segunda-feira, novembro 30, 2009

Os guerrilheiros da história

Os guerrilheiros da história

ESTÁ CHEGANDO às livrarias "Quem Escreverá Nossa História? - Emanuel Ringelblum, o Gueto de Varsóvia e o Arquivo Oyneg Shabes", do professor Samuel Kassow. É um livro excepcional, que conta um emocionante episódio de heroísmo.
Emanuel Ringelblum tinha 39 anos, mulher e filho, quando a Alemanha invadiu a Polônia. Professor de história e militante da esquerda sionista, recusou-se a sair da cidade. Em outubro de 1941 foi para o gueto, onde os alemães confinaram 400 mil judeus (um terço da população da cidade) numa área murada de 2,5 km2 (o Leblon tem 2,3 km2). Lá o professor formou a Oyneg Shabes (Alegria do Sábado), uma organização clandestina que teve entre 50 e 60 militantes. Juntou empresários, poetas, economistas, professores e, a certa altura, até crianças. Seu objetivo era preservar a memória do que acontecia no gueto. Aquilo que ninguém imaginara não podia ser esquecido.
Durante dois anos os guerrilheiros da história fizeram uma centena de entrevistas, acumularam manuscritos e pesquisaram metodicamente o cotidiano do gueto. (Em janeiro de 1943 a Oyneg Shabes fez chegar a Londres um depoimento detalhado do início do extermínio dos judeus nos campos de concentração.)
Milhares de páginas, objetos e fotografias foram enterrados em pelo menos três lugares. Terminada a guerra, a organização tinha três sobreviventes. Em 1946, um deles achou o primeiro esconderijo, recuperando dez caixas de documentos. Quatro anos depois desenterraram dois latões de leite, repletos de papéis. O terceiro lote ainda não foi achado.
O Gueto de Varsóvia revoltou-se e foi arrasado. Ringelblum e sua família esconderam-se num porão da vizinhança até março de 1944, quando foram descobertos. Na prisão, o professor soube seria possível resgatá-lo da cadeia. Machucado pelas sessões de tortura, ele tinha o filho Uri no colo quando perguntou o que poderiam fazer pelo menino e pela mulher. Nada, disseram-lhe. "Morrer é difícil?", perguntou. Os três foram fuzilados em algum lugar das ruínas do que fora o gueto.
A grandeza do livro do professor Kassow está na apresentação seca e metódica de uma história que tem tudo para deslizar na direção dos sucessos de bilheteria. Sua narrativa chega a ser chata quando descreve as tendências da esquerda judaica na Polônia.
Quando o leitor entra no gueto, percebe que Kassow lhe impôs o seu ritmo, calibrou-lhe a curiosidade. Ele é levado ao cotidiano do gueto pelo historiador, não é o gueto que vem a ele como mais uma história da Segunda Guerra. Não há alemão bonzinho como n'O Pianista, nem a sensualidade da camiseta molhada de uma prisioneira da "Lista de Schindler". Fome, medo, malvadeza e miséria aparecem sem que Kassow levante a voz. A naturalidade com que os alemães matavam. A violência da polícia judaica e o terror imposto pelas suas incursões sanitárias, raspando a cabeça das mulheres e varejando suas casas.
Os guerrilheiros de Ringelblum registraram as oscilações dos preços e salários, redigiram ensaios sobre a economia do gueto e cumpriram os projetos da pesquisa como se estivessem numa centenária universidade europeia. Ringelblum e seus guerrilheiros documentavam o Holocausto no seu aspecto mais terrível, o monótono cotidiano da fome e da humilhação.

Texto de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, de 25 de novembro de 2009.


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segunda-feira, novembro 23, 2009

A Casa Monstro na Bienal do Mercosul

A Casa Monstro na Bienal do Mercosul
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Dias atrás o historiador Voltaire Schilling lançou uma espécie de manifesto reclamando de certas obras que acabavam sendo recebidas como presentes pela cidade de Porto Alegre, ao final de edições anteriores da Bienal. Falou, por exemplo de um monumento às cuias exposto no Parque da Harmonia, de um outro em homenagem aos perseguidos pela ditadura militar finda em 1985, no Parque Marinha do Brasil, bem como o monumento em homenagem ao Marechal Castelo Branco erguido no Parque Moinhos de Vento, e de um monumento ao sol poente no final da Avenida Beira-Rio, junto à Avenida Padre Cacique. Schilling reclama que tais monumentos enfeiam a cidade, e são um fardo para os cidadãos.

Mas creio que o que assustou definitivamente Voltaire Schilling foi a manifestação da "Casa Monstro", na edição deste ano da Bienal do Mercosul.

Como é possível conferir na fotografia, a casa monstro é algo nauseante. Estive lá hoje, na terceira quadra da Rua da Praia. E acreditem, a impressão que a casa gera ao vivo é pior do que a da foto. É um pouco chocante.

A Casa Monstro não é uma questão apenas de feiúra, fealdade. Vai um pouco além. A minha racionalização é que o que me causou asco a tal edificação está relacionado à boa caracterização de coisas semelhantes a tumores se expandindo pelas aberturas da casa. A casa nos remete à doença, e isso nos deixa doentes. No meu caso, algo enojado. Na questão humana, a casa nos lembra da nossa fragilidade.

O que nos remete ao autor, e à felicidade que ele teve na produção da sua, digamos, instalação artística. A Casa Monstro nos remete para a doença que acomete nossas aglomerações urbanas, com suas exclusões, sua violência, sua... doença.

