segunda-feira, dezembro 29, 2008

Os Donos do Poder, 50 anos

Clássico de Faoro completa 50 anos com nova edição

"Os Donos do Poder", obra que analisa o caráter patrimonialista do Estado brasileiro, será tema de debate, hoje à noite, na FGV

Na época em que escreveu uma das mais importantes interpretações do país, Raymundo Faoro era jovem e obscuro advogado no RS


RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Do esforço e da erudição individual de um obscuro advogado gaúcho, uma espécie de "self-made man" da análise sociológica, nasceu, há 50 anos, uma das mais importantes interpretações sobre o Brasil.
Leitura que dizia, justamente, que o Estado patrimonialista sufocava aventuras ou empreendimentos independentes, impedindo o surgimento de ideário e práticas modernas, liberais no país.
O hoje clássico "Os Donos do Poder - Formação do Patronato Político Brasileiro", de Raymundo Faoro (1925-2003), escrito à mão em 1954, só veio a ser editado em 1958, pela então gaúcha editora Globo.
Ganhará agora uma nova edição, que chega às livrarias nesta semana, com comentário crítico do professor de ciência política da USP Gabriel Cohn e reprodução de manuscritos. Conta Cohn que "o livro talvez não tivesse vencido a muralha da indiferença" se não ocorresse a alguém na editora -"consta que Erico Veríssimo"- sintetizar o argumento com um título novo, a partir do próprio texto de Faoro.
E quem são esses celebrizados "donos do poder"? São representantes de um Estado que confunde coisa pública e privada, um "estamento" burocrático que não tira seu poder da representação de grupos ou interesses econômicos e sociais independentes da máquina estatal, mas, ao contrário, que constitui riquezas privadas e fortalece grupos a partir das posições que ocupam no Estado.

Herança e mudança
Para o autor gaúcho, que viria a ser figura de frente na luta pela redemocratização do país durante a ditadura militar (1964-1985), o Brasil herdou de Portugal uma organização política pré-moderna, em que o Estado capitaneia os grandes empreendimentos comerciais, sufocando a existência de uma burguesia autônoma, limitando e canalizando todos os impulsos da sociedade.
É verdade, no entanto, que o país mudou bastante desde a publicação da primeira edição do livro. A democracia ganhou força e representatividade. Como fica o patrimonialismo hoje no Brasil? Para o advogado e ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr., o argumento permanece atual. "O poder ainda emana daquele que tem a caneta", ele diz. "Segundo Faoro, o poder não estava no dinheiro, no empresariado, no poder social, mas na capacidade de nomear pessoas, alocar conhecidos e distribuir benesses. Isso continua valendo."
Já Gabriel Cohn defende que a conclusão principal do livro de Faoro continua válida apenas se considerarmos que essa forma geral do Estado patrimonialista é extremamente "plástica", adaptando-se sempre a novas realidades. A leitura é possível, mas o advogado sugere rigidez maior em sua tese, como alerta o próprio Cohn.
"O que não dá para sustentar é a idéia de uma asfixia total sobre a sociedade. Você tem uma sociedade tolhida na sua capacidade de constituir seus próprios dinamismos, mas a idéia de uma sociedade asfixiada [pelo Estado] não se mantém."
Cohn e Reale Jr. participam hoje à noite, na Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (r. Rocha, 233), de um debate sobre Faoro e "Os Donos do Poder". Também participarão da mesa o advogado e cientista político Oscar Vilhena e o historiador Carlos Guilherme Mota. O encontro acontece às 19h, e a entrada é gratuita.

OS DONOS DO PODER
Autor: Raymundo Faoro
Editora: Globo
Quanto: R$ 94 (936 págs.)

Texto da Folha de São Paulo, de 27 de novembro de 2008.

Interpretação impressiona por fatalismo

DA REPORTAGEM LOCAL

A obra de Raymundo Faoro sobre a formação do Estado e da classe política brasileira impressiona pelo tom fatalista, no que se distingue de obras clássicas sobre outras "formações" do Brasil.
Se "Raízes do Brasil", de Sérgio Buarque de Holanda, aponta para a possibilidade de transformação da sociedade brasileira a partir da chegada de novos imigrantes, segundo a análise do crítico Antonio Candido, se Gilberto Freyre mapeia em suas obras a decadência do patriarcado rural, e se o próprio Candido, em sua "Formação da Literatura Brasileira", vê em Machado de Assis um autor que supera os impasses criativos anteriores, Faoro vê apenas manutenção e repetição de uma "monstruosidade social" na forma do Estado brasileiro.
O título do capítulo conclusivo dá bem uma medida desse argumento: "A Viagem Redonda". O tom é duro. Se o Estado é o grande provedor, o Brasil se torna, de certa forma, uma nação de agregados. Nessa mesma conclusão, escreve Faoro que a nação tende, inevitavelmente, ao "parasitismo".
Em sua apresentação, o cientista político Gabriel Cohn afirma que "não há nesse livro nada que se assemelhe ao relato da gradativa constituição de uma configuração nacional com feição e dinamismo próprios". (RC)

Também da Folha de São Paulo, de 27 de novembro de 2008.

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