sexta-feira, agosto 18, 2006

Entre Maragatos e Chimangos


Das Crônicas do Heuser (http://pauloheuser.blogspot.com) :

Entre Maragatos e Chimangos



Por Paulo Heuser

Hoje pela manhã novamente notei a nossa extrema polarização, em qualquer assunto. Quem não estava vestido de vermelho, rindo solto, era considerado gremista, automaticamente. Não passa pela cabeça da maioria que alguém possa não gostar tanto assim de futebol. Não nos é dada esta opção. Temos de ser colorados ou gremistas. Alguns da Serra são verdes, mas isso não lhes retira a obrigação de optarem pelo verde-vermelho ou pelo verde-azul.

Entro no táxi. O motorista deita um olhar desconfiado pelo retrovisor e indaga sobre minhas preferências futebolísticas. Teria 50% de chance de acertar a resposta se a pergunta fosse outra. Seja o que for que eu responder à pergunta, a resposta será o contrário daquilo que o motorista quer ouvir.

Esta sina nos persegue País afora. Certa ocasião, eu estava hospedado em um hotel, no Rio de Janeiro, em meio a uma legião de turistas da terceira idade. Alguns estavam mais para a quarta. À noite, jantando sozinho no restaurante, constatei aterrorizado que um trio de músicos paraguaios tocava de mesa em mesa. Imaginei a nacionalidade em função da harpa paraguaia que um deles tocava.

Tentei fingir que examinava o interior do saleiro para escapar da performance personalizada. Falhou, estava defronte a três sorridentes paraguaios. Veio a questão inicial: de onde eu era? Seguiu-se a fatídica: colorado ou gremista? Quase lhes respondi que eu era um fanático torcedor do Lagoano Trescantense, o último hooligan do Planalto. Desisti, o mico apenas se estenderia. Chutei Grêmio, acreditando ter o hino mais curto. Lá veio o hino do Grêmio na harpa paraguaia. De inhapa, Carnavalito. Pago o mico, sem gorjeta, pois quem está comendo não pega em dinheiro (bem pensado, não), observei que intercalavam hinos de clubes com ora Carnavalito, ora Índia.

A polarização se faz sentir também na política. Se alguém não se declara fanático por um partido, certamente será considerado fanático por outro, sem nenhuma liberdade de escolha. A própria aparência física estigmatiza. Bigodes e barba remetem aos revolucionários de algum país latino-americano. Afinal, Guevara e Fidel Castro aderiram à barba. Dom Pedro II também. Plínio Salgado aderiu ao bigode. Barba aparada e uma leve calva denunciam os alkminianos. Está na cara. Aqui só há direita ou esquerda.

Entre maragatos e chimangos também não havia terceira opção. Eram uns ou outros. Soube do caso de um funcionário de uma empresa gaúcha, na filial de Salvador, que resolveu promover uma festa à gaúcha utilizando uma pilcha completa em cor alternativa. Talvez na tentativa de unir maragatos – lenço vermelho – com chimangos – lenço branco -, resolveu ir de lenço cor-de-rosa. Cor que não ficou restrita ao lenço, espraiada por toda a pilcha. Bem, nem toda, usou esporas douradas. Causou furor, principalmente quando os colegas da matriz viram as fotos naquele 20 de setembro do qual nunca se esquecerão.
A Sociologia explica as múltiplas faces que devemos assumir para viver em sociedade. Aqui bastam apenas duas. Estou pensando em raspar meia barba e meio bigode.

E-mail: prheuser@gmail.com