sexta-feira, agosto 15, 2008

Alemã se reencontra com marido norte-coreano depois de 47 anos

Alemã se reencontra com marido norte-coreano depois de 47 anos

Choe Sang-Hun
Em Seul

Entre as expressões coreanas escritas a mão que ela tinha anotado em um caderno, Renate Hong havia repetido uma determinada frase inúmeras vezes no último meio século: "Dasi bopsida" ou "Vamos nos reencontrar".

É uma expressão comum na Coréia. Mas para Renate, uma avó alemã de 71 anos, expressava um desejo nunca satisfeito até 25 de julho, quando ela reencontrou o homem norte-coreano com quem se casou, mas que tinha visto pela última vez 47 anos atrás.

"Ele me perguntou por que eu demorei tanto para ir ao seu encontro", disse Renate em uma entrevista através de um tradutor, descrevendo sua reunião com Hong Ok Geun, 74.

Renate voltou à Alemanha na terça-feira (5) depois de um encontro de 12 dias com seu marido na Coréia do Norte - um episódio altamente incomum diante da política do governo comunista de proibir que a maioria da população tenha ligações por correio ou telefone com o resto do mundo, para não falar na Internet.

Viajaram com Renate seus dois filhos. Peter Hyon Zol tinha dez meses e Renate estava grávida de Uwe quando a família se separou no turbilhão da Guerra Fria.

Renate Kleinle e Hong Ok Geun se conheceram em 1955, quando freqüentaram o mesmo curso de química na Universidade Friedrich Schiller em Jena, então Alemanha Oriental. Hong era um bem-humorado estudante de intercâmbio da Coréia do Norte, na época aliada da Alemanha Oriental comunista.

Os dois se apaixonaram. Como seus governos não aprovavam os casamentos entre estudantes norte-coreanos e alemães-orientais, eles se casaram em 1960 em uma cidade rural cujas autoridades locais não conheciam a política do governo nacional. Não houve convidados.

Mas a felicidade do casal durou apenas um ano. Em 1961, o governo de Pyongyang repatriou 350 de seus estudantes da Alemanha Oriental, uma medida que teria sido causada pela deserção de alguns estudantes coreanos para o Ocidente. Hong teve 48 horas para fazer as malas.

Segurando no colo Peter, de dez meses, Renate se despediu em lágrimas de Hong na estação ferroviária de Jena.

Sua única comunicação era por carta. Mas até isso parou. Na última carta que ele enviou da Coréia do Norte, datada de 26 de fevereiro de 1963, Hong perguntava se Uwe, o filho que ele não conhecia, já sabia andar. Depois disso as cartas de Renate foram devolvidas como "destinatário não encontrado". Seus apelos à embaixada da Coréia do Norte para se reunir com o marido foram rejeitados.

Renate nunca se casou de novo.

Quando sua trágica história de amor chegou à Coréia do Sul, no ano passado, fez eco com muitas outras nessa península dividida, onde milhares de pessoas idosas anseiam há muito por reencontrar seus cônjuges no norte antes de morrer.

Renate visitou a Coréia do Sul no ano passado em uma viagem promovida pelo jornal local "JoongAng Ilbo".

Enquanto isso, ela pediu ajuda ao governo alemão e à Cruz Vermelha na Alemanha e na Coréia do Sul. No início do ano passado a Cruz Vermelha alemã descobriu que Hong Ok Geun era um cientista do governo aposentado que vivia com sua nova família em uma cidade na costa leste da Coréia do Norte.

Com a ajuda do governo alemão, Renate mandou uma carta para Hong em março do ano passado. Quatro meses depois, no aniversário dela, em 27 de julho, chegou a resposta de Hong - a primeira notícia dele em 46 anos, com fotos incluídas.

"Nosso amor internacional nos causou muito sofrimento", escreveu Hong no alemão manuscrito que Renate reconheceu. "Eu queria muito ver você e meus filhos. Nunca abandonei a esperança de que, se eu vivesse bastante, um dia poderia vê-la de novo. Eu queria que você fosse minha parceira para toda a vida", ele escreveu. "Mas a política faz coisas idiotas."

Seguindo fielmente a linha do Partido Comunista, Hong acrescentou que ele e outros norte-coreanos sofriam dificuldades econômicas por causa da política americana de "sufocar" seu país.

Ao viajar, Renate levou para Hong livros, roupas, vitaminas e uma câmera.

Seu marido lhe deu um anel e uma camisa. Eles puderam se encontrar todos os dias enquanto ela esteve em Pyongyang - e até passaram uma noite em um resort na montanha, mas se hospedaram em lugares diferentes.

"Como ele não teve a oportunidade de falar alemão durante 47 anos, no início achou difícil me compreender. Mas rapidamente recuperou sua habilidade com a língua", disse Renate. "Hoje ele está velho, mas não vi mudanças em suas maneiras e em seu modo de falar. Tivemos momentos privados só entre nós dois."

Hong teve uma filha e dois filhos com sua mulher norte-coreana. A filha participou da reunião. A mulher de Hong queria conhecer Renate, mas não pôde ir ao encontro por causa de uma doença, disseram a Renate.

Quando o casal se separou, Hong disse que queria vê-la novamente no ano que vem, mas não ficou claro se a Coréia do Norte permitirá um segundo encontro.

Por enquanto, disse Renate, seu antigo sonho se realizou: encontrar seu marido e deixar que seus dois filhos conhecessem o pai. Ela levou álbuns de fotos dos filhos para que o marido pudesse recuperar os muitos anos de vida que tinha perdido.

"Meu marido disse que sentia muito ter deixado tudo para mim e me agradeceu por criar as duas crianças", ela disse. "Ele afirmou que me conhecer foi a grande honra de sua vida."

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Texto do The International Herald Tribune, publicado no UOL.


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