Mas acho que o Voltaire Schilling pode ficar tranquilo. Se não me engano, o autor da instalação afirmou que ela será desmanchada no final desta edição da Bienal do Mercosul.

A Bienal do Mercosul termina no próximo domingo, dia 29 de novembro.

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Desastre anunciado em Iguape

Desastre anunciado em Iguape

O desabamento da cobertura do Sobrado dos Toledos, na cidade, não é fruto de descaso iguapense; poderia ocorrer em qualquer outra localidade brasileira

CARLOS A. C. LEMOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nossa sociedade vista como um todo, englobando ricos e pobres, letrados e analfabetos, escuros e branquelas, "quatrocentões" e imigrantes recentes, certamente não pode ter uma única e generalizada acepção do que seja um bem cultural arquitetônico nacional. Sobretudo se ele foi apenas escolhido pelos órgãos oficiais de preservação de nosso dito Patrimônio Histórico e Artístico.
A razão disso está no multifacetado universo mental da população que não se comove com as seleções perpetradas por pessoas categorizadas chamadas pelos governantes para compor conselhos responsáveis pela definição do elenco representativo de nossa cultura material. Além do descompasso no julgamento de validades estéticas atribuídas aos bens escolhidos para tombamento, há entre as pessoas de pé no chão a sensação desconfortável do prejuízo dos proprietários alcançados pela providência de salvaguarda do Patrimônio.
Nessa hora, há muita solidariedade e há, também, o pensamento: quem tomba, que tome conta. Na verdade, tudo isso induz a uma ampla indiferença às preferências dos doutos conselheiros culturais. Não só indiferenças, mas também desacordo, que pode levar à desatenção às determinações legais e igualmente às da cidadania. O mal de tudo é que muita gente finge que aceita os bens classificados, nem tão belos nem tão históricos, segundo seu julgamento, porque não deseja passar por ignorante ou desatenciosa no convívio social com os seus pares ou com seus eleitores ou subordinados.
Isso é o pior que pode acontecer perante a notícia do perigo que corre um monumento tombado de desabar por abandono e descuido de sua estabilidade. Nesse momento crítico, todos ficam aparentemente condoídos e lastimosos, chorando a perda iminente da herança cultural, mas não há a vontade explícita de enfrentar o problema, vontade que até poderia ser política.
Derramam-se lágrimas de crocodilo e ninguém faz nada, ninguém tenta levantar a opinião pública a favor de um bem que, por ser cultural, é de interesse social e pertencente à cidade toda. Não é fora de propósito, por exemplo, uma coleta pública de dinheiro para aquele fim patriótico de preservar a memória dos antepassados. Enfim, essas linhas nasceram de nossa indignação ao receber a informação do desabamento total da cobertura do Sobrado dos Toledos, ocorrência há muito prevista pela valente "Tribuna de Iguape", que, para usar um chavão, ainda não se cansou de pregar no deserto.
Iguape tem uma história que nos vem desde os tempos de Martim Afonso e, também, dos peruleiros do século 16, contrabandistas de prata capitaneados por Rui de Mosquera; dos garimpeiros de ouro no alto Ribeira de Iguape desde o começo do século 17. A partir do início do século 19, o esplendor chegou à cidade com a riqueza trazida pelo cultivo do arroz. Entre o terceiro e o último quartel daquela centúria, Iguape era maior e mais rica que Santos, mantendo contato direto e frequente com o Rio de Janeiro, recebendo e fruindo de todas as novidades da corte.
Desde logo, engalanou-se de nobres sobrados de pedra e cal equipados com o mais rico mobiliário Luís Felipe, como era a moda. Louçaria também de origem francesa e muita prata lavrada. Jornais e ativa vida teatral.
No início daquele cenário de euforia, no segundo quartel do século, o vereador Toledo levanta o seu magnífico sobrado, não no estilo costumeiro, mas na nova manifestação estilística, o neoclássico trazido pelos artistas franceses chegados com D. João 6º. Pelo que sabemos, esse edifício é a primeira construção paulista derivada das lições do arquiteto Victor Grandjean de Montigny, o renovador de nossa arquitetura. É um exemplar importante de nossa história.
Com o passar do tempo, aquela vasta residência foi acabar nas mãos da Igreja, por sinal, bastante rica graças ao renome dos milagres do Senhor Bom Jesus, cuja imagem até agora venerada foi achada na praia da Jureia em 1647. Sua festa, em agosto, sempre levou à cidade milhares de romeiros, cujos barcos atulhavam o porto. Vinham embarcações não só dos litorais norte, isto é, do Rio, de Ubatuba, Santos e Itanhaém, mas também e, principalmente, do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.
Até o padre Guilherme Pompeu de Toledo, o opulento financiador dos bandeirantes do século 17, abalou-se de Santana de Parnaíba, no planalto, para verificar e aquilatar aquela fama milagreira e, talvez, apenas rezar, por mera manifestação da fé, já que não precisava de milagres de nenhuma natureza. O enorme afluxo de romeiros por três séculos, que costumavam acampar atrás da basílica, logo transformam o nosso sobrado em hospedaria improvisada destinada primordialmente a mulheres e suas crianças.
Sobretudo depois de seu tombamento pelo Condephaat, o imóvel histórico não mais recebeu trato algum. A Igreja, a proprietária, que sempre ganhou de presente tudo o que possui, devolveu ao povo, isto é, à prefeitura, a construção periclitante na forma de um comodato, tendo em vista sua reconstrução. Em resumo: o telhado desabou e as paredes desamparadas balançam com o trepidar dos veículos pesados.
Os leões de louça no alto dos cunhais da fachada, que tanto encantaram, em 1858, o viajante Robert Ave-Lallemant, olham para baixo preocupados com a altura a ser vencida brevemente em queda livre. Seus cacos certamente serão distribuídos às crianças da cidade pelos omissos, que sempre olham de lado, como lembranças inúteis daqueles que já se foram e que hoje dormem profundamente, como nos contou o poeta Manuel Bandeira; porque o mundo é dos vivos.
Sabemos que o leitor já intuiu que essa imagem poderá ocorrer em qualquer localidade brasileira, evidentemente o descaso não é apenas iguapense. É nacional. Essa ocorrência em Iguape não passa de um pretexto para um desabafo.

