quinta-feira, setembro 16, 2010

Aborto...

AS DISCUSSÕES sobre o aborto despertam o poeta que há em nós. Uma amiga disse-me hoje que era favorável ao aborto livre porque só existe vida, ser humano, "pessoa", quando existe um nome.
Entendo a metáfora: o feto converte-se em vida quando somos capazes de projetar uma identidade nele. Quando o feto deixa de ser feto e passa a ser, sei lá, Maria ou Manuel. Quando é, no fundo, desejado.
Em silêncio, ainda contemplei as vantagens de uma legislação que consagrasse essa espécie de "validade onomástica": os pais evitavam dar nome ao filho até os 12 ou 13 (anos, não meses) e esperavam para ver.
Se ele fosse um adolescente típico, com maus modos e péssima higiene, seria sempre possível despachar a "coisa", a inominada "coisa", para o outro mundo. E por que não?
Se o feto só é vida quando somos capazes de imaginar uma vida para ele e com ele, a própria noção de "vida humana" deixa de repousar nas mãos do mistério (evitemos referências ao patrão lá de cima) e passa a ser opção de cada um.
Como, na verdade, já é: podemos mascarar a discussão sobre o aborto com quilos de retórica social, feminista, criminal ou sanitária.
Mas a "liberalização do aborto" parte de uma atitude filosófica que consiste em "privatizar" a noção de vida humana.
Para uns, é Maria. Para outros, é um amontoado de células (benignas) que se remove como se removem as malignas. Caso encerrado.

Trecho da coluna de João Pereira Coutinho, na Folha de São Paulo, de 31 de agosto de 2010.

A coluna se chama “Abortos, Canibais e Peregrinos”, e como tal está dividida em três pedaços, o que está acima é sobre o aborto. Sobre canibais há um comentário sobre uma notícia (falsa) de um restaurante brasileiro em Berlim, que serviria carne humana aos clientes que se dispusessem a fazer uma refeição lá. Era “pegadinha”.

Sobre peregrinos ele relembra a comparação feita pelo historiador britânico Paul Johnson de que os fãs de ídolos pop de hoje são semelhantes aos crentes de outrora atrás de uma relíquia de santos e beatos. Ele comenta que um vaso sanitário de John Lennon recebeu oferta de 9.500 dólares em um leilão, e o vaso do escritor J. D. Salinger recebeu oferta de um milhão de dólares. Para Coutinho, isso ainda demonstraria a superioridade da literatura sobre a música pop no imaginário de seus fãs. Talvez, mas não penso que deva ser uma absoluta verdade...


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