Como aproveitar melhor o trânsito
Num dia de pressa, cheguei a me barbear dentro do carro; levei a lâmina e a espuma
JÁ FAZ um bom tempo que guardo no carro um cortador de unhas: alguns minutos  de congestionamento, pelo menos, prestam-se desse modo a uma tarefa útil.
Num  dia de pressa, cheguei a me barbear dentro do carro. Levei a lâmina e a espuma  de barba, e confesso que havia um bocado de exibicionismo nesse desespero. Mas  não durou muito a sensação de ser esperto, que sempre perseguimos  individualmente quando a irracionalidade é coletiva. Tinha esquecido de levar  uma toalha, de modo que, no meio do processo, a direção do carro ficou  totalmente ensaboada. Não recomendo a experiência.
De qualquer modo,  enquanto as autoridades não se decidirem a implantar um rodízio mais amplo  (única maneira, acho, de conseguir um desafogo visível a curto prazo no trânsito  de São Paulo), é bom pensar em maneiras úteis de empregar o tempo dentro do  carro.
Ouvir rádio não me tira a sensação de estar gastando horas à toa.  Música é fundamental, mas precisa associar-se a um mínimo de conforto. Prefiro  ligar nas estações de notícias, em tese mais proveitosas em meio a tanta  paralisia.
Acontece que, a cada três vezes que sintonizo o noticiário, topo  com duas conversas sobre futebol. Há sempre uma espécie de papinho besta entre  os locutores, destinado a conferir certa informalidade à linguagem do rádio.  Rompe-se com o estilo antigo de locução, gritado e rígido; mas surge, em troca,  o vazio dos comentários, a flacidez da provocaçãozinha a respeito de alguma  derrota sofrida pelo time do interlocutor... É a crônica bobeira brasileira, que  pode ser bem sufocante.
E quando não é futebol, o rádio está dando notícias  sobre o próprio trânsito. Logo isso acaba: basta dizer que está tudo parado, da  Anhaia Melo à Chafic Maluf, da Bandeirantes à Giovanni Gronchi, e estamos  conversados.
No meio de um congestionamento, não procuro "distração". Quero  aproveitar o tempo, coisa bem diferente. O aprendizado de línguas pode ser  tentado. 
A revista "Speak Up", com CD e texto, é uma boa ajuda para quem já  tem conhecimentos intermediários de inglês. Claro que nem sempre eu quero ouvir  uma entrevista com Dustin Hoffman ou com um chofer de táxi londrino, mas para  quem está há meia hora parado no mesmo quarteirão é sempre uma oportunidade de  auto-aperfeiçoamento.
Ainda na área de línguas, há um equivalente da "Speak  Up" para quem ainda guarde pretensões de entender alemão. É a revista "Schau ins  Land", que pode ser encomendada no site www.champs-elysees.com. Eles  também vendem revistas com CDs para quem aprende espanhol, francês e italiano.  Claro que a mentalidade germânica impõe uma carga pesada aos interessados. Os  detalhes industriais da produção dos lápis Faber Castell, por exemplo, entupiram  de consoantes os meus ouvidos enquanto eu tentava me livrar da atravancada  sintaxe do elevado Costa e Silva. Pelo menos, eu não podia reclamar só do  trânsito: minha paciência era testada de outras formas.
Existe ainda no site  o maravilhoso mundo dos audio-books em língua estrangeira. Eles oferecem a  integral do "Estrangeiro", de Camus, lido pelo próprio autor. E, num produto  especialmente designado para o trânsito paulistano, o texto francês completo de  "Em Busca do Tempo Perdido", coisa de mais de cem discos.
Em português, dá  para achar alguma coisa em audio-books. Não tenho muita vontade de ouvir contos  de Clarice Lispector ou de Machado de Assis na 23 de Maio, mas tive curiosidade  de conhecer melhor os novos contistas brasileiros. A atriz Leona Cavalli fez  dois CDs com histórias de Marçal Aquino, Luiz Ruffato, Marcelino Freire, Nelson  de Oliveira e muitos outros. Podem ser encontrados no site www.livrofalante.com.br.
No  geral, essa literatura insiste em recriar, com certa artificialidade a meu ver,  um mundo "bruto, sujo e malvado": motoboys assassinados bruscamente, pessoas  felizes num depósito de lixo, crianças inocentes maltratadas pela cidade...  
Programa de paulista, dirão os habitantes de metrópoles mais afortunadas.  Mas é o que temos. Não pesquisei em outras áreas de consumo.
Quem sabe não  exista um microondas para ligar no acendedor de cigarros do automóvel? Você  chega em casa sem ter de se preocupar com o jantar. E talvez alguns sex-shops já  tenham produtos para quem está parado no congestionamento. Seria a linha do  "relaxe e goze"; bem que estamos precisando disso.
coelhofsp@uol.com.br
Marcadores: engarrafamentos, trânsito






4 Comments:
Temos algo em comum hoje :))
Zé Alfredo, tô na corrida: nesta quinta, 27 de março, tem encontro de blogueiros na Cidade Baixa, no Bar do Natalício (na Cel. Genuíno) pra tomar uima cerveja com o cangaceiro do Marconi Leal. A Cláudia e o Eugênio do Dialógico vão estar lá. A Ane do Gazeta Mundo Cão também; assim como eu e minha herdeira Mari Timm. À partir das seis e meia. Vê se aparece.
Um abraço.
Cara, o que está acabando com o trânsito de São Paulo nos últimos dias é a inauguração do Bourbon Pompéia, onde, inclusive, tu pode comprar cacetinho...
Leonardo,
Quando eu for a São Paulo, quero no Bourbon Pompéia comprar cacetinho.
Jens e Heuser: obrigado pelas visitas.
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