CARLOS ALBERTO CERQUEIRA LEMOS, arquiteto, é professor de pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

Texto publicado na Folha de São Paulo, de 9 de outubro de 2009.

Remete a outros já publicados por aqui, de igrejas mineiras do barroco colonial em ruínas e sob risco de desabamento:

Entre salvação e a ruína - patrimônio histórico em Santa Rita Durão, distrito de Mariana, MG

Igrejas do século XVIII podem ruir em Minas Gerais


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quinta-feira, novembro 19, 2009

Seria isto racismo?

Seria isto racismo?


Visito a agência de um banco brasileiro aqui na Rua Sete de Setembro. A rua Sete de Setembro é cheia de bancos. Neste caso é o banco familiar brasileiro.


Digo familiar porque o controle acionário pertence a uma família. Há uns 20 anos atrás havia mais bancos familiares brasileiros: o Auxiliar, por exemplo, pertencia a uma família mas foi liquidado extra-judicialmente nos anos 1980, ainda no governo Figueiredo. Tivemos o Mercantil de São Paulo, que acho que foi vendido ao Bradesco. O Banco Real foi vendido ao holandês ABN, e daí passou para o espanhol Santander. O Bamerindus foi comprado pelo britânico HSBC. Aqui no Rio Grande do Sul já tivemos Sul Brasileiro, Habitasul, Maisonnave, Banco de Crédito Real do Rio Grande do Sul. Todos sumiram, liquidados como o Sul Brasileiro, ou comprados como o Crédito Real. Assim, eu acho que bancos pertencentes a famílias só ficaram o Safra, o Itaú e o Unibanco. E estes dois últimos estão se fundindo. Ou o Itaú adquiriu o controle do Unibanco, o que dá quase no mesmo no final das contas.


Mas voltemos ao início do texto. Eu dizia que visitava uma agência de um destes bancos na rua Sete de Setembro, aqui em Porto Alegre. A rua Sete de Setembro é cheia de bancos.


Enquanto aguardo para ser atendido dou uma olhada ao redor, contei uns oito ou nove funcionários, entre gerentes e auxiliares de gerência e caixas. Todos brancos.


Está certo que Porto Alegre não é a cidade brasileira com o maior percentual da população com a tez escura, mas fiquei me perguntando porquê não haveria entre os funcionários de frente do atendimento da agência ao menos um funcionário negro ou mulato. O sistema de seleção para contratações não conseguiu achar uma pessoa educada o suficiente para trabalhar ali? Ou será que tal sistema de seleção, mesmo que de forma algo inconsciente, descarta candidatos pela cor da pele?


Talvez o banco assuma que os clientes sejam em sua maioria de cútis clara e não gostariam de ser atendidos por pessoas de cútis escura? Sei lá!


Ou talvez eu seja muito paranóico!


Certo é que Ali Kamel, funcionário das Organizações Globo, se deu ao trabalho de escrever um livro para demonstrar que nós, brasileiros, não somos racistas.


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quarta-feira, novembro 18, 2009

Lombinho Canadense

Lombinho Canadense


Na coluna Refogado, de Márcio Alemão, na revista CartaCapital da semana passada (no. 571, de 11/11/2009) consta a informação de que amigos dele expatriados ao Canadá, lá não encontraram o lombinho canadense, coisa que Márcio Alemão diz que só se encontra aqui no Brasil. Márcio Alemão sugere aos amigos que importem a tal iguaria.


Talvez ele esteja enganado. Talvez no Canadá o lombinho canadense seja apenas chamado de lombinho. Ou como aconteceu em um episódio do desenho animado Os Padrinhos Mágicos (“The Fairly OddParents”, no original), onde os pais do Timmy (que é o personagem principal do desenho) são surpreendidos indo comer comida chinesa na China, “nunca imaginei que um dia eu iria comer comida chinesa na China” diz um personagem, ao que outro responde, “É. Mas aqui eles só chamam de comida”.


Quem sabe seja o caso com o lombinho canadense.


Em tempo: a coluna de Márcio Alemão tratava da florescente indústria do vinho no Canadá, que possui nomes simpáticos como “The Organized Crime Winery”, ou “Megalomaniac”. Entre uma nevasca e outra deve haver um espaço físico e climático onde os canadenses possam plantar videiras e produzir vinho.


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terça-feira, novembro 17, 2009

Francesa se casa com namorado morto há um ano

Francesa se casa com namorado morto há um ano

Uma francesa se casou, no último sábado, com o namorado morto há um ano em um acidente de carro.

