terça-feira, janeiro 11, 2011
Não pretendo mais atualizar este blog.
Você pode continuar acompanhando os textos de terceiros que acho interessantes no meu novo Colagens do Umbigo e do Mosca Azul.
Textos meus poderão ser encontrados no Novas Voltas em Torno do Umbigo. Pela minha experiência, textos meus deverão surgir em períodos variando entre 15 e 45 dias. Mas mesmo isso não é certo.
sexta-feira, dezembro 31, 2010
O que é necessário ter na caixa de primeiros socorros?
O que é necessário ter na caixa de primeiros socorros??
.
- Óculos
- Elástico
- Curativo
- Lápis
- Borracha
- Chiclete
- Balinha
- Saquinho de chá instantâneo
- Fio dourado
Para quê?
Óculos
Para lembrar de ver nos outros todas as qualidades que eles têm...
Elástico
Para lembrar de ser flexível, já que as coisas e as pessoas nem sempre são da forma que queremos que sejam.
Curativo
Para ajudar a curar aqueles sentimentos feridos, tanto os seus como os das outras pessoas.
Lápis
Para registrar diariamente o que lhe acontece de bom (e são muitas coisas...).
Borracha
Para lembrar que todos cometem erros (inclusive você) e devem ter a oportunidade d corrigi-los.
Chiclete
Para lembrar-se de “grudar” nas pessoas que são realmente importantes na sua vida e que o dia a dia pode fazer esquecer...
Fio dourado
Representando a família e os amigos mais íntimos, pois eles valem ouro.
Balinha
Para adoçar a sua vida e principalmente a do próximo, para lembrar que todo mundo precisa de um beijo, um abraço e uma palavra de carinho diariamente.
E finalmente o Saquinho de Chá, para quê?
Para que no final do dia você descanse, relaxe e reflita sobre o que falta na sua caixinha de primeiros socorros.
“Talvez para o mundo você seja apenas alguém, mas para alguém você é todo o seu mundo.”
O texto acima, foi recebido de alguém, na passagem do Natal. Achei uma mensagem simpática, fofa mesmo, de forma que estou reproduzindo-a nesta passagem de ano.
Feliz 2011!
Marcadores: ano novo
O silêncio
O silêncio
O VENTO FRIO, aos golpes, anunciava que o inverno estava se aproximando. Nuvens cinzentas cobriam os Alpes, navios que navegavam velozes. Era um velho mosteiro de freiras que praticavam o silêncio, costume abençoado que libertava as pessoas da obrigação de conversar com os vizinhos às mesas de refeições. Conversar por delicadeza quando não se quer falar e não se tem sobre o que falar é uma maldição.
Hóspede naquele mosteiro, eu deveria obedecer aos horários e participar dos eventos. Fui, então, informado de que parte da disciplina do mosteiro era participar da liturgia três vezes por dia: às 6 da manhã, ao meio-dia e às 6 da tarde. Estremeci. Tenho horror a sermões. Mas me conformei.
O santuário era um velho celeiro de madeira hexagonal, muito grande e escuro, sem janelas. Os arquitetos, para por luz nas sombras, abriram buracos nas paredes de madeira, cobrindo-os com vidros coloridos. A luz do sol, entrando pelos orifícios e atravessando os vidros coloridos, faziam desenhos no espaço vazio, desenhos que se deslocavam à medida em que o sol caminhava pelo céu.
Era uma atmosfera de luz mortiça, iluminado por algumas velas sobre o altar, uma mesa simples com um ícone oriental de Cristo, ao estilo da arte bizantina.
Uns poucos bancos arranjados em "U" definiam um espaço vazio, no centro, onde quem quisesse podia se assentar numa almofada, sobre um tapete. Cheguei alguns minutos antes da hora marcada. Era um grande silêncio. Muito frio.
Cheguei pontualmente. Havia umas poucas pessoas. Os mosteiros não são lugares que atraiam turistas. Fiquei à espera do início da liturgia, que deveria iniciar-se suiçamente ao repicar dos sinos às 6 da manhã. Os sinos repicaram, mas a liturgia não começou.
Como nada acontecia, nenhuma reza, nenhum hino, nenhuma leitura bíblica, pus-me a examinar o espaço e as luzes que se entrecruzavam. O exercício de simplesmente ver tem o efeito de fazer parar o pensamento. Tornamo-nos só olhos. Alberto Caeiro já dizia que "pensar é estar doente dos olhos..." Os pensamentos, produtos internos da cabeça, são perturbações que distorcem a pureza da visão.
Aí, ao misticismo do ver seguiu-se o misticismo do ouvir. O vento descia furioso das montanhas, em golpes, lufadas que torciam a estrutura de madeira, provocando aqueles ruídos típicos de navios à vela batidos pelo vento.
Ao lado do santuário havia uma plantação de macieiras nuas -o vento havia arrancado suas folhas todas e somente seus galhos pelados ficaram. Quando o vento sacudia a galharia era como se houvesse um mar enraivecido quebrando ondas. Aí os sons e as cores começaram a invocar poemas ancestrais.
