quarta-feira, janeiro 20, 2010

Inscrições bíblicas em armas usadas por EUA causam polêmica

Inscrições bíblicas em armas usadas por EUA causam polêmica

Um grupo americano que zela pela separação da religião e do Estado entre as Forças Armadas do país revelou que as miras usadas na armas de soldados americanos e britânicos no Iraque e no Afeganistão estão sendo gravadas com referências a passagens da Bíblia.

As inscrições estão codificadas e se referem, por exemplo, a versos do livro de João (com os dizeres "JN8:12") e no 2 Coríntios ("2COR4:6").

A Military Religious Freedom Foundation (MRFF), dos Estados Unidos, disse ter descoberto o caso através de uma denúncia por email, provavelmente vinda de um soldado muçulmano do Exército americano.

A Trijicon, fabricante de armas americanas e uma das maiores fornecedoras do Departamento de Defesa, disse que as referências bíblicas já são gravadas há anos nas miras. A empresa foi fundada por um cristão devoto que afirma administrá-la "sob padrões bíblicos".

Repercussão

Mas autoridades militares nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha manifestaram sua preocupação com a maneira como o fato pode repercutir.

Um representante do Corpo de Fuzileiros Navais americanos disse à BBC que haverá uma reunião entre o grupo e a direção da Trijicon para "discutir futuras aquisições de miras".

O Exército dos Estados Unidos afirmou que está examinando se houve violações de políticas internas, enquanto um porta-voz do Ministério da Defesa britânico reconheceu, em entrevista à BBC, que as referências à Bíblia podem provocar ofensas.

O representante do Ministério disse ainda que "na época da compra (de 480 miras do modelo Acog), não sabia que essas marcas tinham um significado amplo".

As miras desse modelo são usadas em rifles Sharpshooter, que serão usados por tropas britânicas no Afeganistão até o final do ano.

Propaganda inimiga

As inscrições são sutis e aparecem em relevo no final do número de série das miras.

O versículo João 8:12 diz: "Falou-lhes, pois, Jesus outra vez, dizendo: 'Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida'".

Já a inscrição sobre o livro dos Coríntios se refere aos dizeres: "Porque Deus, que disse que das trevas resplandecesse a luz, é quem resplandeceu em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo".

Para Mikey Weinstein, presidente do MRFF, as inscrições podem dar ao Talebã e a outras forças inimigas uma ferramenta para propaganda de seus ideais.

"Não preciso me perguntar nem por um nanosegundo como os americanos reagiriam se citações do Alcorão estivessem inscritas nessas armas em vez de referências ao Novo Testamento", afirmou.

Em 2009, o Ministério da Defesa americano assinou um contrato de compra dos produtos da Trijicon, na ordem de US$ 66 milhões.

Notícia originária da BBC Brasil.

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terça-feira, outubro 21, 2008

Evangélicos crescem na Espanha

Evangélicos pescam fiéis na crise católica na Espanha
Enquanto Bento 16 alerta sobre a extinção da fé, os protestantes se multiplicam

Román Orozco

O papa Bento 16 colocou o dedo na ferida na última segunda-feira: "A fé se debilita até extinguir-se" em alguns países. Precisamente naqueles que foram "ricos de fé e vocações". E, embora ele não tenha citado, a Espanha é um deles. Mas se a fé católica perde terreno outras o conquistam. A professora de antropologia da Universidade de Sevilha Manuela Cantón Delgado resume a questão: "Extingue-se a fé dos católicos, mas não a de seus primos-irmãos, os protestantes. Esta cresce de maneira incontível".

Os dados comprovam: há um século havia quatro mil; chegaram a 22 mil durante a República, em 1932; o franquismo os reduziu a sete mil; hoje somam 400 mil. Mais quase outro milhão de imigrantes, segundo dados da Federação de Entidades Religiosas Evangélicas da Espanha (Ferede).

