terça-feira, dezembro 15, 2009

Lombardi, vítima do mito

Lombardi foi prisioneiro do mito

TONY GOES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Certa vez alguns executivos do SBT tiveram uma ideia engraçada: propor à revista "Caras" uma matéria com o Lombardi, mostrando em detalhes a casa e a família do locutor mais famoso do Brasil.
Só uma coisa ficaria de fora: o rosto do locutor. Boa-praça como sempre, Lombardi topou na hora. Mas o projeto não foi adiante, porque esbarrou no veto de Silvio Santos. O apresentador fazia questão absoluta de manter a aura de mistério em torno do dono da voz que se confundia com a própria identidade de sua emissora.
Nos últimos anos essa proibição foi se abrandando. Apesar de jamais aparecer no vídeo, a cara de Lombardi não era mais tabu. Bastava uma "googlada" ou uma fuçada no YouTube e lá estava ele: um senhor de aparência comum, quase sempre de óculos escuros.
O locutor chegou a dar uma entrevista para um repórter da megarrival Globo na concentração da escola de samba Tradição, que em 2001 desfilou com um enredo em homenagem a Silvio Santos. Mesmo assim, o segredo continuava -ainda que em tom de brincadeira, com direito a comunidades no Orkut do tipo "Quem é o Lombardi?".

Quase uma estrela
Ele era realmente único. Voz e nome conhecidíssimos do Oiapoque ao Chuí, imitadíssimo por profissionais e amadores, a escada perfeita para a exuberância de Sílvio. Desde a era de ouro do rádio, nunca ninguém ficou tão célebre sem ter um rosto conhecido pelo público. Qualquer canal de TV tem seus locutores oficiais, que dão voz a chamadas e aberturas de programas. Mas são todos sempre anônimos, e nenhum pode se considerar uma estrela.
Lombardi era quase uma estrela. Instantaneamente reconhecível como um símbolo do SBT, ele não recebia da emissora um tratamento à altura. Seu salário era uma fração do que recebem os grandes nomes da casa. O homem virou vítima do personagem: seu campo de trabalho era limitado, porque estava por demais associado a um canal de TV. Pela mesma razão, não recebia propostas para mudar de emprego. Foi ficando, ficando, ganhando pouco e sem maiores perspectivas, prisioneiro de um mito construído ao longo de 35 anos.
Dificilmente haverá outro Lombardi. Seu estilo empostado está fora de moda, e os próprios programas de auditório parecem caminhar para a extinção. Mas vai deixar saudade, porque faz parte da memória afetiva de várias gerações de brasileiros. Afinal, quantos locutores podem se gabar de estarem sempre associados a momentos de alegria?


Texto publicado na Folha de São Paulo, de 6 de dezembro de 2009.

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