quinta-feira, fevereiro 25, 2010

Outros dois centavos sobre Avatar

Outros dois centavos sobre Avatar


Muita gente já falou sobre o recente filme Avatar, do diretor James Cameron. Aqui vão as minhas impressões entre a repetição de idéias já espalhadas por blogues e saites da Internet.



Antes de mais nada vamos falar sobre a palavra Avatar, que segundo o dicionário eletrônico Michaelis está ligada à encarnação de divindades em homens ou animais no hinduísmo, mais das vezes, por parte do deus Vixenu. De fato não conheço nada da teologia hindu, assim penso em paralelos com a mitologia greco-romana, onde os deuses se transformavam para se manifestar aos mortais. Então é isso, avatar é uma máscara, uma maneira de se apresentar. Nos videogames são “avatares” que representam o jogador junto ao ambiente da realidade virtual do jogo. E é uma máscara o corpo pelo qual humanos entram em contato com o povo que habita Pandora, que afinal é o mote de nosso filme. E, é claro, há ainda um desenho animado chamado “Avatar, a lenda de Ang”, mais ou menos popular entre a garotada, que mistura reinos que se digladiam e um menino que pode vir a trazer a paz ao mundo, entre artes marciais e um mundo assemelhado à cultura do extremo oriente, em especial a chinesa.


No filme de Cameron, avatares são corpos produzidos sinteticamente com DNA de seres humanos e dos seres nativos deste planeta Pandora, chamados Na'vi. Os corpos sintéticos são controlados pela “projeção da mente” de seres humanos neles. Um sistema interessante. Os humanos “dormem”, e controlam o corpo de seus avatares como se sonhassem. O que nos remete em parte para o livro de Gênesis, onde Deus fez primeiro corpos sem vida, a partir do barro, e então “soprou neles o espírito da vida”. Remete também à trilogia Matrix, onde seres humanos tinham seus cérebros ligados ao mundo virtual da Matrix. Eu poderia falar do romance Neuromancer, mas infelizmente não o li.


Dito o que já foi dito até agora, sobre o que seria o filme? A atriz Sigourney Weaver, a Dra. Grace do filme, disse que o filme é uma história de amor. Uma colega minha, depois de ver o filme, disse a mesma coisa. O Hermenauta fala em “uma instância do tema “going native”. Going native? Se lembra de Lawrence da Arábia, ou de “Um Homem Chamado Cavalo”? É mais ou menos por aí...

Jake Sully, um ex-fuzileiro naval americano que ficou paraplégico, deve participar de um experimento científico, com os avatares referidos no início do texto. Ele vai substituir seu irmão gêmeo, que era um cientista envolvido no projeto, mas foi morto em um assalto. O ano é 2154. O planeta Pandora é um planeta com clima quente (pelo menos na região mostrada no filme), que tem uma flora exuberante (novamente, no filme vemos o que chamaríamos de uma floresta tropical na Terra dominando o ambiente), e é habitado por uma fauna que tem semelhanças com os animais terrestres. Curiosamente muitos exemplares desta fauna tem seis membros em lugar dos quatro que são normalmente encontrados entre os vertebrados terrestres. Imagine cavalos com seis patas, rinocerontes com seis patas, grandes felinos com seis patas, macacos com duas pernas e quatro braços. E há também um grupo de bípedes inteligentes, com pele azul e estatura imensa, o povo na'vi. E eu me pergunto porquê os na'vi não desenvolveram quatro membros superiores além das duas pernas como tantos membros da fauna de Pandora, inclusive aqueles equivalentes aos macacos terrestres. Bom além disso, o planeta Pandora tem uma flora “Rave XXXperience”, como diz o Gizmodo Brasil.


E há Eywa, a deusa-espírito que anima o planeta, e com o qual todos os seres vivos do planeta estão conectados. Eywa é a deusa e a alma do planeta. O que lembra a “Hipótese Gaia”, de James Lovelock.


Os humanos não estão em Pandora apenas para admirar suas belezas e realizar experimentos científicos puros. Eles estão lá também para explorar as riquezas minerais do planeta. No filme há um mineral que deve ser uma riquíssima fonte de energia, para uma humanidade que continua sedenta de energia.


Um veio imenso do tal mineral está sob uma árvore gigantesca que serve como moradia a uma das tribos na'vi. Jake Sully deve se infiltrar e convencer os nativos a abandonar a área para que o mineral possa ser extraído, sob o risco dos na'vi serem expulsos ou dizimados pelos humanos.


Só que o espião e agente secreto vai se envolvendo com os nativos, se encantando com o novo planeta, e acaba se voltando contra os humanos invasores.


E há várias associações no filme.


Os na'vi parecem muito com nativos americanos (índios), ou com africanos antes da expansão colonial européia sobre o Continente Negro. A destruição da casa-árvore me lembrou algo que uma vez eu ouvi sobre um certo caminho das lágrimas percorrido por índios da América do Norte.


Lá pelas tantas o coronel, chefe dos militares-mercenários do filme, fala em “terror preventivo”, ecoando a retórica do governo George W. Bush, que gerou as invasões dos Estados Unidos ao Afeganistão (2001) e Iraque (2003).


E a questão de energia continuaria sendo um motivo de guerras, afinal um dos militares de filme fala de ter servido na Nigéria, e outro na Venezuela. Não deve ser coincidência estes nomes. Ambos os países são grandes fornecedores de petróleo nos dias de hoje.


E há uma ironia com o sistema de saúde nos Estados Unidos. Afinal é possível concluir que a medicina da metade do século XXII é capaz de fazer um paralítico voltar a andar, mas o soldo de um ex-marine não pode pagar por tal milagre.


Dito isto, há as tecnicalidades. O filme 3D é ótimo! Há momentos deslumbrantes, e, obviamente, momentos em que parece que alguma coisa vai sair da tela e nos atingir. Eu vi o filme duas vezes, uma na versão legendada, e a outra dublada. Quando assisti à versão dublada, onde me foi possível me concentrar mais nas imagens, tive instantes de mal-estar e enjôo. 3D no cérebro!


E eu fiquei torcendo para que construam logo um cinema imax aqui em Porto Alegre.


E este filme é uma fantasia fascinante. Praticamente tudo ali é fantasioso, falso. O planeta, o povo na'vi, os animais, inclusive as máquinas voadoras dos humanos, mas nós aceitamos a realidade delas. A ilusão do cinema é elevada a um novo patamar com o filme Avatar.


E eu saí do cinema com essa sensação de encantamento. Uma sensação de bem-estar. Deve ser por isso que li uma crítica moralista contra o filme, que, em resumo, acusaria o filme de ser um anestesiante para a realidade social adversa que nos rodeia. Segundo esta crítica, os espectadores sairiam da sala de cinema tão felizes ou satisfeitos com a justiça prevalecente no filme, que não precisariam ou quereriam mudar esta realidade acre em que vivemos. Quase senti o autor igualando filme de Cameron (e talvez certo tipo de cinema) à religião citada como ópio por Marx. Neste caso, certamente um exagero.


E estes foram os meus dois centavos sobre Avatar.


Marcadores: , , ,