segunda-feira, agosto 09, 2010

O mito da ciência infalível

O mito da ciência infalível

Por meio da ciência, descobrimos não apenas o que não sabíamos, mas o que pensávamos saber, porém desconhecíamos. Algo que durante muito tempo pode ter sido aceito como verdade autoevidente -que a Terra é plana, por exemplo- pode ser exposto como mito.
O que é fácil deixar de levar em conta é que mesmo a ciência nem sempre sabe o que pensa saber. O mito, sob a forma de especulações teóricas, é a argamassa que aglutina muitos dos tijolos das descobertas científicas.
Ou, poderíamos dizer, é a matéria escura que aglutina o universo do conhecimento científico.
É claro que a própria matéria escura constitui um exemplo de "mito" científico. Embora sua existência ainda seja apenas especulada, cada vez mais ela é dada como algo factual.
Mas existe outro mito que se faz passar por fato há tanto tempo e tão bem que a maioria de nós nem sequer pensaria em questioná-lo: a gravidade. Quem pensaria que há dúvidas em relação a algo que parece ser confirmado simplesmente pegando-se uma maçã na mão e deixando-a cair?
Mas, como informou o "New York Times", um respeitado físico holandês declarou que a gravidade é uma ilusão. "A gravidade não existe", disse Erik Verlinde.
É claro que não há dúvida de que os objetos na Terra caem e que ganham velocidade ao longo de sua queda. Mas uma força chamada gravidade não é necessariamente a melhor explicação disso. A explicação oferecida por Verlinde é demasiado complexa até mesmo para outros físicos. Mas ele não é o primeiro a atacar a credibilidade de Newton. Stephen Hawking já tentou fazê-lo e, antes dele, Einstein.
Menos surpreendentes, talvez, sejam os ataques lançados contra a teoria da evolução. Contudo, excetuando setores conservadores que defendem o desígnio inteligente, geralmente se presume que a ideia original de Darwin tenha sido plenamente confirmada.
Uma das demonstrações mais curiosas dessa ideia é a forma surpreendente pela qual certas espécies imitam a forma e coloração de outras. O "Times" noticiou um exemplo disso entre lagartas e crisálidas na Costa Rica.
Mas essa imitação aparentemente mágica se coaduna mal com a ideia de que teria sido produzida, conforme Darwin propôs, por uma série demorada de mutações aleatórias e pequenas que, por mero acaso, auxiliaram a propagação dessas espécies.
O verdadeiro mecanismo que a desencadeou, e como ele se ajusta e aperfeiçoa a imitação, ainda é algo que a ciência pode aparentar saber, mas que, na realidade, ela desconhece.
O fato de a ciência desconhecer uma coisa particular pode causar perplexidade. Quem diria que cientistas não sabem realmente como as aves pequenas migram, como percorrem distâncias tão grandes e a frequência com que precisam parar? Segundo o "Times", pesquisadores que empregaram novas tecnologias para rastrear aves se espantaram ao descobrir que, como a maioria de nós, muitas delas preferem fazer voos sem escalas.
Evidentemente, os cientistas são positivistas. Não gostam de chamar a atenção à "matéria negativa" feita da imensidão das brechas em seu conhecimento. E isso nos permite viver como se a ciência iluminasse nosso caminho mais do que de fato ilumina.
Talvez seja hora de algum Carl Sagan da ignorância científica apresentar-se com um livro sobre o tema dos bilhões e bilhões de coisas que a ciência, surpreendentemente, ainda desconhece.
Seria um projeto que poderia terminar com algo que até mesmo os cientistas concordam que dificilmente chegarão a saber algum dia: o porquê de existir algo em lugar de nada e, é claro, a finalidade ou o significado de tudo isso.
CARLOS CUNHA

Do The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo, de 2 de agosto de 2010.


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