Quais são os motivos do aumento dos evangélicos, termo que preferem a "protestantes"? Como indica o jovem pastor sevilhano José Pisa, neto do primeiro pastor evangélico cigano, em primeiro lugar está a democracia: "Com o franquismo era difícil reunir-se; com liberdade de expressão e liberdade religiosa pudemos nos expandir mais e melhor". E acrescenta Jorge Fernández Basso, responsável por comunicação da Ferede: "O cristianismo evangélico protestante é dinâmico e participativo e tende a crescer onde há liberdade".

A professora Cantón, que pesquisa há 20 anos o movimento evangélico na América Latina e na Espanha, afirma que "o catolicismo está há muito tempo em retrocesso diante das igrejas evangélicas, muito mais flexíveis". Religiões que, nas palavras dessa especialista, ao ser mais participativas e contar com centros de culto menores, provocam um maior conhecimento e apoio mútuo entre seus fiéis. Pelo contrário, a Igreja Católica mantém uma "organização muito vertical".

Qual é a origem social dos evangélicos? Os primeiros protestantes espanhóis, há quatro séculos, pertenciam às classes altas e ilustradas. Hoje a grande massa de crentes é de classe média e às vezes moradores de bairros marginais.

Alguns especialistas indicam que crescem porque ocorreu uma "retirada" da Igreja Católica desses bairros. A professora Cantón prefere falar, mais que de uma retirada, de "uma certa rejeição à Igreja Católica espanhola atual, tão reacionária, que se manifesta de maneira pavorosa e nos traz lembranças perturbadoras".

A presença cada dia mais intensa de pastores evangélicos nas áreas deprimidas das cidades espanholas é outra razão de seu crescimento. Mas isso não significa que todos os católicos foram eliminados desses bairros. Porque a semente da Igreja operária dos anos 1950 e 60 ainda sobrevive em muitos lugares.

O padre católico Gabriel Delgado Jiménez é um bom exemplo. Diretor do Secretariado de Migrações do Bispado de Cádiz, Delgado é herdeiro do pensamento dos padres operários desde que foi trabalhador em Astilleros. Hoje realiza um trabalho invejável entre os jovens locais e os imigrantes. Delgado prefere falar de "estratégias diferentes" entre os católicos e outras confissões. "Os mórmons, as testemunhas de Jeová ou os evangélicos da Filadélfia vão à conquista das pessoas. Nós não temos essa estratégia de caça e captura de fiéis", indica. "O nosso é mais presença é mais compromisso."

O padre Delgado afirma: "Em minha diocese sempre estivemos presentes nas ruas; há anos estávamos nas fábricas, hoje com os imigrantes". Mas a opinião que se colhe nos bairros mais marginais é que o católico se viu reduzido à sua expressão mínima, enquanto o evangélico se perfila como a religião dos pobres.

José Jiménez, 42, é cigano, vendedor ambulante e pastor evangélico em um desses bairros. Dirige a Igreja Evangélica La Unción na região mais conflituosa de Sevilha, as Tres Mil Viviendas. Um bairro onde a polícia, os partidos políticos, os serviços básicos do Estado permaneceram ausentes durante muitos anos; um bairro de 20 mil habitantes, dos quais quase a metade é analfabeta e está desempregada; um bairro acossado pela droga, onde os bombeiros deixaram de atuar, os carteiros passavam longe, os ônibus não chegavam e nem sequer se recolhia o lixo.

O pastor Jiménez chegou ao culto pela mão de sua companheira pouco antes de se casar. "Até então eu era um pecador, tinha feito coisas más". Hoje trabalha para recuperar "pessoas que não andam por um caminho reto, pois aqui há fugitivos da polícia, assaltantes, seqüestradores."

Através da Federação de Associações Cristãs da Andaluzia (Faca), os evangélicos ciganos desenvolveram inúmeros programas sociais. Entre os mais importantes, os de reabilitação de dependentes de drogas. A professora Cantón afirma que "muitas famílias ciganas se tornam religiosas só para fugir da droga". Como lhe disse um reabilitado, sua "terapia se chama Jesus de Nazaré".

