Entre salvação e a ruína - patrimônio histórico em Santa Rita Durão, distrito de Mariana, MG
Entre a salvação e a ruína
PEDRO QUEIROZ LEITE
NOS MEUS dias de estudante em Mariana, MG, um amigo me dizia, em tom de brincadeira e crítica, que aquela era a única cidade que ele conhecera onde o patrimônio histórico não só era "tombado, como também escorado". O objeto de seu comentário era um antigo sobrado que agonizava em plena praça Cláudio Manoel, defronte à Sé de Mariana, durante anos mal sustentado por escoras de madeira, numa eterna iminência de queda.
Hoje, o prédio encontra-se restaurado, mas vários outros não tiveram a mesma sorte: foram ao chão, por descuido de seus proprietários e dos poderes públicos. E tal se deu na rua Direita, um dos "cartões-postais" da cidade.
Se isso foi possível na turística primeira capital de Minas Gerais, com suas imponentes igrejas, da Sé, de São Francisco, de São Pedro dos Clérigos e de Nossa Senhora do Carmo -cujo interior, riquíssimo, foi praticamente todo devorado pelo fogo, em 1999-, imagine o que poderia ocorrer em distritos afastados da sede do município.
Pois não é preciso mais imaginar: já está acontecendo, em Santa Rita Durão, distante pouco mais de 20 km de Mariana. Berço do poeta árcade -autor do épico "Caramuru"- cujo nome, em 1895, substituiria o de Inficionado, denominação primeira do lugar, esse distrito marianense possui dois preciosos templos do século 18 que estão se desfazendo ante os olhos da população. A matriz de Nossa Senhora de Nazaré, cuja construção teve início em 1729 e que foi tombada em 1945, passa por uma restauração que já completou o décimo aniversário sem que melhora alguma possa ser vista.
As infiltrações de água danificam suas paredes, o entablamento, o piso e, principalmente, a pintura do forro, de João Batista de Figueiredo, datada de 1778 e que se encontra quase completamente destruída. Além disso, a falta de vigilância permitiu que parte de sua decoração de talha fosse arrancada dali. E dizem que nem sequer o foi na calada da noite...
Já a capela de Nossa Senhora do Rosário, uma joia do rococó, igualmente tombada em 1945 e que tem excelentes pinturas nos forros da capela-mor e da nave -estas, pelo menos, restauradas em 2000-, apresenta um avançado estágio de deterioração estrutural. Suas paredes de taipa pendem para o lado e nelas se observam grandes e profundas rachaduras. Tal inclinação permitiu que o reboco, em muitas partes externas, ruísse de seus suportes e provocou o deslocamento dos retábulos colaterais.
A situação ainda é mais grave quando se recorda que num deles, o colateral esquerdo, existe uma obra atribuída a Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, que está seriamente ameaçada. Ou seja, nem o Aleijadinho está a salvo em Santa Rita Durão, Mariana. Ao descaso dos órgãos públicos, que não investigam tais fatos ou não tomam as medidas cabíveis para saná-los, soma-se o pouco caso dos interesses privados. Em visita recente (janeiro de 2009), fomos informados pelos moradores que, em razão da queda de uma ponte em março de 2008, os caminhões das mineradoras que exploram a região têm desviado seus trajetos costumeiros e acabam por passar perto da capela, comprometendo ainda mais suas fundações.
Como se vê, trata-se menos de um caso de esquecimento e mais de verdadeira omissão. Que se compreende, mas não se justifica, pelo fato de o distrito não se situar nas rotas turísticas principais, por ser distante da sede e pelo número pouco elevado de habitantes -ou por serem eles pouco influentes do ponto de vista político. Por outro lado, são várias e bem conhecidas as autoridades que poderiam dar um basta a essa vexaminosa situação: a Arquidiocese de Mariana, proprietária dos prédios, o governo municipal, o estadual e o federal, quer diretamente, quer por meio de seus institutos de preservação do patrimônio ou de incentivo ao turismo.
A iniciativa privada também deveria fazer algo por eles, seja pelo seu potencial de atração de visitantes, seja como marketing social -moeda tão apreciada hoje em dia por entidades que, muitas vezes, parecem sofrer de uma consciência um pouco pesada. Em tempos de tão cantada e decantada crise econômica, pedir recursos para a proteção do patrimônio deve soar a alguns ouvidos como um verdadeiro absurdo. Mas relíquias do nosso passado, diferentemente de lucros e investimentos, não podem ser refeitas a cada novo ano fiscal. São obras únicas e insubstituíveis.
Registramos aqui a denúncia e cobramos céleres providências por parte dos responsáveis. É salvarmos os templos ou incluí-los numa outra modalidade turística ou arqueológica: a visitação e o estudo das ruínas do século 18 mineiro.
PEDRO QUEIROZ LEITE, historiador, é mestrando em história social pela UEL (Universidade Estadual de Londrina) e aluno do curso de especialização em cultura e arte barroca da Universidade Federal de Ouro Preto.
Texto publicado na Folha de São Paulo, em 27 de março de 2009.
Marcadores: História, Minas Gerais, patrimônio cultural, patrimônio histórico
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