segunda-feira, fevereiro 22, 2010

Mochila Vazia - "Up in the Air"

Mochila vazia

SÃO PAULO - Ponha "Avatar" de lado. George Clooney é Ryan Bingham, executivo de uma empresa especializada em demitir funcionários de outras corporações. Esse demitidor de elite é o protagonista de "Up in the Air" ("Amor sem Escalas" na destradução local), filme de Jason Reitman que estreia hoje.
Entre uma demissão e outra, o personagem vive no avião. Sua obsessão é atingir dez milhões de milhas no ar. "No ano passado, tive que aguentar 43 miseráveis dias em casa", contabiliza. Profissão, estilo pessoal e filosofia de vida se fundem na sua figura descompromissada.
Em suas viagens, ele promove o "way of life" que personifica em palestras motivacionais sobre "Como Esvaziar a Sua Mochila". O segredo consiste em fazer a plateia sentir quanto pesam as tralhas materiais e os laços afetivos acumulados ao longo da vida.
Bingham vê seu mundo ameaçado quando Natalie (Anna Kendrick), uma jovem executiva, sugere um método mais econômico de cortar cabeças: por teleconferência. Ambiciosa e provinciana, Natalie confidencia que, ainda adolescente, imaginava chegar à casa dos 20 casada com um executivo de sucesso, dirigindo um jipão da moda, com filhos e cachorro de raça na bagagem.
Seu ideal de vida convencional contrasta com o cinismo cosmopolita de Alex (Vera Farmiga), versão feminina de Bingham, a parceira perfeita para um bom papo e uma noite de sexo casual num cinco estrelas. As coisas, porém, não são tão fáceis como parecem. Mas guardemos o final, antes que o leitor demita o colunista pela internet.
As demissões (e os demitidos, todos colhidos na vida real) ocupam só o pano de fundo da trama. Ainda nos anos 90, o psicanalista francês Cristhope Dejours escreveu um livro ("A Banalização da Injustiça Social") discutindo as razões que levam pessoas ditas "de bem" a aceitar fazer o "trabalho sujo" e cometer crueldades contra terceiros. A "banalidade do mal" no mundo corporativo era seu tema. "Up in the Air" arranha essa ferida.

Comentário de Fernando de Barros e Silva, na Folha de São Paulo, de 22 de janeiro de 2010.

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