Judeus convertidos do Peru fazem êxodo para Israel
Judeus convertidos do Peru fazem êxodo para Israel
Simom Romero
Em Iquitos (Peru)
Se algum dia Ronald Reategui Levy tornar-se o último judeu de Iquitos, isso poderá ser culpa dele próprio.
O sonho que ele procurou vigorosamente concretizar era persuadir os descendentes de mercadores sefardins que instalaram-se nesta região remota da Amazônia peruana há mais de um século a reafirmarem os seus vínculos com o judaísmo e emigrarem para Israel.
"Este lugar está ficando muito solitário", afirma Reategui Levy, 52, que é inspetor da companhia nacional de petróleo do Peru, referindo-se aos mais de 400 descendentes de pioneiros judeus que converteram-se formalmente ao judaísmo nesta década, incluindo 160 membros da sua família. Atualmente quase todos eles moram em Israel.
Até recentemente, um tal renascimento do judaísmo parecia algo improvável. A história dos judeus de Iquitos, que remonta ao boom da borracha do século 19 que transformou esta distante localidade amazônica em uma cidade que já foi próspera - famosa pelo mármore importado e por um teatro projetado por Gustave Eiffel - acabou quase esquecida.
Mas Reategui Levy e alguns outros indivíduos passaram a organizar os descendentes de dezenas de judeus oriundos de locais tão diversos como Marrocos, Gibraltar, Malta, Inglaterra e França, que instalaram-se aqui nas profundezas da selva, abrindo casas comerciais e seguindo a sorte em busca de riquezas e aventuras.
O comércio da borracha entrou em colapso, e as fortunas daqui e da cidade brasileira de Manaus, a jusante do rio, desapareceram. Alguns imigrantes judeus morreram novos, sucumbindo devido a doenças como a cólera. Alguns ficaram, casaram-se com mulheres da região e constituíram família. Outros voltaram para os locais de origem, deixando atrás descendentes que apegaram-se a uma crença de que eram judeus.
"Fiquei surpreso ao descobrir que em Iquitos havia esse grupo de pessoas desesperadas por restabelecerem contato com as suas raízes e com o mundo judaico mais amplo", diz Lorry Salcedo Mitrani, diretor de um novo documentário, "The Fire Within" ("O Fogo Interior"), sobre os judeus da Amazônia peruana.
Os estudiosos comparam os judeus daqui com grupos como os cripto-judeus hispânicos do sudoeste dos Estados Unidos e do norte do México, os lembas do sul da África ou os bene israels da Índia, que de várias maneiras procuraram retomar a sua identidade judaica que parecia ter ficado enfraquecida com o passar do tempo.
"Nós ficamos isolados durante muitas décadas, vivendo nas bordas da selva em uma sociedade católica sem rabinos nem sinagogas, na qual tudo o que tínhamos eram algumas ideias vagas sobre o que significava ser judeu", explica Reategui Levy. "Mas quando eu era criança, a minha mãe me disse algo que ficou queimando para sempre na minha mente: 'Você é judeu, e jamais esquecerá isso'".
Iquitos fica quatro graus de latitude ao sul da linha do Equador, e o acesso à cidade só é possível por barco ou avião. O isolamento, os casamentos mistos e a assimilação quase acabaram com todos os vestígios do judaísmo aqui. Fachadas de lojas com nomes judeus gravados em pedra como Foinquinos e Cohen, e um cemitério depredado por vândalos são alguns dos poucos sinais da comunidade que no passado prosperou aqui.
Mas no final da década de 1990, alguns desses descendentes, incluindo Reategui Levy, foram reunidos por Victor Edery, uma figura patriarcal que organizava cerimônias religiosas na sua própria casa, mantendo alguns costumes vivos, mesmo que isso fosse feito com a mistura de crenças judaicas e cristãs.
Entretanto, a existência dos judeus de Iquitos representou certos desafios filosóficos para alguns judeus de outras regiões. Como quase todos os judeus que estabeleceram-se originalmente aqui eram homens, os seus descendentes não podiam comprovar que tinham mães judias, um fato que os descartava como judeus segundo às interpretações estritas da lei judaica.
Além do mais, segundo alguns estudiosos, a comunidade judaica de cerca de 3.000 pessoas em Lima, a capital do Equador, preferiu ignorar os judeus de Iquitos, em parte devido às questões delicadas que os judeus daqui representavam no que diz respeito a raça e origens. Afinal, este é um país no qual uma pequena elite de pela clara ainda conta com um considerável poder econômico e político - e os judeus de Lima são muitas vezes vistos como uma elite dentro de uma elite.
"A ideia de um judeu que tem fisionomia indígena e que mora em uma casa pobre em uma cidade pequena no meio da selva é, na melhor das hipóteses, uma nota exótica de rodapé na história oficial dos judeus do Peru, da forma como essa história é vista em Lima", afirma Ariel Segal, um historiador israelense nascido na Venezuela, cuja chegada aqui na década de 1990 para estudar a comunidade foi um dos catalisadores que contribuiu para que os judeus de Iquitos se organizassem.
No início desta década, os judeus daqui estavam se reunindo para observar o sabá a cada sexta-feira e durante os dias sagrados na casa do patriarca, Edery. Depois que este morreu, eles passaram a reunir-se na Rua Próspero, na casa de Jorge Abramovitz, 60, cujo pai, um judeu polonês, mudou-se para cá bem depois do colapso do ciclo da borracha.
Embora não contassem com um rabino, eles realizavam os cultos em hebraico que aprenderam com fitas cassete. Eles limparam o cemitério e começaram a enterrar novamente os seus mortos lá. Eles persistiram na sua campanha para serem reconhecidos como judeus e receberem permissão para emigrar para Israel.
Finalmente, eles persuadiram Guillermo Bronstein, o principal rabino da maior sinagoga asquenaze de Lima, a supervisionar duas grandes iniciativas de conversão, abrindo desta forma o caminho para que centenas de indivíduos se mudassem para Israel. O êxodo incluiu quase todo o clã Levy, formado pelos descendentes de Joseph Levy, um aventureiro que estabeleceu-se aqui no século 19.
Reategui Levy, o inspetor de campos petrolíferos, mudou em 2005 com a mulher e seis filhos para Ramla, uma cidade poeirenta no sudeste de Tel Aviv. Mas, apesar de ter sonhado com a mudança durante décadas, ele diz que enfrentou problemas para adaptar-se à vida israelense.
Levy conta que passou a sentir saudade da casa com pés de cacau e de maracujá, bem como do status conferido pelo cargo de gerente da PetroPeru. Ele murmura algo, em uma voz que mal pode ser ouvida devido ao barulho das motocicletas da cidade, a respeito da perda da "chama do amor" com a sua mulher.
Portanto, ao contrário de quase todos os moradores de Iquitos que mudaram-se para Israel, Reategui Levy acabou retornando ao Peru, sozinho.
Ele ainda participa do sabá na casa de Abramovitz todas as semanas, juntamente com os cerca de 40 outros indivíduos que sonham em converter-se formalmente e mudar-se para Israel. Embora o número dessas pessoas tenha diminuído, ele as encoraja e conta-lhes histórias sobre a terra fértil das Colinas de Golã e a coragem do filho mais velho, Uri, que está no exército israelense.
Mas algo mantém Reategui Levy aqui em Iquitos, a mesma cidade decadente da selva que atraiu o seu tataravô de Tangier tantas décadas atrás. "A minha família, o meu coração e a minha alma, tudo o que prezo está em Israel", diz ele. "Talvez haja um motivo para eu ter voltado para cá".
Tradução: UOL
Texto do The New York Times, republicado no UOL.
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