Floresta abrigou 1º milharal, diz estudo
Floresta abrigou 1º milharal, diz estudo
Vestígios no México recuam em 1.100 anos a domesticação do cereal e questionam tese de que cultura surgiu no semiárido
Ambiente úmido, porém, impediu preservação das espigas, deixando como evidência de agricultura só resíduos microscópicos
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
O milho e a abóbora foram domesticados há pelo menos 8.700 anos nas florestas tropicais, segundo evidências encontradas em um abrigo rochoso no sul do México. Até agora achava-se que a origem dessas culturas agrícolas fosse a região do planalto semiárido.
No caso do milho, a descoberta recua em 1.100 anos os primeiros indícios de sua utilização -até agora datados de 7.600 anos atrás. E a data também é 2.500 anos mais antiga que o primeiro uso de milho no planalto mexicano.
O milho descende de um capim selvagem, o teosinto, que os antigos índios selecionaram artificialmente para produzir variedades melhoradas.
"Milho e também possivelmente a abóbora Cucurbita argyrosperma se juntam a um número crescente de plantas agrícolas importantes que se demonstrou terem sido cultivadas e domesticadas no México e na América do Sul entre 10.000 e 7.500 anos atrás, na mesma época em que a agricultura emergiu no Velho Mundo", escreveram os autores em um dos dois artigos sobre a descoberta publicados na última edição da revista científica "PNAS" (www.pnas.org).
Um dos artigos, cujo principal autor é Anthony Ranere, da Universidade Temple (EUA), trata da arqueologia do abrigo rochoso de Xihuatoxtla; o outro trata especificamente das evidências botânicas dessa alimentação pré-histórica: restos de amido e fitólitos (minerais microscópicos presentes em plantas), encontrados em ferramentas de pedra usadas na moagem dos grãos.
Ocultação de evidência
"Parece que os antigos agricultores que nós documentamos no vale do rio Balsas consumiam rotineiramente abóbora e milho domesticados, junto com outras plantas como palmeiras, inhames, legumes e provavelmente outros alimentos que não são tão visíveis no registro porque não produzem fitólitos e grãos de amido identificáveis, ou não eram processados antes de comidos", disse à Folha a principal autora do segundo artigo, Dolores Piperno, arqueobotânica do Museu Nacional de História, Natural, de Washington, e do Instituto Smithsonian de Pesquisa Tropical, do Panamá.
As pedras arredondadas usadas para moer as plantas podem parecer comuns para o olhar leigo, mas um arqueólogo logo reconhece sua função. "Pedras que foram usadas para a moagem adquirem padrões de gasto distintos", diz Piperno. E o fato de acharem o amido e os fitólitos nas faces gastas é a melhor prova.
É justamente a dificuldade de encontrar provas da agricultura nas regiões mais úmidas que fazia com que, até a década de 1990, se acreditasse que a domesticação das plantas tivesse acontecido nas regiões mais altas e secas, apesar de fazer mais sentido que isso tivesse acontecido em uma área com clima mais chuvoso e sazonal. O milho pré-histórico tinha sido achado em cavernas do planalto porque o clima seco facilitava a preservação.
"Nosso objetivo principal era documentar a história antiga da domesticação do milho na terra natal do seu ancestral selvagem", afirma Ranere. E essa região, no sudoeste mexicano, era justamente uma área até agora pouco explorada.
A dificuldade de preservação fica clara quando se nota que não foram achados restos de fauna no abrigo. "Ossos animais frequentemente não se preservam bem em contextos tropicais", diz Piperno.
O teosinto pode parecer mais capim do que milho. Mas, como Piperno e colegas mostram, ainda hoje os mexicanos da região usam o teosinto para alimentar porcos e galinhas.
A pesquisadora planeja vir ao Brasil investigar as origens da agricultura na Amazônia, em parceria com o arqueólogo Eduardo Neves, da USP.
Marcadores: América, América Latina, História, México, milho, pré-história, revolução agrícola
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