Além desse trabalho social, os ciganos se sentem à vontade nas igrejas evangélicas porque, segundo a professora Cantón, nesses cultos "eles são os protagonistas, os pastores são ciganos como eles, enquanto na Igreja Católica se consideram marginalizados".

O pastor Jiménez utiliza a palavra sagrada para ajudar seus vizinhos. Uma palavra que ele aprendeu "no livro". O livro é a Bíblia. Sua conversa é cheia de citações bíblicas que decorou depois da leitura cotidiana. Algo que os católicos não fazem com a freqüência devida, como salientou o papa na semana passada na inauguração da 12ª edição da Assembléia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos. Bento 16 recomendou sua leitura, porque na Bíblia se encontra "a mensagem consoladora".
Se os católicos lêem pouco a Bíblia, os evangélicos são o contrário. No ano passado foram vendidos na Espanha 86.468 exemplares da Bíblia Rainha Valera (em castelhano, euskera, catalão e asturiano), a mais apreciada pelos protestantes, segundo dados da editora Sociedad Bíblica de España. A eles devem-se somar outras quase 20 mil importadas. Números que duplicaram os dos últimos quatro ou cinco anos. No mundo foram vendidos no ano passado quase 27 milhões de exemplares em espanhol.

Enquanto nos lares católicos quase não se encontra um exemplar dos Evangelhos, entre os evangélicos o habitual é que cada membro da família tenha seu próprio exemplar da Bíblia. "Inclusive dois ou três cada um", indica Lola Calvo, responsável por comunicação e desenvolvimento da Sociedade Bíblica.

A paixão pela Bíblia chega ao extremo de que os jovens evangélicos praticam a "esgrima bíblica". Eliseo Vila, diretor da Editorial Clie, com mais de 2.500 livros cristãos em espanhol, explica esse esporte singular: "Com a Bíblia na mão fechada, um indica um texto bíblico por sua referência, por exemplo, João 3:16, e ganha o primeiro que encontrar o texto e o ler, supondo que não o cite de memória".

Também decoram a Bíblia muito ciganos que não sabem ler. Ao todo, 150 mil ciganos de toda a Espanha são evangélicos, segundo a Ferede. Estão reunidos em cerca de 700 centros de culto, a maioria pertencente à Igreja Evangélica da Filadélfia.

Os evangélicos ciganos representam cerca de 10% do total de crentes que residem na Espanha. Mas são mais de um terço dos evangélicos espanhóis de nascimento. Juan Ferreiro, subdiretor-geral de coordenação e promoção da liberdade religiosa do Ministério da Justiça, cita ao redor de 1,3 milhão (cifra não oficial) o número de evangélicos residentes na Espanha. A Ferede o eleva para 1,5 milhão. Destes, 800 mil são imigrantes da Comunidade Européia que vivem na Espanha mais de seis meses por ano; 400 mil espanhóis e os demais imigrantes de diversos países, entre os quais se destaca o coletivo romeno, cada vez mais numeroso.

O Registro de Entidades Religiosas do Ministério da Justiça tinha contabilizadas em junho de 2008 um total de 1.437 igrejas evangélicas. A Ferede, por sua vez, tem registrados 2.600 centros de culto, mais outros 500 independentes. Algumas igrejas têm vários centros de culto, mas um só número de registro. Madri, Barcelona, Valência e algumas capitais da Andaluzia são as que registram maior número de fiéis.

Em 1992 o Estado assinou acordos de cooperação com três religiões de situação notória: evangélica, muçulmana e judia. Entre outras coisas, o Estado custeia o ensino dessa religião e em escolas oficiais. Em 130 delas se ensina protestantismo e em 41, o islamismo. A Fundação Pluralismo e Convivência, criada em 2005 pelo Ministério da Justiça, distribuiu em seus três anos e meio de existência mais de 14 milhões de euros entre as três federações religiosas signatárias desses acordos. Até maio de 2008 estas são as ajudas recebidas: evangélicos, 6.149.886 euros; muçulmanos, 5.887.825; judeus, 2.130.873.