Em novembro de 2008, Magali Jaskiewicz e Jonathan Goerge moravam juntos havia seis anos e já tinham duas filhas quando deram entrada nos papéis e marcaram o casamento para janeiro deste ano.

Mas dois dias depois, Goerge sofreu um acidente fatal.

Jaskiewicz, no entanto, fez uso de um artigo do código civil francês que permite o casamento com uma pessoa falecida se ela já havia oficialmente dado início ao processo formal para realizar a união.

Cavalete

Apesar da lei, o casamento póstumo é raro na França, com apenas dezenas de casos registrados por ano no país.

Mas para conseguir realizar a sua união com Goerge, Jaskiewicz teve de esperar o processo passar por várias instâncias, até chegar às mãos da Presidência, que a acabou autorizando, em setembro passado.

Durante a cerimônia no último sábado, realizada na Prefeitura do vilarejo de Dommary-Baroncourt, no leste da França, Jaskiewicz usou o vestido de noiva comprado há um ano.

A seu lado, estava uma grande foto de Goerge sobre um cavalete.

"Não estou muito animada para festejar", disse a noiva, após a cerimônia. "Vamos tomar um chá e vou agradecer àqueles que me apoiaram."

"Jonathan é meu único amor", afirmou.

Jaskiewicz agora passa a considerada oficialmente como viúva.

Notícia da BBC Brasil.

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TV deixa de ser item mais importante entre os jovens

TV deixa de ser item mais importante entre os jovens

A TV, o eletrodoméstico de maior penetração no país, já não é considerado o item mais importante do dia a dia para a população jovem (de até 34 anos), segundo resultado de pesquisa feita pelo Ibope sobre hábitos de consumo de meios de comunicação.
Para a faixa etária de dez a 17 anos,o computador com acesso a internet é o aparelho mais relevante (com 82% no ranking de prioridade), seguido pela TV (65%) e telefone celular (60%). Dos 18 aos 24 nos, o líder do ranking passa a ser o telefone celular (78%), com computador ligado à rede (72%) e TV (69%) em sequência, o que tem pequenas diferenças em relação ao próximo grupo, dos 25 aos 34: celular (81%), TV (73%) e computador (65%). Na média geral da população, a TV fica na liderança da pesquisa, com77% de preferência.
Para Dora Câmara, diretora comercial do Ibope, os resultados também são explicados por um processo de convergência: quanto mais jovem a população, maior é a capacidade de acomodar os meios de comunicação de forma simultânea.
"Metade dos jovens de 12 a 19 anos costuma acessar a internet enquanto veem TV ou ouvem rádio", diz.
Apesar disso, 82% dos 800 entrevistados preferem consumir um meio de cada vez. Dora brinca que, apesar da evolução dos meios, "o homem ainda é versão 1.0", o que de certa forma explica essa preferência. "Estamos cada vez mais midiáticos, mas isso não significa que abandonaremos os meios mais antigos. Apenas incorporamos os novos em nossa rotina", diz Dora.


Trecho da coluna Toda Mídia, na Folha de São Paulo, de 26 de outubro de 2009.


As emissoras de TV deveriam ficar preocupadas.


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segunda-feira, novembro 16, 2009

IMG_0866 - Natal 2009


IMG_0866 - Natal 2009
Upload feito originalmente por Ze Alfredo
Natal 2009.

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Natal 2009.

091107_220152 - Natal 2009


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Upload feito originalmente por Ze Alfredo
Pois é. Os estabelecimentos comerciais já montaram sua decoração para o Natal.

Joseph Wiseman, intérprete do Dr.No nos filmes de James Bond, morre aos 91 anos



NOVA YORK, EUA, 21 Out 2009 (AFP) - O ator canadense Joseph Wiseman, conhecido, sobretudo, por ter encarnado o malvado "Dr. No" contra James Bond, morreu aos 91 anos, informou sua filha nesta quarta-feira.

O ator morreu segunda-feira (19) em sua casa de Manhattan, Nova York, contou a filha Martha ao "New York Times" e ao "Los Angeles Times".

Nascido em Montreal em 1918, Joseph Wiseman foi para os Estados Unidos quando criança. Brilhou nos palcos da Broadway antes de começar a gravar em Hollywood.

Atuou junto a Marlon Brando em "Viva Zapata!" en 1952, e a Burt Lancaster em "The Unforgiven" em 1960.

Mas o nome de Wiseman sempre ficará vinculado ao personagem do doutor Julius No, o homem sinistro com garras de ferro do famoso "O Satânico Dr. No", estrelado em 1962.

Neste filme de Bond, o agente é encarnado por Sean Connery; a intérprete feminina é Ursula Andress.

Wiseman atuou pela última vez na Broadway em 2001, numa adaptação da peça "Julgamento em Nuremberg".

Notícia e foto do UOL Celebridades.

As coisas são assim, aconteceu em 21 de outubro passado. A gente dá duas piscadas, e três semanas se passaram. O Satânico Dr. No foi o primeiro filme da série 007, de 1962. Eu me lembro de ter visto o filme na TV, em preto e branco, e depois ter revisto algumas vezes. Talvez eu venha a assistir novamente.

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quinta-feira, novembro 12, 2009

A 55a. Feira do Livro está quase terminando



A 55ª. Feira do Livro de Porto Alegre está quase terminando. Será encerrada no próximo domingo, dia 15, data da Proclamação da República.