"E a terra era um abismo sem forma e o vento de Deus soprava violentamente sobre a superfície das águas... E disse Deus: "Haja luz...'"
E aí meus pensamentos foram possuídos pela poesia.
Mas e a liturgia? Só depois de 20 minutos é que eu percebi que tudo já se iniciara 20 minutos antes. A liturgia era o silêncio.
FIM
Marcadores: reflexão, Rubem Alves, silencio, silêncio, vida
terça-feira, dezembro 28, 2010
Blake Edwards
Blake Edwards
O diretor de cinema Blake Edwards faleceu no dia 15 de dezembro passado.
Pouco sei da vida dele, fora que era diretor de cinema e casado com a atriz Julie Andrews.
Mas o que me levou a escrever, foi os poucos filmes que vi dirigidos por ele. E que também me fizeram rir. Em especial os da série da Pantera Cor-de-Rosa, da década de 1970, estrelados pelo também já falecido Peter Sellers. Foram (são) filmes muito engraçados.
Outro filme foi o engraçado e singular “Victor ou Vitória”, estrelado por Julie Andrews, onde ela fazia o papel de uma atriz que se fazia passar por homem, para alcançar o sucesso nos cabarés da Paris dos anos 1930, o que acaba por gerar uma tremenda confusão na cabeça do personagem vivido pelo ator James Garner.
Blake Edwards tinha 88 anos, e uma penca de filmes no currículo.
Marcadores: cinema, falecimento, jar, morte, vida
Tenente Frank Derbin
Tenente Frank Derbin
Um mês já se foi desde a notícia do falecimento do ator Leslie Nielsen. Dizem os necrológios que ele faleceu em decorrência de pneumonia, aos 84 anos.
E então nós descobrimos que Nielsen tinha uma longa carreira em Hollywood, onde começou como ator “sério”, na década de 1950, onde atuou, por exemplo, num filme de ficção científica chamado “Planeta Proibido”.
Mas a verdade é que eu só me lembro dele, de filmes muito mais recentes, como “Apertem os cintos, o piloto sumiu”, da década de 1980, que é possível que eu tenha visto em fita de vídeo-cassete.
Com Mr. Magoo, que deve ter tido diversas reprises na TV aberta, ele protagonizou uma bela e engraçada adaptação do personagem de desenho animado com graves limitações visuais. Lá em casa virou bordão, uma frase onde um dos personagens pergunta “O Peru, está no Brasil?”, brincando com a anedótica ignorância dos norte-americanos de geografia (e do resto do mundo, também, ou você sabe a capital de Níger ou a do Lesoto). Em tempo: no filme se perguntava se o bandido Ortega Peru estava escondido no Brasil. Pois é, o Brasil como refúgio de criminosos também é lugar comum em filmes de Hollywood. Talvez, com razão?
Mas certamente minhas melhores memórias de Leslie, são as da série “Corra, que a polícia vem aí”, onde ele interpretava o tenente Frank Derbin. Foram muitas gargalhadas. Em especial, não me lembro em qual dos três filmes, uma cena em que Derbin / Nielsen se atrapalha com um criminoso disfarçado de cientista, preso a uma cadeira de rodas. Sempre sorrio, quando penso nela. A cena termina com uma “homenagem” ao filme “E.T., o Extraterrestre”, de Spielberg, no final.
O humor de Nielsen vai me deixar com saudades...
Relembrando o grande tsunami de 2004...
MEMÓRIA
Mulheres vertem leite no mar na Índia em homenagem aos 230 mil mortos no tsunami de 2004.
Mulheres vertem leite no mar na Índia em homenagem aos 230 mil mortos no tsunami de 2004.
Foto de Nathan G., para a EFE. Visto na Folha de São Paulo, 27/12/2010.
Diretor Blake Edwards morre aos 88 anos
O cineasta Blake Edwards, famoso por comédias como "A Pantera Cor-de-Rosa", morreu na manhã desta quinta-feira. Ele tinha 88 anos e era casado desde 1969 com a atriz Julie Andrews, estrela de vários de seus filmes. Segundo seu agente, Gene Schwam, Edwards foi vítima de complicações provocadas por uma pneumonia. Andrews estava a seu lado no momento de sua morte.
break-->AserA série "A Pantera Cor-de-Rosa", cujo primeiro filme foi lançado em 1964, é o maior sucesso da carreira de Edwards. O longa ficou famoso pela música-tema, composta por Henry Mancini (outro parceiro constante do diretor), e pelo desastrado personagem principal, o inspetor Clouseau vivido por Peter Sellers.
Nascido em 26 de julho de 1922, Edwards começou no cinema como roteirista e tornou-se conhecido primeiro na televisão, com a série "Peter Gunn". Seu primeiro grande sucesso na telona foi "Bonequinha de Luxo", estrelado por Audrey Hepburn. Ele foi contratado para dirigir o filme depois que o cineasta original, John Frankenheimer, foi demitido.
