sexta-feira, setembro 26, 2008

Os Fracos e as Trevas

Tempos atrás achei muito instigantes os comentários sobre o filme Onde os Fracos não têm Vez (No country for old men), feitos, primeiramente pela Katarina Peixoto, no blog Palestina do Espetáculo Triunfante, e depois pelo Giovani Felice, no O Rei da França. Ambos os comentários me deixaram com grande vontade de ver o tal filme.

Porém, quando fui ver o filme, ele não me pareceu a obra-prima recomendada por ambos. Não que seja um filme ruim. Pelo contrário, o filme é muito bom. Mas algo me pareceu fora do lugar confrontando os comentários com o filme em si. Talvez a questão de a história ser tratada com, ou como, certo realismo pelos comentaristas, e, a mim ela parecer uma tremenda metáfora. Ou como talvez dissesse a Bíblia, uma parábola.

Anton Chigur, o bandidão do filme, existiria? É possível. É possível que existisse, é possível que exista, que esteja por aí, aguardando qualquer um de nós numa esquina (ou numa estrada, ou numa farmácia, para usar cenas do filme) qualquer da vida. Mas as minhas racionalizações me impediam de crer em Chigur como um modelo de alguém real. Não tive a infelicidade de me encontrar com um “serial killer”, nem com monstros assassinos, tais como aqueles que trabalham em associações criminosas de tipo mafioso, sejam italianos, ou russos. Chigur não me parecia nem uma coisa, nem outra. Não era o “serial killer” clássico, sociopata que mata, como que para satisfazer um instinto. E não parecia um sicário de qualquer máfia, pelo contrário, passa o filme todo atrás de um dinheiro que pertence a uma quadrilha de traficantes, o que pode torná-lo, no final das contas, ele mesmo (Chigur) um alvo da quadrilha a quem o dinheiro outrora pertenceu. Claro que a minha racionalização pode estar errada, e no final, a variedade dentro da espécie possa vir a criar um “Anton Chigur real”. Mas claro está que eu não me convenci.

Tempos depois fui assistir o arrasa-quarteirão (“blockbuster”) Batman, o Cavaleiro das Trevas (“The Dark Knight”). E devo dizer que este filme me assustou mais. Claro, o filme é fantasioso, os danos infligidos à Gotham City pelo Coringa são para lá de superestimados, mas como levar a gurizada ao cinema sem uma pequena quota de explosões e tiroteios? Mas, curiosamente, o Coringa de Heath Ledger me pareceu mais, digamos, possível que o Chigur de Javier Bardem. Eis ali o sociopata que só quer mesmo ver o circo pegar fogo. Para não fugir ao estereótipo da loucura, ali está o louco que, literalmente, queima dinheiro. E para complementar, ele tem um roteiro que ele segue quando se propõe a matar suas vítimas “individualmente”, contando para cada uma delas uma história diferente sobre a origem das cicatrizes em seu rosto, que lhe dão a maligna simpatia que é característica do personagem. O filme me deixou, assim, desestabilizado.

Na época em que fui ver Batman, julho passado, a minha cabeça fez alguma associação entre os filmes, mas ficou por isto mesmo. Vi, veio, passou.

Tempos depois descobri outra escritora de Internet, blogueira, que também gosta de cinema, como os blogs referidos acima. A Ingrid Guerra, nos seus Arquivos de Gaveta, tinha comentários tanto sobre Onde os Fracos não têm Vez, como sobre O Cavaleiro das Trevas. Eu gostei dos comentários dela, e perguntei se ela iria escrever uma síntese sobre os dois filmes. A resposta dela, não me indicou isto, mas a coisa continuou martelando na minha cabeça.

Mais algum tempo depois, e eis que a revista CartaCapital, em sua edição 511, de 3 de setembro de 2008, na seção chamada Calçada da Memória, comenta Onde os Fracos não têm Vez, como filme multi-oscarizado, e que, talvez chame uma continuação, na forma como os irmãos Coen o dirigem. Mas a crítica traz novamente à tona o livro que inspirou o filme (a Katarina havia falado no livro), de autoria de Cormac McCarthy. E, segundo José Onofre, McCarthy não estava interessado no crescimento da violência, mas na origem do mal. Como lembra Giovani Felice, citado no início deste texto, o “ocultamento de Deus”.

Assim, pois, duas colocações que perpassam a ambos os filmes, a malignidade que pode aflorar através de algumas pessoas, a fragilidade da vida. Não é que a fragilidade da vida não seja evidente, mas não gostamos de pensar nela.

A vida é frágil mesmo. Para seguir em frente, convém tentar se manter digno quando enfrentarmos o final dela, isto é, a morte. Ou como diria o escritor dos Atos dos Apóstolos, citando o apóstolo Paulo: “Mas em nada tenho a minha vida por preciosa” (Atos 20:24). Se a tivermos por muito preciosa, talvez a tornemos ainda mais frágil.

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2 Comments:

Blogger Ingrid Guerra said...

Zé, prometo voltar aqui para comentar - quero ler os posts da Katarina e do Giovani antes. Super abraço, até.

3:44 AM  
Blogger Ingrid Guerra said...

A origem do mal, pra mim, foi muito bem traduzida no filme de Christopher Nolan. Talvez isso o tenha deixado mais perturbado, caro Zé. Por mais que a película seja um blockbuster, repleto de explosões para atrair adolescentes, é ela quem nos mostra que mesmo uma pessoa integra é capaz de se entregar ao “lado negro”, em decorrência de suas experiências no mundo. Ou seja: “tentamos ser homens decentes em um mundo indecente”. Um ambiente hostil pode não influenciar a todos, mas, com certeza, alguém sairá de lá (muito) perturbado. Talvez venha daí a maldade de Anton (de um passado desconhecido, tanto quanto a verdadeira história do Coringa).
Porém, se nos falta essa compreensão das razões que os tornaram assim, no caso do promotor Harvey Dent, contudo, somos apresentados a sua transformação. E é aí que conseguimos racionalizar melhor os fatos e transpô-los para o mundo real. Se nos EUA crianças entram em escolas atirando em colegas, professores e toda sorte de criaturas que encontrarem, de graça é que não é. Nem culpa de jogos, filmes ou algo do tipo. Mas do ambiente em que vivem, que os afetam de uma forma ainda mais forte do que à outras pessoas. Ou alguém será capaz de negar que já teve vontade de matar ao menos uma meia-dúzia de pessoas, em momentos de raiva? A gente só não faz isso porque, de alguma forma, racionalizamos isso melhor do que os assassinos em potencial. Todavia, ninguém é mais ou menos "bonzinho". Todos temos o bem e o mal inseridos em nosso DNA. Como vamos usá-los é a questão. Desculpe a demora em comentar. Grande abraço.

3:23 AM  

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