Hoje, por exemplo, quinta-feira, 12, havia um intenso movimento de pessoas a passear entre as barracas, comprar algum volume, visitar a área de alimentação, isto é, os bares da Feira. Era visível no início da tarde também a grande presença de excursões escolares. Sim, porque as crianças e adolescentes, além de visitarem a Feira do Livro, podem visitar a Bienal do Mercosul, que se realiza concomitantemente à Feira, e está instalada em áreas próximas.

Apesar de pouco empolgado com a Feira deste ano, acabei por comprar mais livros do que havia comprado no ano passado. Coisas.

Termina no domingo!


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terça-feira, novembro 10, 2009

Segundo Zé Cabala, o campeão brasileiro será o...

Segundo Zé Cabala, o campeão brasileiro será o...

O UOL pediu que eu fizesse as previsões para o Campeonato Brasileiro. Como não é minha especialidade, fui atrás de quem realmente entende do assunto, daquele que é o periscópio do amanhã, daquele que enxerga o nascer do sol em meio ao negrume da noite, daquele que vê a árvore apenas olhando a semente, o adivinho dos adivinhos, o insuperável Zé Cabala.

Mal cheguei ao seu consultório e ele já deu mostras de seu poder: “Eu sabia que você vinha”, disse o sábio dos sábios.

"Eu tinha marcado hora."

"Mas eu sabia que seu pneu não ia furar."

Depois de mais esta demonstração de poder, decidi não perder tempo e falei:

“Supino mestre, preciso de suas previsões para o resto do Campeonato Brasileiro.”

“Olhe, minha bola de cristal está um pouco embaçada...”

“O UOL me autorizou a pagar quinhentos reais pela previsão.”

“Quinhentão? Pagamento adiantado?”

“Claro.”

“Pois por esse generoso dízimo direi com quantos pontos acabará cada um dos seis concorrentes ao título. Serve?”

“Sim, sim”, respondi animado.

“Vou passar uma flanelinha em minha bola de cristal e já volto.”

Dois minutos depois estávamos sentados em volta de seu mágico instrumento, que, confesso, sempre me pareceu um lustre de cabeça para baixo. O supremo haríolo entoou um mantra (algo como “obladi-obladá”), passou as mãos pela bola, e pôs-se a profetizar:

“Vou começar pelo Internacional. Ela vai ganhar do Barueri, lá em Porto Alegre não terá problema em passar pelo Santos, ainda mais que Luxemburgo não escalará Madson e Neymar desde o começo, vai perder para o Atlético no Mineirão, vence o Sport e ganha do Santo André.”

“Hum, ótima campanha. E o São Paulo?”

Ele respirou fundo e falou: “O Tricolor empata com o Grêmio no Olímpico, tropeça no Vitória e só empata, e aí joga contra o Botafogo. Agora espere um pouco, com o Botafogo é mais difícil enxergar o futuro. Ah, sim,vejo um empate. Contra o Goiás, em Goiás, perde de um a zero, gol de Fernandão. E ganha do Sport no último jogo.”

“E o Palmeiras, venerável mestre?”

“Esse vai começar perdendo para o Flu. Desde que fiz um trabalhinho para o Fred, o rapaz deslanchou. Depois ganha do Sport, pobre Sport.... No Olímpico, perde para o Grêmio. Então enfrenta o Atlético Mineiro em casa. Joguinho difícil, mas ganha. E aí tem o Botafogo, no Rio. Vale triplo? Não? Então vou de Botafogo.”

“Pode ver alguma coisa sobre o Cruzeiro.”

“Está tudo azul para ele. Ganha do Sport lá na Ilha do Retiro. E do Grêmio, em casa. Empata com o Atlético Paranaense, em Curitiba. E vence o Coritiba, em Beagá. Na última partida, contra o Santos, vitória fácil. Ainda mais que Luxemburgo não vai escalar Madson e Neymar desde o começo.

“E o Atlético, e o Atlético?”

“O Galo vai vencer o Flamengo, empatar com o Coritiba e ganhará heroicamente do Inter. Então vai perder para Palmeiras e empatar com o Corinthians.”

“Por fim, diga-me como serão os últimos cinco jogos do Flamengo.”

“Ele vai perder para o Atlético Mineiro, ganha do Náutico e do Goiás, empata com o Corinthians, num bom jogo de Ronaldo, e, por fim, ganha do Grêmio em casa.”

“Ótimo, mestre, com estas previsões já posso saber quem será o Campeão Brasileiro. Deixe-me ver...”

Então fiz as contas e vi algo que me deixou estarrecido:

“Mestre, pelas suas previsões, os seis times terminarão com 64 pontos!”

“Se é o que eu disse, é o que eu disse.”

“Mas agora eu preciso saber quem será campeão pelos critérios de desempate. Vitórias, saldo de gols, ataque, cartões vermelhos...”

Ele apoiou os cotovelos na mesa, cruzou os dedos, descansou o queixo sobre eles e disse: “Sinto muito, meu caro, aí são outros quinhentos.”

Por Torero às 07h40



Recebi isto pelo e-meio e copiei aqui. Acho que é originário do blog do José Roberto Torero.


