sábado, maio 02, 2009

Um abismo entre a Legião Urbana e os Paralamas do Sucesso e um crítico com jeito de fã

Um abismo entre a Legião Urbana e os Paralamas do Sucesso e um crítico com jeito de fã


A edição desta quarta-feira do jornal Folha de São Paulo, no caderno de cultura, o Ilustrada, traz um artigo de José Flávio Júnior, comentando o lançamento em DVD de um show realizado pelos dois grupos do título para TV Globo em setembro de 1988. O título do artigo dá o tom: “Programa de TV mostra abismo separando Legião e Paralamas”.


Que fique claro que eu não vi o tal show, em 1988, ou se o vi, por algum acaso, esta lembrança foi perdida em algum canto escondido do cérebro. Assim não posso, de fato, analisar a qualidade das performances dos dois grupos brasilienses surgidos na década de 1980.


Mas me espantou um pouco o tom de fã, mais do que de crítico, das palavras do autor. Sim, porque o palavreado é mais afeito aos fãs. O autor confronta o “concerto catastrófico” realizado pela Legião no estádio Mané Garrincha,meses antes, que acabou com 60 presos e 200 feridos, com a “fase mais brilhante” da carreira dos Paralamas na mesma época. Atenção para o tom da reverência.


Dois parágrafos adiante, o autor aponta a “grosseria dos músicos da Legião Urbana”, diz que “as atravessadas do baterista Marcelo Bonfá são especialmente constrangedoras”, e que a voz de Renato Russo é claudicante. Assim os shows da Legião Urbana estariam “sempre à beira do fiasco total”. Uau! Acho que o autor do artigo não tem grande apreço pela Legião Urbana.


Já “Os Paralamas do Sucesso, por seu turno, são matadores quando entram em cena” é a frase que inicia o parágrafo seguinte. E eu já imagino o autor se curvando em veneração ao trio de Alagados. Fala em celebridades globais “soltando a franga” durante a apresentação dos Paralamas, e cita a atriz Cláudia Abreu “comentando a alquimia musical da banda de Herbert Vianna”. Mais genuflexão. A versão dos Paralamas para "Depois que o Ilê Passar", do bloco afro baiano Ilê Aiyê, é outro “sinal de que os Paralamas estavam um passo adiante de seus colegas de rock”. E encerra o texto com o seguinte parágrafo: “Juntas, as bandas tocam "Ainda É Cedo" e "Nada por Mim". Mas isso é praticamente no fim do especial, quando já está mais do que nítido o abismo entre os dois grupos.” Está bom?


Pode ser que eu esteja enganado, e o tal show de fato mostre impressionantes diferença de performances entre os dois grupos. Mas até que possa ver e constatar o meu engano, o que escrevi acima é a minha impressão do autor.


Abaixo o artigo original para que cada leitor possa fazer sua própria avaliação:


Programa de TV mostra abismo separando Legião e Paralamas

Apresentação na Globo de 1988 que reuniu as 2 bandas tem lançamento em DVD

JOSÉ FLÁVIO JÚNIOR
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Muitos fãs da Legião Urbana cresceram com a certeza de que o especial exibido pela Rede Globo em 3 de setembro de 1988, reunindo a trupe de Renato Russo e Os Paralamas do Sucesso, era uma espécie de pedido de desculpa.
Em 18 de junho do mesmo ano, a Legião protagonizara um concerto catastrófico em Brasília, sua cidade natal. Dos 50 mil presentes no estádio Mané Garrincha, 60 terminaram presos e mais de 200, feridos. Renato foi incapaz de controlar a turba. Na cobertura da Globo, aliás, apareceu como o principal responsável pelo caos.
Mas essa era a visão dos fãs. O certo é que, na data de exibição do programa, a revoltada "Que País É Este?" era um dos rocks mais cantados pela juventude. E que os conterrâneos Paralamas viviam talvez a fase mais brilhante de sua carreira, com cinco LPs lançados e a pecha de clone do Police diluída pela influência de música brasileira na equação sonora.
Exibido apenas uma vez na TV, "Legião Urbana e Paralamas Juntos", com direção de Jodele Larcher, chega ao formato DVD na íntegra, com depoimentos de Fernando Gabeira, Bussunda e Tony Ramos intercalando as performances dos dois grupos.
De bônus, apresentações de Legião e Paralamas fazendo playback no "Globo de Ouro", o extinto programa musical da emissora, bem como o videoclipe de "Que País É Este?" feito para o "Fantástico". Um CD do especial acompanha o luxuoso pacote.
A apresentação evidencia a grosseria dos músicos da Legião Urbana -as atravessadas do baterista Marcelo Bonfá são especialmente constrangedoras, seja em "Será", "Tempo Perdido" ou "Tédio (Com um T Bem Grande pra Você)".
Renato Russo, com voz claudicante e um cachecol em volta do pescoço, também não ajuda. O que acaba ilustrando bem o que costumava ser uma apresentação da Legião: algo sempre à beira do fiasco total.

Um passo à frente
Os Paralamas do Sucesso, por seu turno, são matadores quando entram em cena. Na execução de "O Beco", dá para ver bem a audiência do teatro Fênix (no Rio), composta por algumas celebridades globais, "soltando a franga".
Pouco depois de "Alagados", a atriz Cláudia Abreu pinta no vídeo comentando a alquimia musical da banda de Herbert Vianna. Ela aponta, com precisão, que há levadas de lambada no som -e "Alagados" é basicamente isso: uma adaptação de fraseados do guitarrista paraense Mestre Vieira, que inventou a lambada nos anos 70.
Outro sinal de que os Paralamas estavam um passo adiante de seus colegas de rock é a versão de "Depois que o Ilê Passar", do bloco afro baiano Ilê Aiyê. Pena que a edição do programa tenha mutilado o número, deixando apenas 50 segundos para apreciação.
Juntas, as bandas tocam "Ainda É Cedo" e "Nada por Mim". Mas isso é praticamente no fim do especial, quando já está mais do que nítido o abismo entre os dois grupos.


Do caderno Ilustrada, na Folha de São Paulo, de 29 de abril de 2009.


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