quinta-feira, outubro 01, 2009

As lições de Antoine Wiertz

As lições de Antoine Wiertz

QUEM FOI Antoine Wiertz? Bela pergunta. Absurda pergunta. Bastaria recuar 150 anos para encontrar Wiertz nas conversas cultas da Europa. Um pintor, sim. Mas, na opinião da época, Wiertz era o mais fiel discípulo de Rubens e um dos nomes cimeiros da Bélgica. Digo tudo isso com conhecimento de causa: a revista "The Economist" desta semana dedica um artigo a Wiertz, e eu ri com a história dele.
Vamos aos fatos: em março de 1850, Antoine Wiertz, apreciado em certos círculos eruditos, escreveu carta ao governo belga. Proposta modesta: ele legaria os seus quadros ao país. Em contrapartida, o Estado belga encontraria um museu para eles, exibindo-os e cuidando do espólio para todo o sempre.
Dito e feito: a Bélgica, que saíra de revolução traumática contra a dominação holandesa e proclamara a sua independência, precisava desesperadamente encontrar os seus heróis, ou seja, encontrar uma identidade nacional e cultural distintiva. Wiertz cumpria esse papel, ao retratar episódios pungentes dos seus compatriotas contra a submissão estrangeira.
Aliás, não apenas Wiertz servia a esse propósito: de Gustave Wappers, que a "Economist" igualmente cita, a Louis Gallait, que a revista estranhamente ignora, a nova Bélgica seria feita com novos nomes.
Antoine Wiertz acabaria por falecer em 1865. Os elogios foram fartos e, tirando alguns críticos franceses ("et pour cause..."), o seu nome parecia inscrito de forma perene na história da arte ocidental.
O próprio Museu Antoine Wiertz era testemunho e testemunha da importância do pintor. Em 1927, seis décadas depois da morte de Wiertz, o museu recebia 46 mil visitas anuais. Um sucesso e, para o Estado belga, uma aposta ganha.
Infelizmente, a história da arte nem sempre acompanha a história do gosto. E com um século 20 dominado por vanguardas múltiplas, a pintura convencional de Wiertz foi emergindo sob uma luz radicalmente diferente. Os seus quadros gigantescos, de um classicismo que oscila entre o "gore" e o "kitsch", foram aos poucos saindo de moda e, por vezes, ridicularizados nas publicações da especialidade.
Hoje, o Museu Antoine Wiertz ainda existe em Bruxelas. Mas era melhor que não existisse. Por dia, recebe em média dez visitas. Repito: dez. Mas há mais: consultem os manuais da especialidade e tentem encontrar o nome de Wiertz entre os maiores do século 19.
Eu fiz a experiência e procurei o bicho nas duas últimas histórias da arte que me entraram em casa (a de Paul Johnson, excelente, e a de Julian Bell, idem). Nada de nada. Antoine Wiertz não existe. Melhor: só existe para o Estado belga, obrigado a suportar 220 obras de Wiertz para todo o sempre.
A história de Wiertz não tem nada de especial. É, no fundo, a história de dezenas, centenas, milhares de artistas que a história acabou por enterrar. Artistas que o gosto da época aplaudia com uma cegueira fugaz; mas que o tempo, esse sábio implacável, acabou por medir, reavaliar e esquecer.
Repito: a história da arte nem sempre acompanha a história do gosto. Há quem lamente essa dissonância valorativa. Eu, pelo contrário, aplaudo. Porque o gosto não se limita a aplaudir precocemente, como a história do pintor belga tão bem exemplifica. Por vezes, o gosto também insulta precocemente quem o tempo acaba por resgatar do esquecimento.
Se a história da arte se confundisse com a mera história do gosto, jamais teríamos ouvido falar de Degas, Pissarro ou Monet, denunciados pela sabedoria coeva como exemplos de mediocridade pictórica. Ler as páginas que Albert Wolff, o mais influente crítico de pintura na França oitocentista, dedicou aos maléficos impressionistas é uma sessão de humor contínuo.
Mas o destino de Antoine Wiertz não é apenas uma lição sobre a forma como a história da arte é também um processo de seleção natural. O destino de Antoine Wiertz é um aviso para a tendência bem democrática de confiar ao Estado o papel absurdo de patrocinar e consagrar a arte contemporânea.
O problema dessa atitude não é apenas econômico -ainda que seja possível discuti-lo tendo em conta a forma como o Estado usa e abusa dos dinheiros públicos.
O problema começa por ser essencialmente artístico: acreditar que a moda de um tempo é válida para todos os tempos é a prova definitiva de uma ignorância cultural que nem mesmo o mais básico filistino ousaria expressar.

Texto de João Pereira Coutinho, na Folha de São Paulo, de 14 de julho de 2009.

Não sei se concordo com tudo o que diz o autor, mas a historinha do artista consagrado em seu tempo e esquecido depois é interessante.


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2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Gostaria de saber se wiertz teve familia, filhos , quem toma conta desse museu em Bruxelas .
Meu nome é Valéria Wiertz estou em São Paulo a procura de meus decententes.
Se vc puder me ajudar
Obrigada

12:12 AM  
Blogger José Elesbán said...

Putz! Não sei nada disso.
Mas estou certo que se escreveres para a Folha, eles encaminham a mensagem para o colunista, e talvez ele diga algo.

12:41 AM  

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