Além de "A Pantera Cor-de-Rosa", outros sucessos do diretor foram as comédias "Mulher Nota 10" (1979), "Vitor ou Vitória" (1982) e "Um Convidado Bem Trapalhão" (1968). Também dirigiu alguns dramas bem-sucedidos, como "Vício Maldito" (1962), com Jack Lemmon.
Seu último trabalho para o cinema foi "O Filho da Pantera Cor-de-Rosa", de 1993, com o italiano Roberto Benigni (de "A Vida É Bela") assumindo o papel que foi de Peter Sellers. O personagem foi revivido por Steve Martin mais duas vezes, em 2006 e 2009, filmes nos quais Edwards não teve qualquer participação. "Blake Edwards foi uma das pessoas que me fez amar comédia", escreveu Martin no Twitter, pouco depois de saber da morte.
Em 2004, ele ganhou um Oscar especial pelo conjunto de sua obra. Ao receber a estatueta, fez jus a seu título de gênio da comédia: apareceu no palco em uma cadeira de rodas em alta velocidade e simulou um acidente.
Esta notícia no IG Notícias, foi vista no blog do Luís Nassif.
break-->AserA série "A Pantera Cor-de-Rosa", cujo primeiro filme foi lançado em 1964, é o maior sucesso da carreira de Edwards. O longa ficou famoso pela música-tema, composta por Henry Mancini (outro parceiro constante do diretor), e pelo desastrado personagem principal, o inspetor Clouseau vivido por Peter Sellers.
Nascido em 26 de julho de 1922, Edwards começou no cinema como roteirista e tornou-se conhecido primeiro na televisão, com a série "Peter Gunn". Seu primeiro grande sucesso na telona foi "Bonequinha de Luxo", estrelado por Audrey Hepburn. Ele foi contratado para dirigir o filme depois que o cineasta original, John Frankenheimer, foi demitido.
Além de "A Pantera Cor-de-Rosa", outros sucessos do diretor foram as comédias "Mulher Nota 10" (1979), "Vitor ou Vitória" (1982) e "Um Convidado Bem Trapalhão" (1968). Também dirigiu alguns dramas bem-sucedidos, como "Vício Maldito" (1962), com Jack Lemmon.
Seu último trabalho para o cinema foi "O Filho da Pantera Cor-de-Rosa", de 1993, com o italiano Roberto Benigni (de "A Vida É Bela") assumindo o papel que foi de Peter Sellers. O personagem foi revivido por Steve Martin mais duas vezes, em 2006 e 2009, filmes nos quais Edwards não teve qualquer participação. "Blake Edwards foi uma das pessoas que me fez amar comédia", escreveu Martin no Twitter, pouco depois de saber da morte.
Em 2004, ele ganhou um Oscar especial pelo conjunto de sua obra. Ao receber a estatueta, fez jus a seu título de gênio da comédia: apareceu no palco em uma cadeira de rodas em alta velocidade e simulou um acidente.
Esta notícia no IG Notícias, foi vista no blog do Luís Nassif.
Marcadores: cinema, falecimento, morte
sexta-feira, dezembro 24, 2010
Saco cheio de Papai Noel
Saco cheio de Papai Noel
RIO DE JANEIRO - Tempos natalinos provocam mão de obra suplementar em nosso cotidiano. Somos obrigados às confraternizações, aos votos de boas-festas, a dar e a receber presentes, um saco. A mensagem de solidariedade humana fica reduzida a uma mesa de churrascaria, ao chope quente e à picanha fatiada com batatas fritas engorduradas.
Os apelos comerciais, que antes da era eletrônica enchiam a nossa paciência, os jornais e revistas, os agressivos outdoors que poluíam o já poluído cenário urbano, invadem agora a telinha de nossos notebooks, oferecendo-nos em suaves prestações mensais aquilo de que não precisamos.
Em alguns países, a tradição de dar e receber presentes, transferida para 6 de janeiro, Dia de Reis, é mais lógica e tem um exemplo ilustre. Afinal, os magos levaram incenso, ouro e mirra e receberam em troca a oportunidade de seguirem a estrela que brilhou para eles nos céus da Judeia. Haveria algum sentido na atual troca de presentes.
Limparíamos o Natal da febre consumista a que estamos habituados. A grande festa da cristandade paganizou-se com símbolos nem sempre bonitos e sempre aleatórios. Olhar a cara do Bom Velhinho, borrado de Kodacolor, esbarrar em árvores de natal complicadíssimas, ouvir o "jingle bells" e o "Noite Feliz" por toda parte. Novamente, um saco.
Nada disso facilita o mergulho que devemos fazer em nós mesmos, acreditemos ou não na mensagem que se iniciou naquela noite de Belém, em torno de uma manjedoura, com um burro e uma vaca no lugar de todos nós. Eles sabiam o que faziam.
Sempre impliquei com Papai Noel. Gosto de dar e de receber presentes, mas vejo no Bom Velhinho uma edição mercadológica do rei Momo, de quem também não gosto, mas considero mais necessário e autêntico.
RIO DE JANEIRO - Tempos natalinos provocam mão de obra suplementar em nosso cotidiano. Somos obrigados às confraternizações, aos votos de boas-festas, a dar e a receber presentes, um saco. A mensagem de solidariedade humana fica reduzida a uma mesa de churrascaria, ao chope quente e à picanha fatiada com batatas fritas engorduradas.