O pastor Bernardo Serrano, 54, recebeu três subvenções da Fundação Pluralismo para programas de integração de sua Igreja Apostólica Pentecostal de Antequera (Málaga), uma das maiores da Andaluzia. Um dos que teve mais êxito foi o Cine Cero Cero. Ou seja, cinema sem álcool mais um filme que ressalta os valores humanos, como "Carruagens de Fogo". "Buscamos alternativas para a garrafa entre os jovens."

Serrano realizou um estudo sociológico em 2007 entre as 546 igrejas evangélicas da Andaluzia. Os resultados apontam na direção do crescimento: em 1970 havia 59 congregações; em 2008 somavam 546. O número de membros praticantes, isto é, batizados, cresceu de 16 mil para 40 mil. A eles devem-se acrescentar 67 mil estrangeiros.

Segundo o estudo, o perfil do evangélico andaluz, que pode ser extrapolado para o resto da Espanha, é o seguinte: classe média baixa (85%), entre 26 e 40 anos (40%) e com estudos secundários (56%). A maioria é de mulheres, em porcentagem muito semelhante à da população em geral (52,55%).

Além dos bairros, os evangélicos trabalham em prisões e hospitais. "Em alguns presídios já vão mais presos aos nossos cultos que aos católicos", diz o pastor Serrano, e cita o caso da penitenciária de El Dueso, na Cantábria.

Todo esse trabalho passa despercebido dos partidos políticos? É claro que não. É o que diz o pastor cigano Pisa: "Nos ofereceram de tudo: prefeituras ou ser o braço-direito do prefeito da vez. Os políticos andaluzes sabem que por trás há 150 mil votos diretos e 500 mil indiretos". Mas eles se mantêm longe da tentação: "Votamos por consciência, não recomendamos nenhuma opção".

Não recomendam, mas a levam no coração. O pastor malaguenho Miguel Rueda, 58, companheiro de Serrano, acredita que os de sua geração são majoritariamente de esquerda, como ele próprio, "devido à rejeição e a perseguição que houve no franquismo". Em resumo: a ditadura adubou a semente evangélica, que cresceu e se multiplicou na democracia.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Texto do El País, no UOL.


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quarta-feira, outubro 01, 2008

Igrejas evangélicas crescem em território católico - Espanha e América Latina

Entre o mercado e o púlpito: igrejas evangélicas crescem em território católico
Centenas de igrejas evangélicas desembarcam na Espanha com os imigrantes. A porcentagem de protestantes na América Latina já alcança 20% da população. Algumas organizações fazem negócios às custas da fé

María Antonia Sánchez-Vallejo
Em Madri

Na América Latina se rompeu o monopólio da fé. O pluralismo e a concorrência dominam o cenário religioso; o proselitismo assume as leis do mercado - e as técnicas de comunicação multimídia - e parte de uma paróquia tradicional ou nominalmente católica passa para as igrejas evangélicas. Falar em transferência maciça não é exagerado: calcula-se que entre 10% e 20% da população sul-americana sejam protestantes, de 20% a 30% na América Central e mais de 31% na Guatemala. Exemplos do fenômeno do fundamentalismo cristão, as novas igrejas latinas arrastam massas populares e começam a exportar pastores. Também para a Espanha: os imigrantes reproduzem suas comunidades religiosas ou as criam novamente, o que os ajuda a salvar-se do isolamento da imigração. Surgem "como cogumelos" - nas palavras de um pastor protestante - igrejas livres, autônomas, informais, o que também representa um risco de penetração de seitas ou grupos de filiação duvidosa.