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O pagador do sucesso

O pagador do sucesso

RIO DE JANEIRO - São frequentes os atores de cinema que se transformaram em bons diretores. Os casos mais notáveis seriam Chaplin e Orson Welles, passando por Vittorio De Sica, que começou como galã do cinema italiano e terminou como diretor de obras-primas, como "Ladrões de Bicicletas", "Umberto D" e "Milagre em Milão".
Anselmo Duarte, em nível nacional, lembra sobretudo De Sica. Quando estreou na direção, com "Absolutamente Certo", a crítica reconheceu que o eterno galã das chanchadas da Atlântida tinha jeito para a coisa, o filme ficava acima da produção daquela época. Mas era, ainda, uma extensão mais ou menos séria dos filmes populares que então eram feitos no Brasil.
Veio depois o impacto de "O Pagador de Promessas", que, antes mesmo da Palma de Ouro de Cannes, foi considerado um dos melhores filmes nacionais de todos os tempos. O prêmio internacional, paradoxalmente, se não fez mal ao filme, fez mal a seu diretor. Anselmo passou a ser negado não só pela crítica mas pelos colegas de ofício, notadamente o pessoal do cinema novo, que então começava a despontar.
Tentando desqualificar a Palma de Ouro, foi dito que o júri daquele ano dividira-se entre Buñuel e Antonioni, dois cobras assumidos do cinema internacional. Anselmo teria aproveitado a brecha e, namorando a presidente dos jurados, foi o tertius que levou a Palma e a sua alma.
Nunca se recuperou do trauma em sua própria terra. Funcionando sempre de olho nos prêmios internacionais, principalmente no de Cannes, os cineastas e produtores nativos eram unânimes em negar não só o filme mas, sobretudo, o diretor. Ensaios e livros são pródigos em elogiar os filmes do cinema novo, mas colocam uma pedra do silêncio em cima de Anselmo Duarte.

O texto é de Carlos Heitor Cony, na Folha de São Paulo, de 10 de novembro de 2009.

O ator e diretor de cinema, Anselmo Duarte, faleceu no final de semana passado. Foi o único diretor de cinema brasileiro vencedor de Cannes até agora. Mas pelo que dizem os necrológios, isto talvez lhe tenha feito mais mal que bem na época, e, a partir de então, na vida e obra de Anselmo Duarte.

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sábado, novembro 07, 2009

A São Paulo de Lévi-Strauss

A São Paulo de Lévi-Strauss

SÃO PAULO - "Um espírito malicioso definiu a América como uma terra que passou da barbárie à decrepitude sem conhecer a civilização. Poder-se-ia, com mais acerto, aplicar a fórmula às cidades do Novo Mundo: elas vão do viço à decrepitude sem parar na idade avançada". O antropólogo Claude Lévi-Strauss inicia com essas palavras, bem conhecidas, o capítulo sobre "São Paulo", o 11º de "Tristes Trópicos", dedicado a relatos e reflexões em torno de sua viagem ao Brasil.
Lançado só em 1955, 15 anos após a volta do autor à França, o livro tem um forte acento literário e ensaístico, o que o torna bom de ler.
Ao chegar a São Paulo em 1935, Lévi-Strauss diz que "não foi o aspecto novo que de início me espantou, mas a precocidade dos estragos do tempo". Logo adiante, ele ironiza o afã do progresso de uma cidade que se "desenvolve a tal velocidade que é impossível obter seu mapa: cada semana demandaria uma nova edição". São Paulo lhe parece em contínuo processo de construção e dissolução -um amálgama de novidades e ruínas incapaz de alcançar a civilização. Fisicamente, a cidade descrita não existe mais, o que comprova o acerto das observações.
Na década de 30, o provincianismo da sociedade paulistana impressiona e diverte o francês de espírito cultivado. "Tristes Trópicos" é cruel com nossas veleidades.
Como suas orquídeas prediletas, diz Lévi-Strauss, a elite paulista "formava uma flora indolente e mais exótica do que imaginava" -e a cultura, "até época recente, era um brinquedo para os ricos".
Falando sobre a USP, que ajudou a criar, Lévi-Strauss diz ter julgado seus colegas nativos com "uma compaixão um pouco arrogante". E explica: "Ao ver aqueles professores miseravelmente pagos, obrigados, para comer, a fazer obscuros trabalhos, senti orgulho de pertencer a um país de velha cultura, onde o exercício de uma profissão liberal era cercado de garantias e de prestígio". O tempo passou, mas "Tristes Trópicos" dá muito o que pensar.

Texto de Fernando de Barros e Silva, na Folha de São Paulo, de 4 de novembro de 2009.


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quinta-feira, novembro 05, 2009

Claude Lévi-Strauss (1908-2009)

O antropólogo Claude Lévi-Strauss faleceu.

O passamento foi na madrugada de sábado para domingo, mas a notícia parece que só foi divulgada ontem.

Lévi-Strauss esteve no Brasil, na década de 1930, e ajudou a montar a Universidade de São Paulo. Também viajou pelo Centro-Oeste e Norte do Brasil, onde pôde observar as tribos indígenas brasileiras.

De volta à França, se tornou uma referência em Antropologia.

Que posso dizer? Mais um autor que não li, mas deveria ler...


