terça-feira, dezembro 08, 2009

Distrito 9

Distrito 9

Já faz algum tempo que assisti o filme Distrito 9, ficção científica sul-africana um pouco diferente, vamos dizer assim.


E por ser diferente, já ouvi manifestações curiosas. A primeira foi de meu filho que me acompanhou ao cinema naquele final de semana. Ele ficou indignado com o tratamento indigno dispensado aos extra-terrestres que resolveram aparecer em Joanesburgo.


Outra foi no blog do Hermenauta. E, no caso, me chamou a atenção que ele tivesse prestado atenção que as armas dos extra-terrestres só podiam ser acionadas por código genético de usuários extra-terrestres, mas essa seria uma limitação que a tecnologia humana, sul-africana inclusive, teria condições de contornar.


Em mim, o efeito foi diferente. Eu vi o filme como uma paródia, ou uma sátira. Lembro nesse caso de um autor que eu deveria ter lido, mas não li (mais um): Jonathan Swift. Aquele das viagens de Gulliver, e que sugeriu a venda e o cozimento das crianças irlandesas pobres para aplacar a pobreza de seus pais e saciar a fome dos ricos da Irlanda do século XVII.


Li em algum outro lugar que nesse filme os extra-terrestres não assumem o papel que normalmente se espera de extra-terrestres na longa filmografia de ficção científica. Na filmografia geral, ouos extra-terrestres são seres sábios que vêm tentar ensinar a humanidade a viver de forma mais digna (pense em E.T. - O Extra-Terrestre, de Spielberg), ou são agressores vindos para eliminar a humanidade e se apossar dos recursos do planeta (como em Independence Day, de Roland Emmerich). No caso de Distrito 9 nenhum destes papéis cabe aos extra-terrestres chegados à África do Sul. São simplesmente um grupo de extra-terrestres indo de seu planeta para algum outro lugar no universo, e que acabam aportando por aqui, com sua nave avariada. Intrigados, depois de alguns dias de expectativa, os terráqueos, sul-africanos resolvem invadir a nave espacial. Encontram um grupo de extra-terrestres em lamentáveis condições sanitárias e com fome. Estes extra-terrestres são recebidos como refugiados, e colocados neste Distrito 9, uma espécie de gueto, na periferia de Joanesburgo.


Agora, a presença dos ET's está incomodando seus vizinhos humanos, e o governo sul-africano decide que eles deverão ser deslocados para o Distrito 10 a mais de 200 km da cidade. Uma corporação militar privada (“private militar corporation”, o que muitas pessoas, este blogueiro inclusive, costumam chamar de empresa de mercenários moderna), chamada Multinational United – MNU, é encarregada da transferência, e um de seus funcionários Wikus van de Merwe deverá liderar a tarefa. E em torno disso se dará a narrativa do filme.


Contudo um incidente acontecerá com Wikus, que o transformará, e o levará de encarregado da transferência dos ET's a ser, ele mesmo, perseguido pela companhia da qual era funcionário.


E eis porque eu vejo o filme como uma grande sátira: O filme começa com uma série de depoimentos de cientistas e jornalistas sobre o aparecimento da nave espacial sobre os céus de Joanesburgo. Como se se tratasse de um documentário. Brincadeira do diretor com os espectadores.


Logo no início do filme, o narrador comenta que os sul-africanos ficam surpresos que o tal disco voador tenha aparecido sobre Joanesburgo, e não sobre Los Angeles, ou Chicago. E isso me soou como uma piada.


Os ET's são retratados como refugiados. E o distrito 9 se tornou uma imensa favela, formada a partir do que era originalmente um campo de refugiados. Mais ou menos como os campos de refugiados que se formam em diversas partes do mundo, a partir de gente fugindo de guerras, o que é mais comum, ou fugindo de catástrofes climáticas. Campos de refugiados iraquianos se formaram na Síria e na Jordânia após a invasão ao Iraque liderada pelos Estados Unidos, em 2003. Campos de refugiados sudaneses se formaram no Chade, por conta da guerra civil no Sudão na região de Darfur. Recentemente o Brasil recebeu palestinos que estavam há duas gerações acampados no Iraque, refugiados da guerra de criação do Estado de Israel. O filme Diamante de Sangue, de Edward Zwick (2006) mostra o protagonista, Solomon Vandy querendo retirar sua família de um campo de refugiados, para onde fugiu da guerra civil de Serra Leoa.

Enfim, acho que deu para pegar a idéia. Me parece que o diretor critica os campos de refugiados que existem ao redor do mundo, e a forma como seres humanos são amontoados neles. Nas reportagens da TV, campos de refugiados são sempre uma tragédia humana, ao mesmo tempo em que parecem um estorvo para os países que os recebem.


A empresa de mercenários que deve organizar o deslocamento se chama Multinational United, sigla MNU. Esta sigla fica muito parecida com a sigla ONU, a conhecida Organização das Nações Unidas. Em inglês, o nome é UN, ou “United Nations”, mas em francês é ONU - “Organisation des Nations Unies”, e em espanhol é ONU - “Organización de las Naciones Unidas”. E a pintura dos veículos da Multinational United é igual a dos veículos da ONU, branca com letras azuis. E estes veículos são veículos militares pintados com as cores da ONU para missões de paz. Me parece que o diretor fez uma confusão deliberada aqui para criticar o papel da ONU na manutenção dos campos de refugiados ao redor do mundo.


Por fim, antes do incidente que mudará sua vida, é notável a insensibilidade de Wikus e seus assistentes no trato com os extra-terrestres. Os termos pejorativos, como “camarões”, para se referir aos ET's, as piadinhas, o desprezo, … Fiquei me perguntando se isso seria uma crítica à maneira como os brancos, em especial os africâneres, descendentes de holandeses, tratavam os negros durante o regime do Apartheid (1948-1994) na África do Sul.


Tecnicamente os efeitos especiais parecem um pouco toscos para quem está acostumado com o padrão Hollywoodiano de produções cinematográficas. Há algumas seqüências mal feitas. Mas é um filme interessante.


Uma paródia.


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