"Saber não formal"
Governo quer certificar "saber não formal"
Trabalhadores que nunca frequentaram cursos de formação poderão receber diploma mediante exame
DENISE MENCHEN
DA SUCURSAL DO RIO
Joel da Cunha Ferreira, 28, mal tinha aprendido a ler e escrever quando trocou os cadernos por tijolos e a mochila por sacos de cimento. Hoje, ganha a vida como pedreiro, ladrilheiro, pintor e encanador. Mas, a partir de junho, poderá ver tudo o que aprendeu longe das salas de aula reconhecido pelo Ministério da Educação.
Em gestação na pasta, o programa nacional de formação e certificação pretende transformar os institutos federais de educação, ciência e tecnologia, antes conhecidos como escolas técnicas, em "centros certificadores de saberes não formais".
"O trabalhador poderá procurar uma instituição da rede para fazer exames de avaliação de competências. Se aprovado, vai receber um certificado que valida aqueles conhecimentos construídos fora da escola", diz o superintendente de assuntos institucionais da Setec (Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica), Luiz Caldas.
Segundo ele, o programa aumentará também a oferta de cursos de formação inicial para os trabalhadores, integrando o ensino fundamental com o aprendizado técnico em áreas como construção civil, metal-mecânica, gastronomia e turismo, entre outros. Quatro institutos federais, de São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Norte e Mato Grosso, já deram início ao projeto piloto, firmando parcerias com as prefeituras das cidades participantes, que ajudaram na seleção dos primeiros alunos e, em alguns casos, até cederam as salas onde os cursos são ministrados.
A experiência servirá como base para a definição das diretrizes nacionais do programa. Caldas diz que o objetivo é obter a adesão do maior número possível de unidades da rede de educação técnica nacional. "Vamos começar em junho com algumas unidades e esse número vai crescer com o tempo", explica. "Nossa ideia é ter um programa expressivo e aproveitar da melhor forma o potencial da rede, que está em expansão e terá pelo menos 354 unidades até o fim de 2010."
Apesar disso, o superintendente prevê que será necessário estabelecer um critério de seleção para o programa, que será oferecido gratuitamente. "Sabemos que a demanda será maior que a oferta e por isso estamos definindo uma forma transparente de seleção", diz.
Ele ressalta ainda que a formatação dos cursos e dos exames de avaliação levará em conta as necessidades e as exigências do mercado. Segundo ele, entidades representativas dos diferentes setores serão chamadas a opinar sobre o projeto. "Queremos dar legitimidade ao processo", afirma.
Para Caldas, a medida facilitará a inclusão social de pessoas que hoje são alijadas do mercado formal de trabalho. "Há uma série de setores mais estruturados a que o trabalhador simplesmente não tem acesso."
No caso da construção civil, por exemplo, são poucos os pedreiros como Ferreira, que sempre trabalhou em casas de família, que conseguem deixar a informalidade. Sem nada que comprove seus conhecimentos na área, eles precisam contar com a sorte para ter a primeira experiência registrada em carteira - o que, quando não ocorre, acaba praticamente inviabilizando o ingresso nas grandes empresas do setor.
"Nas empresas de construção, a contratação da mão-de-obra operacional é toda feita em cima da carteira profissional", diz o vice-presidente de relação capital e trabalho do Sinduscon-SP (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo), Haruo Ishikawa, ele próprio dono de uma empresa de engenharia. "Ninguém costuma fazer teste com o trabalhador."
Situação parecida ocorre no setor de panificação, outro que deve ser atendido pelo programa do MEC. Segundo o secretário-geral do Sindicato dos Padeiros de São Paulo, Valter da Silva Rocha, é comum o trabalhador passar por outras funções, como caixa e balconista, antes de chegar aos fornos como ajudante de padeiro.
Muitas vezes, porém, a mudança de cargo não é registrada na carteira de trabalho, o que dificulta a comprovação da experiência quando o trabalhador procura outra oportunidade de emprego. "Sem curso e sem registro, a pessoa tem que achar alguém que dê uma chance para ela", diz Rocha.
Os dois sindicalistas consideram positiva a iniciativa, mas ressaltam que o número de beneficiados tem que ser significativo para haver impacto.
Notícia da Folha de São Paulo, de 11 de maio de 2009.
Marcadores: Brasil, educação, Governo Lula
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