terça-feira, abril 06, 2010

Água no solo ameaça ruínas da Babilônia

Água no solo ameaça ruínas da Babilônia


Fundações da antiga metrópole mesopotâmica estão ruindo devido à construção de sistemas de irrigação na vizinhança

Projeto iniciado no ano passado está mapeando danos para propor um plano diretor para a cidade, que sofreu com Saddam e Bush


JOHN NOBLE WILFORD
DO "NEW YORK TIMES"

A ameaça mais imediata à preservação das ruínas da antiga e poderosa cidade mesopotâmica da Babilônia, no atual Iraque, é a água que está ensopando o solo e afetando as fundações do que restou da metrópole onde reinou Nabucodonosor 2º (634 a.C.-562 a.C.)
Ironicamente, também é uma das ameaças mais antigas. O próprio Nabucodonosor teve de lidar com problemas desse tipo há 2.600 anos. O descaso, reconstruções impensadas e os saques dos tempos de guerra também tiveram culpa na destruição em épocas recentes, mas arqueólogos e especialistas na preservação de relíquias culturais dizem que a prioridade é mesmo o lençol freático.
O projeto de pesquisa Futuro da Babilônia está monitorando os danos, associados principalmente com o rio Eufrates e sistemas de irrigação próximos deles. O chão está saturado de água pouco abaixo da superfície, em locais como o Portão de Ishtar (deusa mesopotâmica do amor e da guerra) e os célebres e já destruídos Jardins Suspensos. Os tijolos estão esfarelando, os templos despencam. A Torre de Babel, reduzida a escombros há muito, está cercada de grandes poças d'água.
O estudo, cujo objetivo é criar uma espécie de plano diretor para a antiga cidade, começou no ano passado, tocado pelo Fundo Mundial de Monumentos em colaboração com o Comitê Estatal de Antiguidades e Patrimônio do Iraque.
A Babilônia sofreu muito durante a história recente. Arqueólogos alemães, responsáveis pelo primeiro estudo cuidadoso do sítio antes da Primeira Guerra Mundial, notaram a ação destruidora de canais de irrigação alimentados por um afluente do Eufrates, 70 km ao sul da atual Bagdá.
McGuire Gibson, especialista em arqueologia da Mesopotâmia na Universidade de Chicago que não está envolvido no projeto, concorda que a água é o "grande problema" das ruínas. A coisa ficou pior nos últimos anos, quando um lago e um canal foram escavados como parte de uma campanha para atrair turistas. Segundo Gibson, Nabucodonosor enfrentou o problema construindo seus novos palácios em lugares cada vez mais altos, em cima de montículos formados por ruínas mais antigas.
Os alemães, liderados por Robert Koldewey, relataram danos profundos causados pela água nas estruturas feitas de adobe, bem como a invasão de campos agrícolas e vilarejos no perímetro da cidade original. Tijolos e pedras já tinham sido saqueados, deixando para trás quase nada da Torre de Babel. Já os próprios alemães levaram grande parte do Portão de Ishtar para um museu em Berlim.
Nos anos 1970 e 1980, Saddam Hussein, querendo se mostrar como herdeiro de Nabucodonosor, construiu seu próprio palácio na Babilônia. Ele chegou até a adotar a prática mesopotâmica de carimbar seu próprio nome nos tijolos das reconstruções. Os arqueólogos ficaram horrorizados. O novo palácio e algumas outras restaurações, dizem eles, não têm nada de autênticas, mas são o que mais aparece no sítio.
O que fazer com o palácio agora, no entanto, é outra história, diz Jeff Allen, codiretor do projeto. "O problema é equilibrar a integridade do sítio com seu uso como atração turística." Segundo ele, a demolição ou a conversão do palácio em centro de turismo custaria milhões de dólares.
"Eu deixaria o palácio como está", diz Gibson, lembrando que ele se baseia em rascunhos deixados pelos arqueólogos alemães. "Desse jeito, vai ser possível ver algo parecido com a arquitetura antiga. Do contrário, tudo o que as pessoas verão é um monte de entulho."

Cicatrizes de guerra
A ocupação americana a partir de 2003 trouxe mais estragos. Os saques viraram rotina. O Exército dos EUA ocupou o sítio, mas sua presença levou à movimentação de 1 km2 de solo, incluindo alguns artefatos.
As ruínas voltaram a ser controladas pelo governo iraquiano há mais de um ano. Embora o país tenha um bom contingente de arqueólogos, a prioridade atual é treinar pessoas especializadas em conservação de ruínas e trazer para o local engenheiros e hidrólogos para lidar com o problema da água.

Texto publicado na Folha de São Paulo, de 24 de março de 2010.

Marcadores: , , ,