Os apelos comerciais, que antes da era eletrônica enchiam a nossa paciência, os jornais e revistas, os agressivos outdoors que poluíam o já poluído cenário urbano, invadem agora a telinha de nossos notebooks, oferecendo-nos em suaves prestações mensais aquilo de que não precisamos.
Em alguns países, a tradição de dar e receber presentes, transferida para 6 de janeiro, Dia de Reis, é mais lógica e tem um exemplo ilustre. Afinal, os magos levaram incenso, ouro e mirra e receberam em troca a oportunidade de seguirem a estrela que brilhou para eles nos céus da Judeia. Haveria algum sentido na atual troca de presentes.
Limparíamos o Natal da febre consumista a que estamos habituados. A grande festa da cristandade paganizou-se com símbolos nem sempre bonitos e sempre aleatórios. Olhar a cara do Bom Velhinho, borrado de Kodacolor, esbarrar em árvores de natal complicadíssimas, ouvir o "jingle bells" e o "Noite Feliz" por toda parte. Novamente, um saco.
Nada disso facilita o mergulho que devemos fazer em nós mesmos, acreditemos ou não na mensagem que se iniciou naquela noite de Belém, em torno de uma manjedoura, com um burro e uma vaca no lugar de todos nós. Eles sabiam o que faziam.
Sempre impliquei com Papai Noel. Gosto de dar e de receber presentes, mas vejo no Bom Velhinho uma edição mercadológica do rei Momo, de quem também não gosto, mas considero mais necessário e autêntico.
Marcadores: Carlos Heitor Cony, Natal
quarta-feira, dezembro 22, 2010
José
JOSÉ
Carlos Drummond de Andrade
E agora, José,
A festa acabou,
A luz apagou,
O povo sumiu,
A noite esfriou,
E agora, José?
E agora, você?
Você que é sem nome,
Que zomba dos outros,
Você que faz versos,
Que ama, protesta?
E agora, José?
Está sem mulher,
Está sem discurso,
Está sem carinho,
Já não pode beber,
Já não pode fumar,
Cuspir já não pode,
A noite esfriou,
O dia não veio,
O bonde não veio,
Não veio a utopia
E tudo acabou
E tudo fugiu
E tudo mofou,
E agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
Seu instante de febre,
Sua gula e jejum,
Sua biblioteca,
Sua lavra de ouro,
Seu terno de vidro,
sua incoerência,
Seu ódio – e agora?
Com a chave na mão
Quer abrir a porta,
Não existe porta;
Quer morrer no mar,
Mas o mar secou;
Quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
Se você gemesse,
Se você tocasse
A valsa vienense,
Se você dormisse,
Se você cansasse,
Se você morresse...
Mas você não morre,
Você é duro, José!
Sozinho no escuro
Qual bicho-do-mato,
Sem teogonia,
Sem parede nua
Para se encostar,
Sem cavalo preto
Que fuja a galope,
Você marcha, José!
José, para onde?
ANDRADE, Carlos Drummond de. José, Novos Poemas Fazendeiro do Ar. Rio de Janeiro: Record, 2003. p.123-125.
Marcadores: poesia
Os valores da "era Reagan"
Os valores da "era Reagan"
Deve ser a regra com todos os presidentes dos Estados Unidos. Mas fiquei espantado com o tempo que levou entre a morte de Ronald Reagan e o seu sepultamento. Os rituais fúnebres tomaram quase uma semana inteira, e o corpo do presidente fez uma peregrinação através de vastas extensões do território norte-americano, numa espécie de última campanha eleitoral -em busca, como se diz, do sufrágio de sua alma.
No fim de um longo parágrafo em que recenseava os fatos da semana, uma publicação anticonservadora americana mal conteve sua satisfação sinistra ao noticiar numa única linha: "O presidente Reagan finalmente morreu". Será?
Os valores da "era Reagan" estão longe de ter perdido o vigor. No princípio, aquilo parecia apenas um delírio reacionário, voltado para recuperar a auto-estima americana, em baixa desde a Guerra do Vietnã e de Watergate. Baseava-se em propostas de duvidosa consistência: o corte de impostos e a criação de um escudo espacial antimísseis, a chamada "Guerra nas Estrelas".
Tudo vinha embrulhado numa máscara sorridente, pronta a expressar simpatias pelo fundamentalismo bíblico, misturando ficção científica dos anos 50 com fitas de caubói e técnicas de relações públicas das mais antiquadas. Lembro-me de como parecia fora de moda, nas primeiras fotos de Reagan presidente, o lencinho branco dobrado que ele usava no bolso do paletó. A imagem que ele projetava, naquele começo da década de 80, era de um passadismo inviável, artificial e mortífero.
