O Profeta e o Harmônio
O Profeta e o Harmônio
Por Paulo Heuser
Gênesis, Êxodo, Levítico, ..., Jó, Salmos, ..., Ageu, Zacarias e Malaquias. Ufa! Lembro da ordem de quase todos os 36 livros do Velho Testamento, até hoje. Sempre me esqueço do Sofonias. Por vezes, me lembro do Obadias, mas do Sofonias, nunca. O ato de decorar a ordem dos livros do Velho Testamento da Bíblia não foi exatamente um ato de extrema religiosidade. Deveu-se, na verdade, à peraltice praticada enquanto cursava o Ensino Confirmatório, na Igreja Luterana. Em um mês de junho, enquanto aguardávamos a chegada do pastor, estouramos alguns rojões defronte à igreja, comemorando inconscientemente a efeméride do apóstolo João, este do Novo Testamento. Não chegamos a conhecer a ira do Senhor, mas a ira do pastor caiu impiedosamente sobre nós. O castigo imposto foi decorar a ordem de todos os livros do velho testamento, incluindo o sempre esquecido Sofonias.
O pastor era um sujeito que realmente impressionava. Ninguém dormia durante suas preleções, nem após. Severo, com grossas sobrancelhas, óculos de lentes grossas, voz firme e retumbante, realizava sermões que davam o sentido exato à palavra.
No local do curso, havia um instrumento musical curiosíssimo, chamado harmônio. Para quem nunca viu, ou seja, todo mundo, um harmônio é um instrumento semelhante ao órgão de tubos, só que não há tubos. Agora ficou claro, não é? No harmônio há teclado, como em um piano ou órgão, que aciona um sistema de palhetas e fole, produzindo o som. Para ajudar, há diversas chaves com legendas em alemão gótico. Na base há um grupo de pedais, sendo que um destes faz a função de bomba de ar.
O harmônio exercia uma atração irresistível sobre os alunos. Por quê? Creio que era porque não saía som algum dali. Enquanto o temido pastor não chegava, ficávamos tentando tirar qualquer som que fosse. Nada, o máximo que saía era um pfffffff... Até o dia em que alguém resolveu pedalar enquanto tentava. Eis que o harmônio criou vida, emitindo uma série de notas musicais. Um som alto e rico. Alto demais para aquele momento em que o pastor começava a se dirigir à casa paroquial, local do curso. Por alguma razão que até hoje desconheço, aquela estranha máquina continuava tocando sozinha, sempre a mesma nota, quando abandonada, lembrando uma solitária oitava trombeta do Apocalipse. O segredo da nossa salvação, de mais algum castigo, estava naquelas chaves com inscrições em gótico. A salvação chegou no momento exato. Alguém foi até o harmônio e mexeu em todas as chaves do painel, conseguindo transformar o terrível toar em um novo pfffffff..., logo desvanecido. No momento exato em que o pastor adentrou o local.
Há um profeta do Velho Testamento que está na moda. É um dos denominados Pequenos Profetas, vizinho de Bíblia de Miquéias e Habacuque. Vira e mexe, recebo alguma coisa pelo e-mail, referente ao profeta Naum, enviado por Deus (o profeta, não o e-mail) para prever a destruição de Nínive, capital da Assíria. Estranho apenas é o fato de que o nome de Naum esteja sendo invocado pelos jovens, em textos que aparentemente nada têm a ver com o Velho Testamento.
Ontem ainda, vi um texto contendo a frase: " Eu tbm naum sabia q tinha aquela enquete pra votar..." (Sic). Fará parte de uma nova profecia, escrita em alguma flor perdida e extremamente inculta do Lácio?
E-mail: prheuser@gmail.com
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