O Vaticano considera uma "sangria que não pode ser parada" a deserção dos católicos - no caso de que o fossem anteriormente - para as fileiras protestantes e a atribui a um "proselitismo agressivo" - os termos entre aspas são declarações do papa Bento 16 -, mas os evangélicos aproveitam a distância secular, na sua opinião, entre o clero e os fiéis católicos para ganhar terreno. São protagonistas desse fenômeno as igrejas pentecostais, que salientam a ação direta do Espírito Santo e seus dons - a cura, a profecia ou o dom das línguas -, o que na prática se substancia em cerimônias participativas, inclinadas ao êxtase coletivo. Pentecostais são os pregadores que, na América Latina e na Espanha, dominam as ondas ou as antenas de várias rádios e televisões locais. Pastoreiam comunidades formadas majoritariamente por fiéis de baixo nível social e, no caso dos imigrantes, de seres que regulam sua nova vida através da experiência religiosa. Mas por trás de algumas siglas ou nomes há interesses equívocos, quando não negócios - às vezes autênticas multinacionais - em nome da fé.

O que representa essa proliferação de novos movimentos religiosos na América Latina? E na Espanha, representa algum desafio? Há algum filtro, modos de garantir a idoneidade das novas igrejas? "Na Espanha há cerca de 2.600 igrejas evangélicas, e 2.100 estão registradas em nossa federação. O resto não se inscreve porque é muito recente, ou porque estão em processo de constituição ou porque não querem", afirma Mariano Blázquez, secretário-executivo da Federação de Entidades Religiosas Evangélicas da Espanha (Ferede), interlocutora diante do governo espanhol. À lista de igrejas oficiais somam-se centenas de igrejas espontâneas, às vezes efêmeras. "(No âmbito protestante) os grupos não precisam da aprovação de um bispo ou de uma hierarquia para funcionar. Qualquer um pode criar uma igreja, e essa é exatamente nossa grande fraqueza. Não podemos evitar excessos ao amparo da liberdade. O único que podemos fazer na Ferede é explicar qual é a realidade espanhola e acompanhá-los no processo de constituição. Os únicos limites são a legislação espanhola e o Evangelho", conclui Blázquez, que confirma um desembarque "difícil de controlar". Blázquez e os demais especialistas consultados franzem a testa quando se levanta o argumento das seitas. "Prefiro falar de atividades delituosas ou que possam afetar a personalidade. 'Seita' não tem uma conotação jurídica, mas por trás de algumas igrejas há atividades que podem ser perseguidas. É isso que é preciso denunciar, trate-se de uma igreja ou de um clube de futebol", afirma.

O representante da Ferede se refere concretamente à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), também denominada Pare de Sofrer em muitos países latino-americanos e investigada no Brasil e na República Dominicana por fraude fiscal, malversação de fundos e suposta lavagem de dinheiro do narcotráfico, cujo exemplo El País pôs na mesa discutir o problema das seitas. A alusão não é gratuita. Com outro nome - Comunidade Cristã do Espírito Santo -, a IURD está inscrita desde 1993 no Registro de Entidades Religiosas do Ministério da Justiça da Espanha. Mas não está na Ferede, embora Blázquez lembre que não é obrigatório.

A que se deve a rejeição de seus pares? "Ao mercantilismo, à perversão do Evangelho. Vendem a água do rio Jordão e cruzes bentas, tudo isso é alheio a nós. Mas foram eles que retiraram o pedido de registro. É claro que de nossa parte havia certa disposição a uma avaliação desfavorável, pois algumas de suas práticas são discordantes."

Por exemplo, o recurso à superfé, o evangelho da prosperidade, que se baseia em doações voluntárias como prova de fé. Por essa via a IURD arrecada bilhões de dólares por ano, segundo fontes fidedignas. Basta dar um clique na página da web da Comunidade Cristã do Espírito Santo para saltar para outra em que aparece um convite para realizar doações, seguida de um número de conta. Não se trata do dízimo - a contribuição de 10% do salário para a manutenção da igreja, uma forma de autofinanciamento nas igrejas protestantes. Vai muito além.