O próprio rosto de Ronald Reagan tinha algo de ressurrecto, de empalhado; ator de relativo sucesso em outras décadas, o presidente recém-eleito parecia ter-se levantado subitamente dos abismos da obscuridade, já bastante envelhecido, mas tentando manter o charme dos bons tempos. Um cronista americano referia-se, durante a campanha presidencial, a seus cabelos "precocemente alaranjados"; é como se o uso da tintura capilar não levasse em conta, no ator sexagenário, que os filmes em preto-e-branco eram coisa do passado.
Bem ao contrário, quase tudo em Reagan apontava para o futuro, e seus cabelos tingidos simbolizavam uma intenção de permanência que os tempos atuais pouco fizeram para desmentir. Os yuppies da década de 80 -aquele Mickey Rourke de "Oito Semanas e Meia de Amor", vendo as cotações de Wall Street piscando em fósforo verde na tela do micro, nos lábios um sorriso bailarino, na janela uma Kim Basinger pronta para uma fantasia light- não são diferentes dos de agora.
Nada mais reaganiano (mas durante o governo Reagan isso ainda era um sonho distante, eu acho) do que a imagem do Mc Donald's em Pequim, ou de butiques Prada e Armani na Praça Vermelha. Um mundo de alta tecnologia e consumo de luxo, zunindo de competitividade, entretenimento, dureza e rapidez, foi projetado como o cenário de um filme de George Lucas; uma minoria afortunada passou a viver dentro dele, estivesse na Califórnia, na Espanha, na Índia ou no Brasil.
Esse mundo ilusório, criado durante os anos Reagan, persiste. Persiste há tanto tempo que já se transformou em realidade. Desconfio até que toda a nossa dependência do virtual, dos jogos de computador, da holografia, do encapsulamento em shoppings e condomínios é conseqüência daquele fundamentalismo reaganiano: a confiança absoluta de que se pudesse moldar a realidade a partir de uma ideologia econômica (a famosa "reaganomics") bastante frágil e simplista.
Mas me vejo falando do reaganismo em termos que seriam igualmente apropriados ao desejo marxista de criar uma sociedade a partir de uns poucos princípios incontestáveis. É talvez por isso mesmo que o pensamento de esquerda se viu hipnotizado e rendido diante do conservadorismo dos anos 80: a ideologia yuppie tinha justamente um apelo intelectual, uma aerodinâmica afetiva, um charme de paradoxo e novidade com que os velhos manuais do materialismo dialético não mais conseguiam competir.
Claro, podemos dizer que o "rumo da história" (outra frase de sabor marxista) era aquele mesmo e que tudo ia no sentido prenunciado por Reagan. Algumas coisas, contudo, parecem não ter dado certo. Teve pouco futuro, por exemplo, a tentativa de reconstruir os valores religiosos e comportamentais da família wasp americana, com ensino bíblico, puritanismo sexual e boas doses de aversão a quem não fosse branco. Mesmo a Aids foi incapaz de barrar o processo constante de libertação sexual que vinha dos anos 60; e, por mais que Reagan fosse conservador nesse campo, a geração yuppie não transigiria com essa conquista.
Também já não me parece tão certo o poder do "virtual" sobre o "real". Talvez comece a fazer parte do passado a famosa crença, proveniente dos anos 80, de que a realidade foi substituída por simulacros manipuláveis via computador; entra igualmente em descrédito a sensação correlata de que os inimigos do sistema seriam vencidos de forma "limpa", com a mesma impalpável facilidade com que o mundo comunista desapareceu.
Toquei outro dia nesse assunto; temo ter incorrido no velho clichê de comparar as guerras atuais a videogames. O atual conflito no Iraque, entretanto, é de uma materialidade atroz; corpos despedaçados, corpos nus, corpos torturados se amontoam, numa orgia macabra e real. Tema para outro artigo, quem sabe; e já é tempo de deixar Reagan descansando em paz.
De uma coluna de Marcelo Coelho, na Folha de São Paulo, em 16 de junho de 2004.
Deve ser a regra com todos os presidentes dos Estados Unidos. Mas fiquei espantado com o tempo que levou entre a morte de Ronald Reagan e o seu sepultamento. Os rituais fúnebres tomaram quase uma semana inteira, e o corpo do presidente fez uma peregrinação através de vastas extensões do território norte-americano, numa espécie de última campanha eleitoral -em busca, como se diz, do sufrágio de sua alma.
No fim de um longo parágrafo em que recenseava os fatos da semana, uma publicação anticonservadora americana mal conteve sua satisfação sinistra ao noticiar numa única linha: "O presidente Reagan finalmente morreu". Será?
Os valores da "era Reagan" estão longe de ter perdido o vigor. No princípio, aquilo parecia apenas um delírio reacionário, voltado para recuperar a auto-estima americana, em baixa desde a Guerra do Vietnã e de Watergate. Baseava-se em propostas de duvidosa consistência: o corte de impostos e a criação de um escudo espacial antimísseis, a chamada "Guerra nas Estrelas".
Tudo vinha embrulhado numa máscara sorridente, pronta a expressar simpatias pelo fundamentalismo bíblico, misturando ficção científica dos anos 50 com fitas de caubói e técnicas de relações públicas das mais antiquadas. Lembro-me de como parecia fora de moda, nas primeiras fotos de Reagan presidente, o lencinho branco dobrado que ele usava no bolso do paletó. A imagem que ele projetava, naquele começo da década de 80, era de um passadismo inviável, artificial e mortífero.
