sábado, novembro 07, 2009

A São Paulo de Lévi-Strauss

A São Paulo de Lévi-Strauss

SÃO PAULO - "Um espírito malicioso definiu a América como uma terra que passou da barbárie à decrepitude sem conhecer a civilização. Poder-se-ia, com mais acerto, aplicar a fórmula às cidades do Novo Mundo: elas vão do viço à decrepitude sem parar na idade avançada". O antropólogo Claude Lévi-Strauss inicia com essas palavras, bem conhecidas, o capítulo sobre "São Paulo", o 11º de "Tristes Trópicos", dedicado a relatos e reflexões em torno de sua viagem ao Brasil.
Lançado só em 1955, 15 anos após a volta do autor à França, o livro tem um forte acento literário e ensaístico, o que o torna bom de ler.
Ao chegar a São Paulo em 1935, Lévi-Strauss diz que "não foi o aspecto novo que de início me espantou, mas a precocidade dos estragos do tempo". Logo adiante, ele ironiza o afã do progresso de uma cidade que se "desenvolve a tal velocidade que é impossível obter seu mapa: cada semana demandaria uma nova edição". São Paulo lhe parece em contínuo processo de construção e dissolução -um amálgama de novidades e ruínas incapaz de alcançar a civilização. Fisicamente, a cidade descrita não existe mais, o que comprova o acerto das observações.
Na década de 30, o provincianismo da sociedade paulistana impressiona e diverte o francês de espírito cultivado. "Tristes Trópicos" é cruel com nossas veleidades.
Como suas orquídeas prediletas, diz Lévi-Strauss, a elite paulista "formava uma flora indolente e mais exótica do que imaginava" -e a cultura, "até época recente, era um brinquedo para os ricos".
Falando sobre a USP, que ajudou a criar, Lévi-Strauss diz ter julgado seus colegas nativos com "uma compaixão um pouco arrogante". E explica: "Ao ver aqueles professores miseravelmente pagos, obrigados, para comer, a fazer obscuros trabalhos, senti orgulho de pertencer a um país de velha cultura, onde o exercício de uma profissão liberal era cercado de garantias e de prestígio". O tempo passou, mas "Tristes Trópicos" dá muito o que pensar.

Texto de Fernando de Barros e Silva, na Folha de São Paulo, de 4 de novembro de 2009.


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2 Comments:

Blogger Luma Rosa said...

Essa "compaixão arrogante" lhe rendeu uma capítulo na vida, pelo menos. Talvez ele não tenha concordado com o interesse exclusivo dos universitários paulistanos pela novidade em si, sem conexão com coisa nenhuma, já que não temos 'passado'. Ele sim era um arrogante! A França não o quis quando voltou do Brasil e teve que se exilar nos EUA. Que castigo para quem não gostava de modernidade!!

A blogueira Denise Bottmann http://naogostodeplagio.blogspot.com/ traduziu "O suplício de Papai noel". Se Lévi era difícil de se conviver, era gostoso de se ler!

Beijus,

9:08 PM  
Blogger José Elesbán said...

Ele foi para os Estados Unidos porque não quiseram na França, ou será que o ambiente na Europa não estava muito propício para um francês de ascendência judaica?

Sobre o Papai Noel eu havia copiado algo por aqui...

[]

11:31 PM  

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