Mas a IURD, com a qual El País tentou entrar em contato sem resultado, não é a única "igreja" questionada. Também o são agrupamentos como Juventude Com Uma Missão (JCUM), a qual o Brasil acusa de manipular indígenas da Amazônia e que também está presente em uma dezena de cidades espanholas, assim como registrada na Ferede e na Justiça; o instituto Lingüístico de Verão, controversa associação americana de difusão da Bíblia arraigada em comunidades indígenas do Peru, México Colômbia ou Brasil, ou finalmente o grupo missionário americano Novas Tribos, que foi expulso da Venezuela em 2005 por ser, segundo Hugo Chávez, "agentes de penetração imperialista".

Exemplos como este último ano poderiam propiciar outra leitura: a perseguição por parte de regimes de esquerda ou populistas a organizações que disputam os favores das massas. Algo como um expurgo do populismo contra o povo.

Do povo procede a onda mais recente de fiéis e pastores que chega à Espanha. "Os recém-chegados têm um perfil discreto, vêm do Equador, de Honduras," explica Blázquez. "Nada a ver com a imigração maciça de profissionais de 15 anos atrás, coincidindo com a primeira crise grave da Argentina. Alguns já eram evangélicos, outros se converteram aqui", acrescenta o representante da Ferede.

Antonio González, doutor em filosofia e teologia, ex-colaborador do jesuíta Ignacio Ellacuría e bom conhecedor da realidade centro-americana - viveu sete anos na Guatemala e em El Salvador -, está de acordo: "Os pentecostais costumam ser de classe baixa ou mesmo de ambientes de extrema pobreza". O pentecostalismo se arraiga entre os mais desarraigados, embora também haja pentecostais de classe média e alta e inclusive políticos, como o direitista guatemalteco Efraín Ríos Montt.

"A proletarização nas grandes cidades provoca a necessidade de recriar uma nova identidade, e as igrejas evangélicas oferecem a oportunidade de forjar essa identidade alternativa", conclui. Para a maioria dos imigrantes, carentes de referências, o fato religioso é portanto uma tábua de salvação. "São muitos os latino-americanos que não eram protestantes antes de vir e que se tornam evangélicos precisamente na Espanha, pois é aqui que experimentam a proletarização e a anomia. Também não faltam crentes que, muito fervorosos em seus países de origem, na Espanha perdem seu fervor, talvez devido à prosperidade econômica ou pelo desejo de ser aceitos", continua González. "As igrejas evangélicas representam para muitos deles uma maneira de se integrar, mas também se corre o risco contrário, o da criação de igrejas étnicas, isoladas. Em nossa igreja, por exemplo, há oito latino-americanos", afirma Pedro Tarquis, porta-voz da Aliança Evangélica Espanhola. "Nosso maior seguro, o maior controle, é a convivência, e o ideal seria a interculturalidade, mesmo que sejam os filhos dos que chegam agora que realmente se integrarão.

"Há costumes diferentes, é verdade, mas pelo menos temos um idioma comum, coisa que não ocorre com os emigrantes da Europa do Leste ou da Ásia", acrescenta Tarquis, que vê nessa incorporação seiva nova para as igrejas: "Assim como a realidade católica nos EUA se sustenta pela presença de imigrantes latinos, aqui na Espanha poderia se afirmar o mesmo do movimento evangélico". Não há cifras do número de imigrantes latino-americanos na Espanha que professam a religião evangélica, e os do subcontinente são aproximados, como vimos. Mas ninguém duvida do potencial evangelizador da América Latina.

Pela primeira vez a América do Sul não é uma terra de missão, mas um viveiro de pastores e fiéis. "As igrejas evangélicas cresceram e seus líderes são autóctones, não é verdade que sejam produto da penetração americana, não mais. A região do mundo que tem mais missionários é a América Latina, e os manda inclusive para a América do Norte", explica Mariano Blázquez.