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De joelhos

De joelhos

A CULPA me encanta. Os olhos vidrados de dor, a alma torturada pela terrível verdade sobre si mesma.
A literatura está cheia de exemplos nos quais o herói ou a heroína chora de desespero pela consciência de sua responsabilidade no mal do mundo. Entre os vários erros cometidos pela cultura moderna, um deles é tentar negar que a culpa seja um instrumento essencial de humanização. Não existe experiência moral sem culpa. Nelson Rodrigues dizia: "Tire a imortalidade do homem e ele cai de quatro". Eu diria, seguindo sua maravilhosa intuição: tire a culpa e o homem cai de quatro.
Hoje eu gostaria de oferecer ao leitor um comentário sobre uma peça literária clássica na qual a culpa aparece em toda sua beleza. Ao contrário do que falam os especialistas em desumanizar o homem (afirmando que o estão libertando), a experiência da culpa é que tira o homem da banalidade do mal e o devolve à ação transformadora de si mesmo e do mundo à sua volta.
Dostoiévski é um clássico. Não vou entrar no debate de se podemos ou não falar de clássicos, no sentido de um conjunto de autores mais importantes para formar um ser humano. Dostoiévski e Shakespeare são melhores do que quase tudo o que a humanidade produziu em literatura. Quem nega isso, o faz por ignorância. Diante da mera ignorância, afirma-se uma teoria relativista qualquer para soar chique e esconder sua banalidade.
Enfim, lemos um clássico para saber quem somos. Enquanto você lê o livro, o livro lê você. É com esse espírito que proponho a leitura do conto "Sonho de um Homem Ridículo", de Dostoiévski, uma pérola da literatura moral. Voltando ao Nelson Rodrigues, eu diria que esse conto é o tipo de obra que você deve ler de joelhos. Nelson disse isso especificamente sobre sua peça "Senhora dos Afogados" -em cartaz atualmente em São Paulo: é uma peça a que devemos assistir de joelhos.
Estar de joelhos é a posição correta se quisermos pensar o humano na sua condição mais profunda: seu medo, sua insegurança, sua capacidade de amar ainda que seja um ser infinitamente efêmero diante da ordem indiferente do mundo, enfim, sua natureza de respirar o mistério.
Muitas vezes penso que chorar nos torna uma pessoa menos ridícula. As lágrimas colocam as coisas nos seus devidos lugares. Infelizmente, sistemas objetivos para produção de humildade (que muitas igrejas tentaram) apenas destroem a pessoa por meio da demanda desumana de obediência infinita. Independentemente disso, como diria o escritor francês Bernanos (século 20), "a humildade é sempre invencível".
O conto mostra um homem à beira do suicídio, como tantas outras figuras na literatura de Dostoiévski, que busca no autoaniquilamento a afirmação de sua liberdade para com um mundo horroroso. No caminho de casa, vê uma bela estrela e decide que é aquela noite a grande noite de seu suicídio. Uma menina pequena, em desespero, pede que a ajude com sua mãe doente, mas ele a empurra para o lado e segue para o seu glorioso suicídio. Chegando à casa, quando finalmente vai se matar, ele adormece e sonha. Em seu sonho, é levado a um paraíso onde as pessoas vivem sem sofrimento, sem mentira, sem agonia. De tamanha perfeição, elas nem falam, vivendo num eterno estado de torpor feliz.
O que de início será um encantamento com toda aquela beleza sem desespero logo se transformará num desespero pelo vazio que sente em si mesmo diante de tanta plenitude. Nosso homem ridículo descobre que não há amor onde não há sofrimento. Chora pela agonia do mundo (nosso mundo) e percebe que sua vida só tem sentido na medida em que é parte dessa agonia. Quando finalmente consegue trazer aqueles "perfeitos" para uma relação consigo, invejas e ódios se instalam entre os "perfeitos do segundo paraíso" por culpa de nosso herói ridículo e suicida, que passa a ser disputado como troféu. Agora, finalmente, ele os amava.
Acorda. Olha em volta. O desejo de se matar desaparecera. Vasculha o fundo da sua alma e já não é mais a mesma pessoa. O que havia mudado? O que havia mudado era que agora tinha consciência de que fora ele que destruíra aquele paraíso. Ele era a serpente. Nunca reconhecera sua face na narrativa bíblica de sua conversa com Eva. Essa descoberta o lança de volta ao desejo pelo mundo, em vez de paralisá-lo.
Levanta-se e, olhando nos seus olhos, leitor, ele afirma: vou continuar! Abre a porta e sai de casa em busca da menina.

Texto de Luiz Felipe Pondé, na Folha de São Paulo, de 11 de maio de 2009.


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Historia do Brazil, de Frei Vicente de Salvador

O novo regime social

Obra fundadora, "Historia do Brazil", de frei Vicente do Salvador, identificava a mestiçagem como central à formação do país, em 1630

JOÃO FRAGOSO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Acaba de chegar às livrarias a mais nova edição da "Historia do Brazil", de frei Vicente do Salvador, um dos clássicos da crônica colonial. Desta vez, a obra foi preparada por Maria Lêda Oliveira, historiadora pernambucana e investigadora da Universidade Nova de Lisboa, que nos brinda com um cuidadoso estudo sobre o homem frei Vicente, sua época, os códigos letrados de então e as edições anteriores, inclusive a de Capistrano de Abreu [1853-1927].
Esta nova publicação veio a calhar, pois ocorre em um momento em que a historiografia nacional começa a se desprender das chamadas "teorias da dependência", modelos que por décadas prevaleceram na explicação da economia brasileira dos séculos 16 e 17. Assim, a reedição é uma ótima oportunidade para olharmos de maneira mais crítica para a formação da sociedade brasileira.
Concluída, provavelmente, em 1630, a "Historia do Brazil" nos traz depoimentos de um homem a um só tempo jesuíta e filho de uma nobreza da terra baiana em gestação sobre as feições de uma sociedade que logo seria centro do império ultramarino luso. Vejamos isso com mais atenção.
Em 1656, menos de 30 anos depois de concluída a "Historia do Brazil", o Conselho da Fazenda da monarquia lusa expunha a situação de seu império. O outrora florescente Estado da Índia estava reduzido a seis praças, "sem proveito religioso e econômico".
Em contrapartida, o Brasil tornara-se a "substância principal" da monarquia e "Angola o nervo das fábricas do Brasil". Portanto, conforme o egrégio conselho, o sistema atlântico luso já estava constituído naquele momento.

