O absurdo da violência e a fragilidade da vida
Jovem é morta após pedir que ladrão devolvesse Bíblia
A estudante Karla Reis, 25, foi assassinada com um tiro na nuca diante dos pais, no Rio
Filha única, a moça voltava de um culto da Assembleia de Deus com os pais quando ocorreu o assalto; família afirma que ela não reagiu
ITALO NOGUEIRA
ANDRÉ ZAHAR
DA SUCURSAL DO RIO
A estudante Karla Leal dos Reis sairia ontem com os pais para comprar o presente de seu 25º aniversário, completados no sábado. Mas um assalto na noite de domingo interrompeu os planos e, em vez de comemorar mais um ano de vida da filha única, o porteiro Carlos Antônio dos Reis e a vendedora Iolete Fátima dos Reis tiveram que enterrá-la no cemitério do Catumbi, no centro do Rio.
A jovem foi morta diante dos pais, a poucos metros da sede da Prefeitura do Rio, por um homem que acabara de roubar sua bolsa. A família voltava de um culto da igreja Assembleia de Deus quando, por volta das 20h, foi abordada por três homens -um deles armado.
De acordo com o depoimento dos pais, a família tinha descido de um ônibus. Após serem abordados pelos assaltantes, Karla entregou a bolsa, mas pediu a um deles que devolvesse a Bíblia e seu crachá da Caixa Econômica Federal, onde estagiava no setor de análise de contratos habitacionais desde julho de 2008.
O assaltante devolveu a Bíblia e a jovem e os pais se viraram para sair do local. Sem motivo aparente, segundo os pais, o ladrão atirou na nuca de Karla. Ele jogou a bolsa no chão alguns metros adiante. Mesmo abalada, Iolete incluiu em uma prece, durante o enterro, o assassino da filha.
"Fico feliz porque ela agora está nos seus braços, mas, Deus, me dê forças e consolo. Eu não merecia uma filha tão maravilhosa, com uma passagem tão bonita pela vida. Acalme o Rio de Janeiro e o rapaz que fez isso, este coração aflito", afirmou ela a cerca de 80 pessoas que foram ao cemitério do Catumbi acompanhar o funeral.
"O que mais nos choca é o requinte de crueldade do bandido. Ele já havia praticado o assalto e atirou. Ele não tinha motivo nenhum, nem mesmo o assalto, porque ninguém reagiu", disse o pastor Fábio Borges, amigo da família. Karla é descrita como uma jovem reservada e dedicada.
Falava pouco e saía de casa apenas para a igreja, faculdade ou estágio. Durante a infância, morou na Vila Cruzeiro, uma das favelas mais violentas do Rio. Segundo um primo dela, Davi Reis, ela se formaria em administração em julho.
Considerada um "ponto de equilíbrio" na família, foi a responsável por converter os pais à religião. No velório, o pai segurava a Bíblia que Karla havia lhe dado. A jovem ajudava a família a pagar as contas com o que ganhava no estágio. "Ela estava sempre sorridente, gostava de ajudar os outros. É triste ver uma covardia dessas e não ter como agir", disse Davi.
De acordo com o pastor, ela nasceu prematura e "batalhou para sobreviver". "Ela era uma menina ótima, exemplar. Nasceu com complicações terríveis e batalhou para sobreviver. Venceu ao nascer e venceu na vida", afirmou ele.
Suspeitos
Ainda na noite de anteontem, a polícia deteve dois rapazes suspeitos de envolvimento no crime. Os pais de Karla afirmaram que não tinham certeza se eles participaram da ação. A polícia suspeita que os criminosos sejam do morro São Carlos, próximo ao local. Os latrocínios -roubos seguidos de morte- aumentaram 22% de 2007 para 2008 (subiram de 192 casos para 235), segundo o Instituto de Segurança Pública. Para especialistas, o aumento se deve ao acesso fácil de ladrões a armas.
Colaborou FÁBIO GRELLET , da Sucursal do Rio
Notícia da Folha de São Paulo, de 31 de março de 2009.
Marcadores: absurdo, perplexidade, vida, violência, violência urbana
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