"Estima-se que há mais de 9 mil missionários latino-americanos, enviados e sustentados pela América Latina, trabalhando em culturas diferentes da sua. Cerca de 4 mil o fazem na Ásia, África e Europa do Leste", relata Samuel Escobar, de origem peruana, catedrático emérito de Missionologia no Seminário Teológico Batista da Pensilvânia (EUA). "A religiosidade evangélica latino-americana é um fenômeno crescente e vigoroso", acrescenta. "É difícil estimar com precisão quantos protestantes há no continente, mas, por exemplo, no Peru, segundo o censo de outubro de 2007, a população protestante maior de 12 anos duplicou desde 1993 e hoje chega a 12,5%. No Chile se aproximaria de 20%."

E como é a vivência religiosa dos evangélicos? Exatamente isso, uma experiência pessoal, comunitária, vital, que traspassa os limites do culto para se enraizar no emocional e no cotidiano. Basta dar uma volta pelos bairros populares das grandes cidades para constatar a mobilização: são muitas as convocações de rua, de folheto na mão, para cultos e reuniões "de fraternidade" que pescam, sobretudo no calado dos jovens. Também proliferam os cartazes pregados em portais, bocas de metrô ou faróis com apelações ao "chamado do Evangelho". Os convocantes podem se chamar, por exemplo, Livres x Cristo, nome que aparece em um folheto apanhado ao acaso em um bairro de Madri com alta porcentagem de imigração latina. "Renovação juvenil", anuncia o papel; "música com uma mensagem de mudanças para sua vida." Remetente: Compañerismo La Puerta. A entrada ao ato, com músicas e obras de teatro, é grátis.

"A atração das igrejas pentecostais é a de uma fé pessoal, compreensível, fortemente vivencial, diante da experiência mais anódina, autoritária, fria, que costumam ter muitos latino-americanos na Igreja Católica. Inclusive quando o sacerdote procede de meios muito populares sua formação o distancia de suas origens mais que os pastores pentecostais, que permanecem mais próximos de suas raízes. E normalmente a Igreja Católica, quando se interessa pelos pobres, não pode deixar de adotar uma atitude paternalista devido à forte diferença de classes que há entre seus líderes e seus fiéis", salienta Antonio González, conhecedor do contexto católico, tentando explicar as razões do sucesso do protestantismo na América Latina.

"Uma estudiosa pentecostal americana afirma que os latino-americanos quando se tornam pentecostais deixam de ser psicologicamente pobres, embora na verdade continuem sendo", conclui González, professor de teologia no Seminário Evangélico Unido de El Escorial (Madri) e responsável por estudos e publicações da Fundação Zubiri.

Inclusive quando algumas dessas igrejas são às vezes "mais conservadoras que as européias", lembra Blázquez, em geral inoculam no crente "um estilo de vida mais disciplinado - sem álcool, etc. -, o sentimento de ajuda mútua, um apoio decidido a suas iniciativas vitais, a assumir riscos econômicos, etc.", conta González. "As populações que adotam o protestantismo são populações que prosperam, porque aprendem a ler, a respeitar suas mulheres e adotam uma ética de trabalho que os faz progredir", comenta Tarquis.

Assim que, radicalmente livres, refratárias ao poder, pois na estrutura evangélica não existe hierarquia - não há bispos que nomeiem nem cúria que proíba - e à margem das denominações tradicionais - batistas, presbiterianos, metodistas -, as novas igrejas latino-americanas são protagonistas de um fenômeno sociológico incipiente na Espanha. Sem controle, mas também sem pausa. Entre o culto conservador e a mensagem apocalíptica próxima do milenarismo, 99% das novas igrejas que brotam em nossos bairros também desempenham um trabalho social: proporcionam coesão, amparo, apoio econômico ou uma mão estendida na hora de cuidar das crianças. Umas poucas, porém, quase não conseguem mascarar traços suspeitos, da liderança onipotente ao som incessante da caixa registradora.

"As possibilidades de manipulação são limitadas. É verdade que na América Latina o pastor protestante pode adquirir os traços do velho caudilho, mas ao mesmo tempo tem de ganhar autoridade continuamente, não é sacerdote no sentido de pessoa sagrada", aponta Antonio González. Embora o protestantismo consagre a liberdade e a autonomia, não há nenhuma maneira de exercer certo controle, ou pelo menos uma supervisão de suas atividades e seus fins? Para González, a melhor salvaguarda diante de irregularidades é o "princípio bíblico: o pastor pode ser julgado à luz da Bíblia", embora também reconheça que os abusos mais freqüentes têm sido "do tipo econômico".