O próprio rosto de Ronald Reagan tinha algo de ressurrecto, de empalhado; ator de relativo sucesso em outras décadas, o presidente recém-eleito parecia ter-se levantado subitamente dos abismos da obscuridade, já bastante envelhecido, mas tentando manter o charme dos bons tempos. Um cronista americano referia-se, durante a campanha presidencial, a seus cabelos "precocemente alaranjados"; é como se o uso da tintura capilar não levasse em conta, no ator sexagenário, que os filmes em preto-e-branco eram coisa do passado.
Bem ao contrário, quase tudo em Reagan apontava para o futuro, e seus cabelos tingidos simbolizavam uma intenção de permanência que os tempos atuais pouco fizeram para desmentir. Os yuppies da década de 80 -aquele Mickey Rourke de "Oito Semanas e Meia de Amor", vendo as cotações de Wall Street piscando em fósforo verde na tela do micro, nos lábios um sorriso bailarino, na janela uma Kim Basinger pronta para uma fantasia light- não são diferentes dos de agora.
Nada mais reaganiano (mas durante o governo Reagan isso ainda era um sonho distante, eu acho) do que a imagem do Mc Donald's em Pequim, ou de butiques Prada e Armani na Praça Vermelha. Um mundo de alta tecnologia e consumo de luxo, zunindo de competitividade, entretenimento, dureza e rapidez, foi projetado como o cenário de um filme de George Lucas; uma minoria afortunada passou a viver dentro dele, estivesse na Califórnia, na Espanha, na Índia ou no Brasil.
Esse mundo ilusório, criado durante os anos Reagan, persiste. Persiste há tanto tempo que já se transformou em realidade. Desconfio até que toda a nossa dependência do virtual, dos jogos de computador, da holografia, do encapsulamento em shoppings e condomínios é conseqüência daquele fundamentalismo reaganiano: a confiança absoluta de que se pudesse moldar a realidade a partir de uma ideologia econômica (a famosa "reaganomics") bastante frágil e simplista.
Mas me vejo falando do reaganismo em termos que seriam igualmente apropriados ao desejo marxista de criar uma sociedade a partir de uns poucos princípios incontestáveis. É talvez por isso mesmo que o pensamento de esquerda se viu hipnotizado e rendido diante do conservadorismo dos anos 80: a ideologia yuppie tinha justamente um apelo intelectual, uma aerodinâmica afetiva, um charme de paradoxo e novidade com que os velhos manuais do materialismo dialético não mais conseguiam competir.
Claro, podemos dizer que o "rumo da história" (outra frase de sabor marxista) era aquele mesmo e que tudo ia no sentido prenunciado por Reagan. Algumas coisas, contudo, parecem não ter dado certo. Teve pouco futuro, por exemplo, a tentativa de reconstruir os valores religiosos e comportamentais da família wasp americana, com ensino bíblico, puritanismo sexual e boas doses de aversão a quem não fosse branco. Mesmo a Aids foi incapaz de barrar o processo constante de libertação sexual que vinha dos anos 60; e, por mais que Reagan fosse conservador nesse campo, a geração yuppie não transigiria com essa conquista.
Também já não me parece tão certo o poder do "virtual" sobre o "real". Talvez comece a fazer parte do passado a famosa crença, proveniente dos anos 80, de que a realidade foi substituída por simulacros manipuláveis via computador; entra igualmente em descrédito a sensação correlata de que os inimigos do sistema seriam vencidos de forma "limpa", com a mesma impalpável facilidade com que o mundo comunista desapareceu.
Toquei outro dia nesse assunto; temo ter incorrido no velho clichê de comparar as guerras atuais a videogames. O atual conflito no Iraque, entretanto, é de uma materialidade atroz; corpos despedaçados, corpos nus, corpos torturados se amontoam, numa orgia macabra e real. Tema para outro artigo, quem sabe; e já é tempo de deixar Reagan descansando em paz.
De uma coluna de Marcelo Coelho, na Folha de São Paulo, em 16 de junho de 2004.
Marcadores: conservadorismo, Estados Unidos, Marcelo Coelho, valores
A tirania da contingência
A tirania da contingência
SEMPRE QUE acontece uma tragédia nas nossas vidas -um fracasso amoroso, uma doença súbita, a perda de alguém que amamos- a velha pergunta regressa para nos assombrar: "Por que eu?" "Por que a mim?".
A pergunta certa não é essa, naturalmente. A pergunta certa seria: "E por que não eu?", "E por que não a mim?".
Mas a nossa "forma mentis" está programada para recusar "a tirania da contingência", para usar a expressão primorosa do narrador de Philip Roth no seu último romance, "Nemesis" (Jonathan Cape, 280 págs.). Aceitar a "tirania da contingência", tema fulcral das obras tardias de Roth, seria destruir a crença basilar da nossa civilização racionalista: a de que tudo depende dos nossos esforços racionais rumo a um fim perfeito. E racional.
