terça-feira, outubro 21, 2008

Chibata

Em ano de anistia, Chibata ganha HQ

Revolta de 1910 contra maus-tratos a marinheiros é tema de livro; em julho, Lula sancionou projeto de anistia ao líder

Autores visitaram o cenário da ação e mesclaram ficção e documentos para narrar a trajetória do marinheiro João Cândido da infância à velhice


MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Há muito tempo/ nas águas da Guanabara/ o dragão do mar apareceu/ na figura de um bravo marinheiro/ a quem a história não esqueceu."
Apesar da homenagem de Aldir Blanc e João Bosco em "O Mestre-Sala dos Mares" (1975), o personagem da canção, João Cândido Felisberto (1880-1969), líder da Revolta da Chibata, foi largamente ignorado por quase um século, como mostra o recém-lançado álbum em quadrinhos "Chibata!".
Criada pelos cearenses Olinto Gadelha (texto) e Hemeterio (desenhos), a HQ mistura ficção e documentos históricos para narrar a vida de João Cândido da infância à velhice, tendo como foco sua liderança na rebelião dos marinheiros contra os castigos físicos, em 1910.
A sugestão do tema veio da Conrad, em 2005 -a editora convidou Hemeterio para desenhar a HQ e este chamou Gadelha, com quem já trabalhava há tempos, para criar o roteiro.
A partir daí, começou um trabalho de pesquisa nas bibliotecas públicas de Fortaleza e na internet, além de uma visita ao Rio, cenário da ação.
"A gente conhecia superficialmente a história do João Cândido e, quando acabamos a pesquisa, descobrimos um herói do mesmo porte do Tiradentes", diz Hemeterio.
"É a típica saga do herói: ascensão e queda, abnegação, sacrifício. Ele entregou sua vida por uma causa, mesmo sabendo que era uma causa perdida. É um personagem grandioso que estava escondido."

Revolta e traição
A HQ é narrada com idas e vindas cronológicas, a partir de flashbacks do velho João Cândido no período em que esteve internado no hospício da Praia Vermelha, no Rio.
Os autores imaginam a infância do filho de ex-escravos no Rio Grande do Sul e mostram sua entrada na Marinha e as condições degradantes a que eram submetidos os marujos -com comida estragada e chibatadas como punição.
Além de narrar a noite da revolta, em 22 de novembro de 1910, quando João Cândido e 2.300 marinheiros tomaram as grandes embarcações da armada, o livro mostra os desdobramentos políticos do episódio.

Tabu
Apesar de terem conseguido um acordo e uma anistia por parte da Marinha, os revoltosos foram punidos posteriormente com prisão, tortura e, em alguns casos, execução.
A partir daí, o tema virou tabu. "Mesmo nos tempos modernos, todos que tentaram falar sobre a Revolta da Chibata sem se ater à versão oficial sofreram represálias", diz Gadelha. A HQ mostra um desses episódios: a infame surra no jornalista Aparício Torelly, o Barão de Itararé.
"Chibata!" vem coroar, pelo lado da cultura pop, o ano em que João Cândido e seus companheiros foram oficialmente anistiados pelo lado político.
Em março, a Marinha tornou públicos documentos oficiais referentes a João Cândido. Em julho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou projeto de anistia ao marinheiro.
"[A anistia] foi simbólica, mas deveria ter acontecido enquanto ele estava vivo. Agora é como pedir perdão para o vento", diz Gadelha. "Com a proximidade do centenário [da revolta, em 2010] espero que haja outros projetos sobre ele."


CHIBATA!
Autores: Olinto Gadelha (texto) e Hemeterio (desenhos)
Editora: Conrad
Quanto: R$ 40 (224 págs.)

Além Texto da Folha de São Paulo, de 15 de outubro de 2008.


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