terça-feira, março 31, 2009

A cruzada conservadora de "Dom Dedé", arcebispo de Recife Le Monde

A cruzada conservadora de "Dom Dedé", arcebispo de Recife

Jean-Pierre Langellier
No Rio de Janeiro

É uma garotinha do Brasil. Para protegê-la, a justiça proíbe que se divulgue sua identidade. Vamos chamá-la de V. "V" de vítima. "V" de violentada. Ela tem 9 anos, mas mal parece ter essa idade: 33 kg para 1,36 m. É o que mostra a única foto que se tem dela, com o rosto censurado, pequena e franzina, segurando a mão de sua mãe. É uma criança do Nordeste. Ela vive em Alagoinha, perto de Recife, a capital do Estado do Pernambuco.

No final de fevereiro, V. começou a se queixar de dores no ventre, de tonturas e de enjoos. Sua mãe a levou a um médico. Seu diagnóstico foi assustador: a menina estava grávida de 15 semanas, esperando gêmeos. Um fato raríssimo.

O padrasto de V, de 23 anos, trabalhador agrícola, confessou seu crime à polícia. Ele abusava havia três anos da menina e de sua irmã mais velha, de 14 anos com deficiência. Ele pode ser condenado a 15 anos de prisão. V. contou seu drama.

O homem se aproveitava da ausência de sua companheira para estuprar a garota. Ele a ameaçava: "Se você contar, mato sua mãe". De vez em quando ele lhe dava uma moeda de um real.

No Brasil, a interrupção voluntária de gravidez (IVG) continua sendo proibida, exceto em caso de estupro ou de risco para a vida da mãe. Essa dupla exceção se aplica a V. No hospital público de Recife, o dr. Sérgio Cabral recomendou que fosse feito um aborto imediato. A interrupção foi bem-sucedida.

"A criança estava anêmica, certamente desnutrida", explica o médico. "Seus órgãos mal estavam formados. Era preciso agir rapidamente. Esperar demais a faria correr um risco de morte".

Esperar? É justamente o que queria o pai biológico de V., separado de sua mulher havia três anos. Ao saber da situação de sua filha alguns dias antes do aborto, ele procurou a justiça. Avisado sobre o caso, entrou em cena um personagem importante: Dom José Cardoso Sobrinho, conhecido como "Dom Dedé", arcebispo de Olinda e de Recife. O monsenhor foi pessoalmente ao tribunal para se certificar, junto de seu presidente, que a intervenção não seria autorizada. Armado do direito canônico e brandindo o mandamento da Igreja ("Não matarás"), ele dispara: "O Brasil tem leis sobre o divórcio ou o aborto que vão contra a lei de Deus. Esta é superior à lei dos homens".

Uma vez interrompida a gravidez, o prelado excomungou a mãe de V. e toda a equipe médica. As vítimas desse castigo coletivo não poderão mais receber os sacramentos da Igreja. Só a menina e seu estuprador escapam da fúria de Dom Dedé. Ela, por ser menor de idade; ele, porque a jurisprudência católica não previu nada para puni-lo. "Ele cometeu um pecado muito grave", admite o arcebispo. "Mas, aos olhos de Deus, o aborto é um crime ainda mais grave".

Uma causa sagrada

As feministas se mobilizaram. Uma ONG católica, favorável ao "direito de escolha", condenou a atitude "intolerante" e "cruel" do arcebispo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, se manifestando como "cristão", lamentou que "um arcebispo tenha um comportamento tão conservador". Segundo ele, "o corpo médico agiu mais corretamente do que a Igreja". Dom Dedé lhe aconselhou, em resposta, que "consultasse um teólogo".

Para a Igreja do Brasil, o maior país católico do mundo, a rejeição ao aborto é uma causa sagrada. Ela conduz uma cruzada contra a descriminalização da IVG, desejada pelo ministério da Saúde. Dom Dedé está na linha de frente. Conservador, e orgulhoso de sê-lo, sucedeu em 1985, em Olinda e no Recife, Dom Hélder Câmara, figura de proa da "teologia da liberação", morto em 1999, e ao qual ele é contrário. Desde então ele não parou de liquidar a herança eclesiástica de seu antecessor, julgado em Roma como perigosamente progressista, um "pequeno bispo vermelho". Fazendo uma comparação com o genocídio hitlerista, ele gosta de classificar o aborto como um "holocausto silencioso", diante do qual "não podemos ficar de braços cruzados". Mais uma vez o Vaticano o apoia, ressaltando que os dois fetos "inocentes tinham o direito de viver".

Mais de 1 milhão de abortos clandestinos são realizados todos os anos no Brasil.

Tradução: Lana Lim

Texto do Le Monde no UOL.


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