Essa crença é cultivada por Bucky Cantor, o personagem central de "Nemesis". Bucky começou mal na vida: a mãe morreu no parto; o pai apodreceu no cárcere. Bucky foi educado pelos avós. Melhor: pelo avô, que incutiu nele uma inabalável crença nas suas forças e capacidades.
O resultado não poderia ser mais brilhante: física e mentalmente forte, Bucky é um Super-Homem em Newark, o território eletivo de Roth.
Claro que, para sermos rigorosos, a "tirania da contingência" sempre esteve presente na vida de Bucky.
Perder a mãe e o pai, mas ter avós disponíveis para uma educação de excelência, não é para qualquer um. É, digamos, uma "sorte". A "contingência" não significa necessariamente um mal; a contingência significa apenas que existe uma margem de imponderabilidade nas condutas humanas onde o mal e o bem acontecem.
E acontece com Bucky. Depois de ter sido salvo pelos avós na infância, Bucky será novamente salvo. Dessa vez, salvo na juventude e uma vez mais por um infortúnio pessoal.
A Segunda Guerra Mundial rebenta para os Estados Unidos depois de Pearl Harbor. Mas Bucky não marcha para o Pacífico como os rapazes da sua idade. Uma visão deficiente e um excesso de dioptrias obrigam-no a ficar em casa. Um destino que Bucky aceita, resignado, embora com um sentimento de culpa que já denuncia a sua incapacidade para aceitar que nem tudo obedece à nossa exclusiva vontade. Pela segunda vez, Bucky é salvo pela "tirania da contingência".
Não haverá terceira vez. Porque, se Bucky não foi à guerra, a guerra vem até ele. Não uma guerra tangível, feita de armas ou bombas; mas uma guerra imaterial, silenciosa e pestífera.
Estamos em 1944 e Newark estremece com uma epidemia de poliomielite. Falar da pólio, hoje, é o mesmo que falar de um dinossauro: uma doença de museu, não mais, depois da descoberta da vacina na década de 50.
Mas a pólio não era uma doença de museu em 1944. Era um vírus furtivo que roubava vidas e destroçava infâncias com violência inaudita.
Philip Roth é primoroso na descrição dessa peste: na descrição do medo que contamina a comunidade; do pânico que se apodera dela; da morte que se abate sobre os mais frágeis; da raiva que é cultivada pelas famílias enlutadas; e, sobretudo, da impotência dos homens para travar um castigo de Deus.
Pelo menos, Bucky acredita que sim. Faz parte da mentalidade racionalista atribuir ao divino a natureza do imponderável. Só um Deus louco, injusto e cruel pode enviar um castigo tão louco, tão injusto e tão cruel.
Mas é justificativa que dura pouco. A educação de Bucky conspira contra ele e a sua consciência exige um culpado mais terreno, mais humano. A pólio pode vir do patrão lá de cima. Mas é preciso alguém que a transporte e dissemine cá por baixo.
Esse alguém só pode ser Bucky, professor de ginástica que convive diariamente com os rapazes. E que, ao vê-los tombar, um por um, como soldados numa batalha invisível, assume em si a responsabilidade do massacre.
Lendo "Nemesis", narrativa magistral de um Roth crepuscular, entendemos como a contingência só é destrutiva quando existe em nós "um sentido deslocado de responsabilidade", para usar as sábias palavras do médico da história.
Ou, trocando em miúdos, só somos verdadeiramente destruídos por aquilo que não controlamos quando alimentamos em nós a ilusão de que tudo controlamos.
Agora que 2010 caminha para o fim, está encontrado o livro do ano.
A pergunta certa não é essa, naturalmente. A pergunta certa seria: "E por que não eu?", "E por que não a mim?".
Mas a nossa "forma mentis" está programada para recusar "a tirania da contingência", para usar a expressão primorosa do narrador de Philip Roth no seu último romance, "Nemesis" (Jonathan Cape, 280 págs.). Aceitar a "tirania da contingência", tema fulcral das obras tardias de Roth, seria destruir a crença basilar da nossa civilização racionalista: a de que tudo depende dos nossos esforços racionais rumo a um fim perfeito. E racional.
Essa crença é cultivada por Bucky Cantor, o personagem central de "Nemesis". Bucky começou mal na vida: a mãe morreu no parto; o pai apodreceu no cárcere. Bucky foi educado pelos avós. Melhor: pelo avô, que incutiu nele uma inabalável crença nas suas forças e capacidades.
O resultado não poderia ser mais brilhante: física e mentalmente forte, Bucky é um Super-Homem em Newark, o território eletivo de Roth.
Claro que, para sermos rigorosos, a "tirania da contingência" sempre esteve presente na vida de Bucky.
Perder a mãe e o pai, mas ter avós disponíveis para uma educação de excelência, não é para qualquer um. É, digamos, uma "sorte". A "contingência" não significa necessariamente um mal; a contingência significa apenas que existe uma margem de imponderabilidade nas condutas humanas onde o mal e o bem acontecem.
