo, Espírito Santo, Rio, Alagoas, Goiás e Paraná. Ah, sim, e Rio Grande do Sul.
Neste país desfalcado por um êxodo incontrolável de talentos -amadurecidos ou recém-descobertos (e nem sequer confirmados)- ainda se consegue montar um time com gente vinda de tudo quanto é canto, que vai ao Japão e bate o Barcelona numa final... Uau. Não é à toa que a gente se acostuma e aceita barbaridades -parece que, de um jeito ou de outro, muita coisa acaba dando certo. Isso é um perigo; não vamos trocar os sinais: não é por causa da bagunça que somos os tais; é apesar dela.
A idéia de jogar bola descalço em terreno irregular é bacana para os anos de infância, de brincadeiras e descompromisso. No futebol profissional, não há nada de poético na falta de estrutura. Queremos jogadores com a paixão dos amadores -e administrações profissionais. Os dois últimos campeões mundiais são equipes que se destacam pela organização e planejamento. Assim como a aplicação tática não precisa (não deve!) engessar o craque, a boa gestão não tira a graça do futebol brasileiro, muito ao contrário. Faz a nossa gente brilhar mais. Parabéns Internacional, aos que estiveram lá e a quem não pôde ir (salve, Renteria!), aos campeões da Libertadores, aos torcedores felizes. Se não se importarem em compartilhar, a alegria de vocês é um pouco nossa também.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/esporte/fk1912200611.htm