sábado, agosto 22, 2009

Luta de Titãs - Sobre o Guaíba (I)

LUTA DE TITÃS

Era assim que se falava, quando eu era criança, de dois grandes polemistas. No momento, em Porto Alegre, dois titãs se enfrentam sem que todos prestem atenção: o engenheiro Henrique Wittler e o professor Rualdo Menegat, do Instituto de Geociências da UFRGS. O fantástico é que os dois me convencem, embora um pense o contrário do outro. Wittler defende que o Guaíba é um rio. Menegat sustenta que é um lago. Wittler garante que essa história de lago foi tirada da cartola para justificar a menor proteção da orla na medida em que uma lei federal manda preservar uma área menor à beira dos lagos. Os argumentos de cada um são fortes e fazem pensar. Hoje, vou apresentar aqui os de Menegat a partir do e-mail que ele me mandou.
Menegat é autor de um 'Pequeno Manual Para Saber Se o Guaíba é Estuário, Rio ou Lago'. Foi um dos organizadores do famoso Atlas Ambiental de Porto Alegre, que define o Guaíba como um lago. Reconhece que na primeira edição houve um erro, já corrigido, dizendo serem seis os rios (são quatro) afluindo para o Guaíba. A sua tese principal está plasmada neste título da sua lavra: 'Falsas Polêmicas Escondem o Óbvio: a Proteção do Guaíba Depende da Vontade Política dos Mandatários de Porto Alegre'. Em outras palavras, sustenta que o Guaíba é um lago por razões científicas e não políticas. A sua abordagem dos fatos começa citando o incontornável viajante francês Auguste Saint-Hilaire, para quem o Guaíba era um lago. Mas um intendente da época (1820) teria decidido chamá-lo de rio. Seria por alguma maracutaia?
Menegat garante que o Guaíba não é estuário por não ser aberto diretamente para o mar. Não é, segundo ele, rio por 12 motivos: 'Não tem nascentes, não tem perfil fluvial longitudinal, não tem margens paralelas, não se inclui em nenhuma classe de padrão de canal, não se inclui em nenhuma classe de padrão de drenagem, não possui nenhuma feição de erosão fluvial, não possui nenhum tipo de depósito fluvial, não possui matas ripárias, possui matas de restinga lacustre, possui conchas lacustres, possui cordões lacustres, nasce em um delta (feição de desembocadura de um rio, do ponto final do curso d’água)'. É um lago? Lago não é exclusivamente uma porção de água cercada de terra por todos os lados (o Guaíba é aberto em Itapuã)? Segundo Menegat, essa definição de lago é de terceira série primária. Mais: 'Não está proibido em nenhum manual técnico-científico internacional que um lago não possa ter fluxo de água'.
Cita os grandes lagos Erie e Ontário para comprovar a sua afirmação. Menegat não descarta, porém, que os defensores atuais do Guaíba como lago queiram apenas se beneficiar de lei que protege mais os rios do que os lagos: 'É de se perguntar por que tal lei não protege, pelo menos igualmente, estes últimos. Aliás, a lei deveria proteger muito mais os lagos, porquanto são mais vulneráveis'. Além disso, 'os municípios têm alçada para melhorar as leis ambientais federais e estaduais'. Portanto, a questão não seria a natureza, mas os homens: 'Que atalho é esse que prefere revogar a ‘lei da natureza’ do que a ‘lei dos homens’, numa espécie de obscurantismo contra a ciência?' Ponto para os 60 metros.

Este texto é de Juremir Machado da Silva, e foi publicado no jornal Correio do Povo, de 7 de maio de 2009.

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