terça-feira, janeiro 06, 2009

Américo


Ele me encontrou na papelaria, onde eu havia ido em busca de alguma bugiganga sempre necessária. Chamou-me, e quando o olhei, o reconheci. Estava mais magro, barba de umas duas semanas, o mesmo sorriso aberto e franco.

Eu havia trabalhado pouco mais de dois anos com ele, numa empresa de previdência privada e seguro-saúde, há uns 20 anos atrás. Era um bom colega. Sempre rindo, sempre fazendo piadas. Foi um bom tempo de convivência. Em um dos periódicos momentos de redução de custos, eu acabei demitido da empresa. Ele permaneceu mais algum tempo.

Mais alguns anos, e o encontrei como porteiro de um cinema dos tantos que já fecharam suas portas. Após o fim do cinema, eu nunca mais soubera dele. Até este dia na papelaria.

Ele me disse que eu “estava bem”, e aí eu me lembrei de algumas palavras do finado Paulo Autran, quando foi entrevistado no Programa do Jô. Autran dissera que ele era desconfiado das pessoas que diziam que ele “estava bem”, pois, em geral, significava que talvez aquela pessoa achasse que ele estava melhor do que deveria estar. Pois ele me disse que eu “estava bem”. Não posso precisar se ele queria dizer que eu estava mesmo “conservado”, ou, talvez, gordo.

Eu disse a ele que continuava trabalhando na mesma empresa desde vinte anos atrás. E ele me disse que estava aposentado. “Aposentado?” “Pois é, aposentado.” Tivera dois AVC's – acidente vascular cerebral, também conhecido como derrame. A doença o incapacitara para o trabalho, e sua memória recente estava prejudicada, uma sequela da doença. Quando perguntei se ele tinha celular, ele me respondeu que sim, mas que não lembrava o seu prórpio número, e este número precisava estar anotado no próprio corpo do aparelho, para o caso de uma necessidade.

Meu amigo tem cerca de dois ou três anos mais que eu, pelas minhas contas. Como não sofri com nenhuma doença incapacitante, realmente, acho que “estou bem”.

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