terça-feira, março 03, 2009

Tropa de Elite, osso duro de roer...

Tropa de Elite, osso duro de roer...


Neste final de semana (28/02/2009), o filme Tropa de Elite, do diretor José Padilha passou na TV a cabo, e eu finalmente pude assistí-lo.


Posso dizer duas coisas sobre os maiores assuntos que este filme gerou na época em que foi exibido nos cinemas, ou que era vendido aos milhares por vias de distribuição alternativa, no comércio ambulante. Em primeiro lugar, o filme se apresenta como bom cinema, isto é, é uma história relativamente bem contada, que prende a atenção do espectador, e ainda faz pensar ao final. Eu pelo menos me senti impelido a pensar em algo sobre o filme.


Em segundo lugar, não achei que o filme fosse de inspiração fascista, ou, pior, pudesse levar o espectador a pensar em termos de fascismo. Claro que é difícil definir o que seria fascismo, mas em termos gerais, podemos pensar em eliminação da marginalidade social, o que em algum momento se diz vulgarmente como “bandido bom é bandido morto”; e também, a sociedade deve andar em ordem unida, e a diferença é vista com suspeita, quando não eliminada também fisicamente. Cada um deve saber o seu lugar na sociedade, para melhor serví-la, sem lugar para questionamentos. Não vi isso no filme.


Por outro lado, não é um filme fácil de assistir. Há violência pesada mostrada na tela, bem como consumo de drogas ilícitas, e cenas de corrupção explícita, autêntica obscenidade.


Dito isto, há algumas considerações a serem feitas. O filme é uma obra de ficção, e dentro deste prisma deve ser um pouco relativizado. Consta que o filme teria alguma inspiração no livro Elite da Tropa, organizado pelo sociólogo Luiz Eduardo Soares, que é um dos especialistas em segurança pública no Brasil, juntamente com dois ex-oficiais da polícia militar do Rio de Janeiro. Esta inspiração é algo a conferir.


Como foi dito pelo comentarista de cinema do jornal Folha de São Paulo, Inácio Araújo, no dia 1o. de março, o capitão Nascimento, protagonista do filme, é uma ruína ambulante. A polícia ao seu redor está arruinada pela corrupção, e a constante exposição do policial à tal “guerra do tráfico” no Rio de Janeiro cobra seu preço nos distúrbios psicossomáticos do capitão, e na desarmonia de sua vida familiar.


E não é que o capitão seja um fascista. Não. Ele pondera, quando lhe dão uma missão de patrulhar determinada região do Rio de Janeiro, que a atuação do Batalhão do Operações Especiais ali vai gerar mortes. Seu oficial superior não aceita a ponderação, e, de fato mortes acontecem. Como diz o capitão, ele precisa não pensar muito, não deve pensar, porque pensar pode levá-lo a vacilar, e isso pode ser problemático durante uma operação do BOPE.


E aí entra o aspecto que mais me impressionou no filme. Volto a afirmar aqui que, como obra de ficção, o filme precisa ser relativizado. Eu de fato não sei como opera o verdadeiro Batalhão de Operações Especiais no Rio de Janeiro. Mas o BOPE mostrado no filme não age como uma força policial, mas como um comando especial militar, atacando um território estrangeiro.


Para mim, ficaram evidentes os paralelos da atuação do BOPE em favelas do Rio de Janeiro, com a atuação de Marines, Força Delta, Boinas Verdes, e outros que tais, no filme Falcão Negro em Perigo (“Black Hawk Down”, de Ridley Scott, 2001). A entrada do BOPE nas favelas é sorrateira, eventuais sentinelas do tráfico são rapidamente eliminadas (“atire, e depois, talvez, pergunte”), a tortura é prática comum como meio de obter informações importantes (e em determinada cena a tortura se mostra inútil, pois não adianta torturar alguém ligado ao traficante, o “inimigo a ser eliminado” no caso, se este alguém não sabe de fato o paradeiro do traficante), e, eventualmente, um preso dominado é simplesmente executado. Isto não é atuação de força policial. Polícia prende, e deixa que a justiça leve o preso a julgamento, e não mata extrajudicialmente. Quem faz eliminação física de inimigos é força militar. E eventualmente mesmo esta ainda é capaz de fazer prisioneiros em tempo de guerra.


Se é verdadeiro o “modus operandi” do BOPE tal qual mostrado no filme, ele se explica em parte pela desordem social e política que acontece no Rio de Janeiro, pela corrupção da “polícia comum” (como a chama o capitão Nascimento), que aliás é um caso a parte, totalmente corrompida segundo o que mostra o filme, algo difícil de acreditar totalmente; pela inoperância do Poder Judiciário, e, por fim, pela certeza de impunidade por parte dos “membros da Tropa”. Afinal se eles matam, torturam e executam com certa naturalidade, é porque sabem que não serão incomodados por qualquer autoridade que pudesse cobrar responsabilidade pelos atos do BOPE.


Há ainda outros aspectos sobre os quais o filme fala, como sobre o papel do usuário de drogas ilícitas, a atuação de certa classe média... Mas isso fica melhor para quem quiser comentar estes aspectos do filme. Pessoalmente eu achei esta abordagem meio estereotipada. Mas valem outros julgamentos.


Ah sim. E ainda temos a pegajosa trilha sonora do Tijuana para acompanhar a fita.


Como eu disse, achei um bom filme. Bom cinema. Mesmo que não seja de muito fácil digestão.


Marcadores: , , , ,