quinta-feira, março 18, 2010

Sobre Avatar

Eu não ia nem assistir Avatar. Eu não me interesso muito por filme de fantasia. E nem me interessava por ficção científica. Cada vez me interesso mais. A nossa sociedade foi ficando tão boba e os anseios ocidentais são tão idiotas que só filmes desse tipo dão conta de retratar toda a estupidez do imaginário. Eu gostei demais de Avatar, esse é o ponto. Primeiro por conta desse negócio de fazer o avatar dos nativos. E toda essa construção que a gente tem de diferença eigualdade através do corpo. É sempre a partir disso que vamos montando o nosso quadro de afinidades. E aí pra ser na'vi você tem que ser azul. E depois, no final, aquilo de tentar levar acientista e o Jake pro corpo dos na'vi pra sempre e tal. Veja que eu pensei mesmo que Shrek e mesmo A Bela e a Fera eram um marco da superação do corpo. E volta esse resgate todo e tals. Eu gosto muito disso, de olhar pra isso. Mas o melhor do filme, pra mim, foi constatado a partir de um comentário do meu irmão. Que assistiu comigo. Quando avisam os na'vi que os americanos vão invadir. E eles não temem o suficiente. Meu irmão disse "esses na'vi são uns tontos, eles tem que fugir". E eu acho que esse é o xis da gaita de todos esses filmes a respeito daeliminação sistemática do Outro. É que o Outro nunca tem a menor ideia. Do tamanho da maldade na nossa cultura. O quanto somos capazes de ser maus e de não ter escrúpulo. Acho que a gente relativiza tanto pra dar conta mesmo. Da nossa flexibilização moral. Que é quase infinita. E então ninguém é tonto. Nem na'vi nem Incas nem ninguém. Eles apenas não conseguiram imaginar o tamanho do Mal. Porque é realmente uma construção social muito bem engendrada, a nossa maldade. Ela não é da natureza humana. Nós tivemos um trabalho imenso para construí-la e isso nos tornou imbatíveis mesmo. Todos os confrontos com o Ocidente simulam algum tipo de combate inteligível, né? Então temos os EUA fazendo isso e o Iraque respondendo com aquilo. Uma coisa assim. E de repente. Degringola. Todo mundo se lembra da primeira noite de ataque dos EUA ao Iraque. Aquilo que põe fim a qualquer tentativa de interação etc. É avassalador. E com tudo é assim. A empresa vai lá e conversa com a aldeia de pescador. E o líder dos pescadores fala isso, o porta-voz da empresa fala aquilo. E aí panz. Num belo dia são tratores e motosseras passando por cima. E eu acho que é isso que mais incomoda todo mundo por aqui. A gente sabe que toda negociação, todo diálogo é uma ilusão. E aí aquelechefe dos fuzileiros no filme. Impaciente com a simulação. E ele fica num papel de vilão, mas na verdade é o herói. Porque todo mundo ali conhecia o desfecho e só ele tratava com transparência. Então eu gostei muito de toda essa construção no filme. Que a gente já sabe o desfecho e assiste ele ser adiado e tals. Como todo mundo, eu acho que o final não deveria ter sido feliz. E embora eu ache que ainda é recorrente, discordo demais do "amor pela natureza"como alternativa para a maldade. Parece ser a única que encontramos. E então o final é sempre pobre. Se eu acho que a eliminação do Outro pelo ocidente deve ser ainda discutida, considero que precisamos de outras alternativas para o incômodo. E eu não tenho ideia de qual seria. Os dois focos de resistência "humana"* também me agradaram. A cientista pelo motivo óbvio. Oirmão da Phoebe chega a verbalizar. Essa merda paga a sua ciência. E isso é um ponto. Porque essa ideologia de combate à maldade através da natureza, acaba combatendo a própria ciência. A gente sabe que a ciência é o maior pilar do capitalismo e não é possível que ela seja usada para outros fins que não o da eliminação dos obstáculos para o capital. Introdução ao marxismo de boteco, eu sei. Mas é a pura verdade. O Jake porque os motivos dele são todos extremamente individuais. Primeiro ele quer andar. Depois ele se apaixona por uma na'vi. O único papel que vale a pena é o da moça que pilota o helicóptero. Ela seria a única antissistêmica. E veja que ela não fez papagaiada de vestir avatar azul nem nada. Ela apenas se opôs e tal. Como a gente pensa que faz. Nós pensamos que essa lógica da maldade acontece fora da gente e tal. Enfim. Eu gostei do filme por esses motivos. E por aqueles outros. Eu gostei da rede em que eles dormem. E dos troncos da floresta. Achei bonito.

*Na verdade, humanos norte-americanos.

Origem: A Feminista.

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