terça-feira, junho 01, 2010

O homem que estava lá

O homem que estava lá

Morto anteontem, o ator e diretor norte-americano Dennis Hopper participou de grandes momentos do cinema

MÁRIO BORTOLOTTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Anteontem, perdemos Dennis Hopper. Ele estava com 74 anos e foi vítima de um câncer de próstata.
Hopper jamais morreria de tédio. Assim como o poeta russo Vladimir Maiakóvski (1893-1930), o excêntrico e intenso ator e diretor americano, imortalizado em trabalhos como "Sem Destino" e "O Selvagem da Motocicleta", estaria disposto a morrer de vodca -jamais de tédio.
No cinema, colecionou encrencas, amigos e inimigos leais, além de elogios e críticas destruidoras. E sempre esteve em todos os lugares onde sua presença parecia se fazer necessária.
Foi dos últimos grandes anti-heróis do cinema. Dessa linhagem, ainda temos Jack Nicholson, que estava com Hopper recentemente, quando o ator teve inaugurada sua estrela na calçada da fama de Hollywood.
Nossos heróis definitivamente estão nos deixando.

Texto da Folha de São Paulo, de 31 de maio de 2010.

Figura difícil, Hopper se confundia com personagens

Em grandes filmes ou em "bombas", o ator construiu tipos inesquecíveis

Com o sucesso de "Sem Destino", virou um megalômano insuportável, brigou de porrada com suas mulheres e foi ridicularizado

ESPECIAL PARA A FOLHA

No programa "Fishing With John" (disponível no YouTube), o músico John Lurie levava alguns amigos para pescar com ele. Com Dennis Hopper, foram necessários dois programas.
E não era uma pesca comum. Hopper não aceitaria sair de casa para sentar com uma vara na beira de um rio. O que eles queriam era pescar a lula gigante.
É claro que não conseguiram, mas o programa se tornou um tratado sobre como transformar o tédio em uma experiência fascinante.
Hopper sempre esteve na cena -não exatamente no centro da cena. Mas estava lá, atento e imprescindível, mesmo como coadjuvante.
Com James Dean em "Juventude Transviada" (1955), lendo Stanislavski enquanto aguardava para filmar. Com Peter Fonda e Jack Nicholson no mítico "Sem Destino" (69). Chapado com Marlon Brando em "Apocalypse Now" (79).
Vivendo o pai bêbado e filósofo de Matt Dillon e Mickey Rourke em "O Selvagem da Motocicleta" (83), ou o barman insidioso de "Indian Runner" (91), do amigo Sean Penn. Interpretando o psicopata mais estranho dos anos 1980 em "Veludo Azul" (86).

MEGALÔMANO
Hopper nunca foi uma figura fácil. Enlouqueceu durante as filmagens de "Sem Destino" e, como um relâmpago, passou de louco a gênio após o sucesso do filme.
Virou um megalômano egoico e insuportável, brigou de porrada com suas mulheres e foi ridicularizado por aqueles que o haviam idolatrado. Tudo muito rápido, quase meteórico.
Hopper se confundia propositalmente com os personagens que interpretava. Não tinha medo de colocar sua personalidade na frente do trabalho de ator e, com isso, construiu uma galeria de personagens inesquecíveis, com sua marca indiscutível e facilmente reconhecível.
Em "O Selvagem da Motocicleta", ele diz que seu filho nasceu do lado errado do rio. Me parece a definição exata para Hopper. O cara que aparentemente fazia tudo errado e do jeito mais torto possível.
Mas, quando interpretava, fazíamos questão de prestar atenção até para tentar identificar onde começava e terminava o trabalho de ator.
E era sempre muito difícil conseguir identificar, porque ele sempre fez questão de confundir, mesmo atuando nas piores bombas.
Como esquecer, em "Waterworld" (95), o vilão Deacon líder dos Smokers por exemplo? Sua risada característica, seu olhar alucinado, tudo estava lá, de novo a serviço de sua aparentemente desgovernada atuação.

ATOR PROBLEMA
Hopper sabia onde queria chegar, só que sempre pegava a estrada mais acidentada. Parece que ele tinha que fazer jus à fama de "ator problema". Levava a sério a fama de mau.
E se era isso que Hollywood estava precisando, já sabia para que lado olhar, desde o dia que subiu naquela Harley em direção a Nova Orleans, em "Sem Destino".
Quando aquele caipira o derrubou de sua moto com um tiro fatal, a história não estava acabando. Para Dennis Hopper e toda um legião de sujeitos inquietos e propositalmente desgovernados e inclassificáveis, a história estava só começando.
(MÁRIO BORTOLOTTO)

MÁRIO BORTOLOTTO é ator, diretor e dramaturgo.

Também da Folha de São Paulo, de 31 de maio de 2010.

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