sábado, maio 30, 2009

Devemos permanecer leitores

Devemos permanecer leitores

Ronaldo Correia de Brito
Do Recife (PE)

A impressão que fica de "O Leitor Comum", livro de Virgínia Woolf, publicado pela Graphia, é a de que a escritora encadeia os seus textos buscando alcançar um público que se diferencia do crítico e do professor. Ela começa com um ensaio curtíssimo, quase um prólogo, que se ocupa de uma frase de Johnson: "Agrada-me concordar com o leitor comum"; e fecha com um ensaio mais longo sobre Como se deve ler um livro, dizendo: "O único conselho, de fato, que uma pessoa pode dar à outra sobre o ato de ler é não seguir conselho algum, seguir seus próprios instintos, usar suas próprias razões, chegar a suas próprias conclusões".

Em ensaios em que louva Jane Austen, Defoe, Conrad, Thomas Hardy, Scott e outros, o tema do leitor e do crítico aparece sempre. Há quase a sugestão de que uma obra deve possuir clareza e ser escrita para agradar aos leitores; e de que o autor deve contar a verdade sobre si mesmo, revelando-se. Mas é quando escreve Como atacar um contemporâneo e Ficção moderna, que Virgínia Woolf mostra um lado belicoso que não é fácil reconhecer em seus romances e contos. Ela ataca a crítica - "resenhistas nós temos, mas não críticos" -, achando-a contraditória na avaliação dos contemporâneos, nunca coincidindo nas opiniões, mas emitindo os mesmos comentários generosos sobre autores mortos e consagrados.

Nem é preciso ler o subtexto do livro para descobrir as preocupações da autora. Ela busca o reconhecimento do lugar que ocupa na moderna literatura inglesa. Sempre que pode é generosa e condescendente com seu tempo e com o esforço de escrever: "Nenhuma época pode ter sido tão rica quanto a nossa em escritores determinados a expressar as diferenças que os separam do passado e não às semelhanças que os conectam com ele". Embora poucas linhas adiante mergulhe no pessimismo: "Livro após livro nos deixam com a mesma sensação de promessa malograda, de pobreza intelectual, de brilho que foi roubado da vida, mas não transmutado em literatura". E como leitora apaixonada, também aponta defeitos nos autores que ama, para mais adiante reconhecer nesses mesmos defeitos as qualidades que os consagraram.

Todos os ensaios discorrem sobre a permanência e o esquecimento dos livros. E sobre o leitor, o único capaz de mantê-los vivos, através da leitura. Virgínia Woolf temia o esquecimento a que tanto se refere. Insiste na crença do autor na sua obra: "Basta acreditar, nos surpreendemos a dizer, e tudo o mais virá por si mesmo". E parece aceitar um lugar menos privilegiado na história: ... "seria sensato aos escritores do presente renunciar à esperança de criar obras-primas". E um pouco mais esperançosa: "É dos cadernos do presente que as obras-primas do futuro são feitas".

Sentimos que "O leitor comum" foi escrito por uma leitora apaixonada, que também era romancista. Existe um quase enredo entremeando os capítulos, o amor aos livros e seus autores, e um incitamento permanente ao ato de ler. Amor irrestrito, não apenas ao que foi consagrado, mas também ao que desponta. Insegura, talvez, quanto ao futuro do que escrevia, Virgínia Woolf condescende: "Toda literatura, à medida que o tempo passa, tem seus montes de entulho, seus registros de momentos findos e vidas esquecidas contados em tom vacilante e medíocre que se deterioram. Mas ao se entregar aos encantos da leitura de certas tolices você pode se surpreender, ser deveras conquistado, pelas relíquias da humanidade que foram banidas do que se considera modelo".

"O leitor comum" é uma relíquia que nos conquista.

Texto do Terra Magazine.


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