terça-feira, março 02, 2010

O Futuro da Memória, de Gordon Bell e Jim Gemmell

A evocação do Big Brother de George Orwell – que a todos observa, controla e comanda –, quando surge, é sempre pejorativa. Seja por causa do Big Brother, o programa de televisão (que, aliás, tem pouco a ver com isso); seja por causa do medo de que o estado ou “as empresas” ou algum ditador venha(m), futuramente, a fazer isso. Contudo: algo de que não nos damos conta é que estamos, mais e mais, despejando, naturalmente, nossos dados, e registrando nosso dia a dia, e nossos movimentos, através da internet e de dispositivos a ela conectados. Por exemplo, nossos e-mails: quem usa uma ferramenta como o Gmail, ou similar para webmail, está registrando, por escrito, parte dos seus dias – para que, no mínimo, o Google acesse e saiba tudo o que houver ali para saber. Do mesmo jeito, quem tira fotos e, continuamente, as publica na Web. Ou, ainda, as “redes sociais”, onde registramos nossas relações, nossos círculos, nossos laços afetivos. Ou, mais prosaicamente, os bancos e as empresas de cartão de crédito, que estocam as informações sobre tudo o que consumimos, nossos hábitos, nossas preferências. Gordon Bell e Jim Gemmell, em O Futuro da Memória (Campus), simplesmente defendem que não há como fugir – e que esse processo, talvez, não seja tão trágico quanto previu Orwell em 1984. Bell e Gemmell acreditam que, no futuro, com a queda histórica no preço de armazenamento, processamento e transmissão de informações (Lei de Moore), nossa vida inteira registrada não vai custar muito caro. E com um buscador extremamente poderoso – como um Google (auto)biográfico –, poderemos resgatar desde imagens até cenas inteiras, desde conversas até vivências inteiras. É o que estão chamando de Total Recall. As implicações, em muitas áreas, são incontáveis. Implicações éticas, inclusive. Pessoas mortas, por exemplo, nunca deixarão de “existir” – por causa de seus registros. E talvez o “memorioso”, do conto de Borges, finalmente se materialize – com o alcance, infinito, da tecnologia... (Lembrando que leva, justamente, uma vida para reconstituir toda uma vida...)

Visto no Digestivo Cultural.

Marcadores: , ,