Pedro Tarquis propôs em sua época submeter a auditorias a atuação das igrejas da Aliança Evangélica Espanhola, "sobretudo as que já têm um volume de fiéis considerável". Não fizeram caso: sua iniciativa foi vista como uma veleidade de Torquemada, "como uma tentativa de impor uma hierarquia". Em consonância com Tarquis, Samuel Escobar, que passa por ser a autoridade máxima na matéria, não tem dúvidas sobre o método a seguir para abortar irregularidades. "É preciso um consenso social em relação aos limites da liberdade de que gozamos. Agora mesmo nos EUA o senador republicano por Iowa Chuck Grassley conduz uma investigação sobre as manipulações financeiras de seis corporações religiosas que cresceram de maneira notável e mantêm atividade comercial vigorosa. Quatro delas se negaram a responder à investigação", conta Escobar. Igrejas livres? Igrejas "abusivas", na definição do teólogo evangélico americano Pat Zukeran? Ou multinacionais da fé?

Já vai longe a época em que se via a penetração evangélica como um instrumento da CIA - outra teoria que ainda persiste a considera um contrapeso intencional à Teologia da Libertação -, parece que as igrejas, evangélicas ou não, se rendem aos métodos e às vezes aos fins do mercado. Do outro lado do charco e sem ir tão longe, como lembra o teólogo Escobar: "Como seu próprio jornal informa, o deputado socialista José Camarasa está tentando nos esclarecer os relatórios financeiros relativos à visita do papa a Valência em 2006". Por alusões evangélicas, quem não tiver culpa...

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Texto do jornal El País, no UOL.


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segunda-feira, junho 25, 2007

Desmascarado...

Antes que eu pudesse me jactar muito de porta-voz das trevas e intolerante, alguém me corrige, colocando comentários:

  • Pois é, teus argumentos papistas dificultam tua qualificação como intolerante em nome de Deus.

E também acho que tu não subscreve as idéias do Jerry Falwell e sua Moral Majority ou da New Christian Right.

Vamos ao teste:
1) És contrário ao ensino da Hipótese da Evolução nas escolas?

2) Consideras errado a menção nas escolas a outras religiões (p.ex. ao islã) de uma forma simpática ou que pregue o diálogo inter-religioso?

3) És contrário a qualquer tentativa de educação ou orientação sexual nas escolas além da promoção da abstinência?

Creio que duas respostas sim te qualifiquem como intolerante.



  • É, meu caro. A resposta é não para as três questões. Ih, fui desmascarado!... :)

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quinta-feira, junho 21, 2007

Porta-Voz das Trevas

Faltou usar este adjetivo, em relação ao "post" anterior, ou seja, intolerante, homofóbico e porta-voz das trevas.

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Intolerante em Nome de Deus, É Quase a Glória!

Por conta de uma discussão no Blogoleone, acabei me incluindo entre os "intolerantes em nome de Deus". É quase a glória! A coisa é assim: se você discordar da homofilia, você é homofóbico e intolerante. Dá para fazer piada. Como diz alguém, eu não sou homofóbico porque eu não tenho medo de homossexuais (entendeu? "fóbico"...) .
E o "post" indica para ler o manifesto contra o projeto de lei contra a homofobia no Terra, "se você tiver estômago". Essa coisa de estômago forte é o que eu indico para quem quiser acompanhar a política no dia a dia. O "Ainda a Mosca Azul" diz no seu início "política é uma assunto chato, embora fundamental".
Para acompanhar a discussão, e os meus comentários, verifique no Blogoleone.

A Aline Leão, que entrou na discussão, reproduziu o "post" no blog dela, o Cuca Fundida.

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