Economia da escravidão
Os engenhos de açúcar espalhavam-se pelo litoral de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Da mesma forma, as produções de alimentos, encravadas ou não nas áreas agroexportadoras, abasteciam as gentes desta América. Completando o cenário, os escravos, cada vez mais, vinham de Angola, substituindo os chamados negros da terra (índios).
Esse sistema atlântico e escravista ampliou-se com a mineração e permaneceu como base da Monarquia lusa até 1822.
Diante desse panorama, uma pergunta parece inevitável. Como isso ocorreu? Afinal, em 1591, a estimativa do número de engenhos no Brasil era de apenas 63. Menos de 50 anos depois, em 1637, passava para 350. Segundo as toscas informações sobre o tráfico de africanos para o Brasil, entre 1580 e 1600, por ano, entraram 2.000 cativos e, na década de 1620, tais entradas já eram mais de 6.500 almas. Por conseguinte, em menos de 50 anos, os números de engenhos e de escravos africanos triplicaram, pelo menos. Assim voltamos ao nosso frade, contemporâneo dessa transformação do "Brazil". Por meio de uma leitura atenta de seu texto, podemos ter indícios da lógica social que presidiu aquela formação econômica e, consequentemente, as opções de seus agentes.
Em diversos capítulos ele nos relata, por exemplo, a ação dos Coelho, Albuquerque e dos Sá. Parentelas que, "à custa de suas fazendas e vidas", conquistaram partes daquela América, estendendo o domínio da monarquia de Pernambuco ao Maranhão e da Bahia ao Rio de Janeiro. Em seguida, cuidaram do "bem comum" das gentes, com o estabelecimento da Justiça, do mercado público e da defesa. Desse modo, começavam a funcionar as "repúblicas" ou municípios, sob a tutela do rei, porém dirigidos por Câmaras votadas pelos homens bons da terra, garantindo, tal como no reino, o autogoverno das comunidades. O relato dessas ações ocupa boa parte do livro e expressa práticas sociais conhecidas há tempos no Antigo Regime luso. Daí não nos causa espanto que Duarte Coelho, donatário de Pernambuco, e seu cunhado, Jerônimo de Albuquerque (os dois vindos da Índia), tenham recorrido a essas práticas. Sendo a mesma receita utilizada por Mem de Sá, governador geral do Brasil (1504-72), e cuja autoridade teve como um dos alicerces sua parentela e clientela, e não apenas os parcos recursos da coroa.

Índios e fidalgos
Com certeza, esses e outros conquistadores, ainda dentro das normas do Antigo Regime, foram remunerados por sua majestade. Ou melhor, receberam mercês na forma de vastas terras, foros de fidalgo, privilégios mercantis e cargos régios que lhes davam acesso aos recursos da jovem sociedade. Mais ainda, ganharam do rei o mando político das gentes. Porém, esse mando só foi possível por meio de outro expediente: as alianças com segmentos das populações indígenas. Aqui surgem, na crônica de nosso frei Vicente sobre a formação do "Brazil", outros atores, com menos recursos, porém, ainda, agentes: os índios. O filho de Jerônimo de Albuquerque, seu homônimo e conquistador do Maranhão (1548-1618), tratava os índios de suas terras como "sobrinhos", talvez por ele próprio ser mestiço, neto materno de um chefe indígena. Ou seja, ele era produto da aliança com frações indígenas. Aliados e aparentados a índios flecheiros, Jerônimo, os descendentes de Diogo Álvares Correia (Caramuru) e outros conquistaram terras e índios escravos. Conforme se sabe hoje, a "decolagem" dos engenhos de açúcar fora possível pela escravidão indígena. Aqui a evangelização, seja dos índios aliados ou conquistados, como sugere Vicente Salvador e sublinha Maria Lêda Oliveira, era essencial para o sucesso do "Brazil". Principalmente se lembrarmos que não se contava com o crédito de capitais ingleses e holandeses, como ocorreu no Caribe seiscentista, dispostos a comprar avalanches de africanos para as "plantations".
Os mecanismos de Antigo Regime permitiriam à América lusa, no século 17, inundar o mercado internacional de açúcar e comprar cerca de 40% do total dos escravos que cruzaram o Atlântico. Mecanismos que se traduziram em um sistema atlântico diferente do comandado por Londres e Amsterdã, este último mais afinado com o capitalismo ou algo que o valha. A "Historia do Brazil" fornece indícios das origens do sistema Atlântico luso de tipo antigo e mais de uma sociedade que conseguiu, a um só tempo, combinar a mestiçagem e uma forte ascensão social, e isso nos quadros de uma hierarquia social com traços estamentais.


JOÃO FRAGOSO é professor do departamento de história da Universidade Federal do RJ e coorganizador de "Conquistadores e Negociantes" (ed. Civilização Brasileira).



HISTORIA DO BRAZIL Autores: Frei Vicente do Salvador (vol.1) e Maria Lêda Oliveira A. da Silva (vol. 2) Editora: Versal (0/xx/21/2239-4023)
Quanto: R$ 212 (592 págs.)


Texto do caderno Mais!, da Folha de São Paulo, de 15 de fevereiro de 2009.

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