terça-feira, julho 21, 2009

VJ's de Mianmar

Enfrentando um regime, só com câmeras

Cineastas de guerrilha filmam ida de monges às ruas birmanesas

Por JOHN ANDERSON

TORONTO — “VJs de Mianmar – Notícias de um País Fechado” narra o trabalho de um jornalista birmanês e de sua equipe de cinegrafistas “guerrilheiros” durante a chamada Revolução Açafrão, em 2007, na qual monges budistas participaram de protestos nas ruas contra a ditadura militar de Mianmar (ex-Birmânia).
Conectados por celulares e e-mail, gravando clandestinamente com minicâmeras e contrabandeando as imagens para fora do país por meio de portadores, da internet e de conexões por satélite, os correspondentes da Voz Democrática da Birmânia (canal de TV com sede em Oslo) não só expuseram o caráter totalitário das autoridades birmanesas, como também revelaram o futuro da reportagem de guerra. No festival Hot Docs de Toronto, no começo de maio, o jornalista birmanês apareceu de chapéu, enormes óculos escuros e xale, quase sem olhar para frente e sem posar para fotos.
Esse jornalista de 27 anos, franzino e desgrenhado, atualmente vive na Tailândia, em grande parte porque acha que não suportaria ficar calado sob tortura caso fosse para Mianmar, onde é considerado um inimigo público pela junta militar.
“VJs de Mianmar”, dirigido pelo dinamarquês Anders Ostergaard, também foi adotado pela atual presidência tcheca da União Europeia em sua campanha por direitos humanos. “Veja você: eu ia fazer um retrato de 30 minutos do Joshua [o pseudônimo do jornalista], e então todo tipo de coisa aconteceu”, contou Ostergaard.
O que aconteceu foi a rebelião quase espontânea de meados de 2007, incitada pela duplicação do preço da gasolina, pela prisão da ativista Su Su Nway e pela frustração generalizada da população.
Para Ostergaard, foi uma coincidência. Ele tinha sido procurado por sua produtora, Lise Lens-Moller, para fazer um filme sobre Mianmar e foi colocado em contato com jornalistas da Voz Democrática da Birmânia em Bancoc, onde eles recebiam treinamento. Aí os fatos viraram seus planos de ponta-cabeça.
Conforme explica uma legenda na abertura, “VJs de Mianmar” contém certas encenações que interligam as sequências das ruas, todas reais, que mostram monges, passeatas, agressões policiais e o assassinato à queima-roupa de um jornalista japonês. Embora dramaticamente eficaz, tal técnica horroriza os puristas do documentário.
“Estou absolutamente convencido de que não havia como contar essa história sem reconstituições”, disse Ostergaard. Filosofia cinematográfica à parte, “VJs de Mianmar” dá poderosas pistas sobre novas formas de documentar a opressão e convencer a opinião pública mundial.
“A tecnologia está ao nosso lado”, disse Micheline Lévesque, especialista em Ásia da entidade Rights and Democracy. Ela disse que relatos sobre violações de direitos humanos, quando feitos fora de um país como Mianmar, são rotineiramente ignorados por países que desejam continuar negociando com um regime opressor. É mais difícil ignorar um “VJs de Mianmar” e a tecnologia que ele propõe, cuja influência afinal pode ser enorme. “O Tibete está muito interessado”, disse Lévesque, “e outros movimentos em outros países estão vendo o que acontece na Birmânia para usar em seus próprios movimentos”.
“VJs de Mianmar” será exibido pela HBO no começo de 2010. (O filme foi escolhido como melhor documentário de longa e média metragem no festival brasileiro É Tudo Verdade 2009.) “Ele está liberado na Birmânia porque todo o mundo o pega pela parabólica”, disse Khin Maung Win, dirigente da Voz Democrática da Birmânia.
A audiência global será uma dádiva para a causa birmanesa, mas também uma janela para um novo mundo político.
“É tanto uma história sobre tecnologia quanto sobre coragem”, disse Sheila Nevins, presidente da unidade de documentários da HBO, para quem os VJs de Mianmar evocam os universitários do movimento antinazista não violento Rosa Branca, na Munique da década de 1940. “A única forma pela qual eles podiam difundir a informação era fazendo panfletos em uma máquina e jogando-os pela universidade. E é claro que foram apanhados. E decapitados. Mas você avança”, contou ela, agregando que, com a ajuda da tecnologia, fica mais difícil “para uma ditadura militar manter segredos”.

Texto do The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo, de 8 de junho de 2009.

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