E acontece com Bucky. Depois de ter sido salvo pelos avós na infância, Bucky será novamente salvo. Dessa vez, salvo na juventude e uma vez mais por um infortúnio pessoal.
A Segunda Guerra Mundial rebenta para os Estados Unidos depois de Pearl Harbor. Mas Bucky não marcha para o Pacífico como os rapazes da sua idade. Uma visão deficiente e um excesso de dioptrias obrigam-no a ficar em casa. Um destino que Bucky aceita, resignado, embora com um sentimento de culpa que já denuncia a sua incapacidade para aceitar que nem tudo obedece à nossa exclusiva vontade. Pela segunda vez, Bucky é salvo pela "tirania da contingência".
Não haverá terceira vez. Porque, se Bucky não foi à guerra, a guerra vem até ele. Não uma guerra tangível, feita de armas ou bombas; mas uma guerra imaterial, silenciosa e pestífera.
Estamos em 1944 e Newark estremece com uma epidemia de poliomielite. Falar da pólio, hoje, é o mesmo que falar de um dinossauro: uma doença de museu, não mais, depois da descoberta da vacina na década de 50.
Mas a pólio não era uma doença de museu em 1944. Era um vírus furtivo que roubava vidas e destroçava infâncias com violência inaudita.
Philip Roth é primoroso na descrição dessa peste: na descrição do medo que contamina a comunidade; do pânico que se apodera dela; da morte que se abate sobre os mais frágeis; da raiva que é cultivada pelas famílias enlutadas; e, sobretudo, da impotência dos homens para travar um castigo de Deus.
Pelo menos, Bucky acredita que sim. Faz parte da mentalidade racionalista atribuir ao divino a natureza do imponderável. Só um Deus louco, injusto e cruel pode enviar um castigo tão louco, tão injusto e tão cruel.
Mas é justificativa que dura pouco. A educação de Bucky conspira contra ele e a sua consciência exige um culpado mais terreno, mais humano. A pólio pode vir do patrão lá de cima. Mas é preciso alguém que a transporte e dissemine cá por baixo.
Esse alguém só pode ser Bucky, professor de ginástica que convive diariamente com os rapazes. E que, ao vê-los tombar, um por um, como soldados numa batalha invisível, assume em si a responsabilidade do massacre.
Lendo "Nemesis", narrativa magistral de um Roth crepuscular, entendemos como a contingência só é destrutiva quando existe em nós "um sentido deslocado de responsabilidade", para usar as sábias palavras do médico da história.
Ou, trocando em miúdos, só somos verdadeiramente destruídos por aquilo que não controlamos quando alimentamos em nós a ilusão de que tudo controlamos.
Agora que 2010 caminha para o fim, está encontrado o livro do ano.
Marcadores: João Peireira Coutinho, morte, reflexão, vida
segunda-feira, dezembro 13, 2010
Tragédia silenciosa (sobre suicídio no Brasil)
Tragédia silenciosa
NEURY JOSÉ BOTEGA
NEURY JOSÉ BOTEGA
Diariamente, 25 pessoas põem fim a suas vidas no Brasil. Foram 9.090 suicídios oficialmente registrados em 2008. Para cada óbito, no mínimo cinco ou seis pessoas próximas ao falecido foram profundamente afetadas. O impacto do suicídio na vida das pessoas e da nação é silenciado pela sociedade.
Nos meios de comunicação há orientação, discutível quando adotada em termos absolutos, de não se noticiar suicídio. Silencioso, ele resta à margem das tragédias nacionais. Mas é possível evitar uma parcela dessas mortes.
Numa escala mundial, nosso coeficiente de mortalidade por suicídio é relativamente baixo: 5,4 mortes em cada 100 mil habitantes, ao longo de um ano. Esse índice cresceu 30% nos últimos 25 anos.
O coeficiente é uma média nacional e esconde importantes contrastes. Em algumas cidades, os índices equiparam-se aos de países do Leste Europeu. Ademais, como somos um país populoso, atingimos o décimo lugar mundial em número total de suicídios, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
No espectro do comportamento autoagressivo, o suicídio é a ponta de um iceberg. Estima-se que o número de tentativas supere o de mortes em pelo menos dez vezes. Um inquérito populacional elaborado pela OMS e levado a cabo por pesquisadores da Unicamp apurou que, em cada cem habitantes da cidade de Campinas, 17 já haviam pensado seriamente em pôr fim à vida e três efetivamente tentaram o suicídio.
A causa de um suicídio é invariavelmente mais complexa do que um acontecimento recente que salta à vista e que é tomado como explicação rápida para o ocorrido.
No espectro do comportamento autoagressivo, o suicídio é a ponta de um iceberg. Estima-se que o número de tentativas supere o de mortes em pelo menos dez vezes. Um inquérito populacional elaborado pela OMS e levado a cabo por pesquisadores da Unicamp apurou que, em cada cem habitantes da cidade de Campinas, 17 já haviam pensado seriamente em pôr fim à vida e três efetivamente tentaram o suicídio.
A causa de um suicídio é invariavelmente mais complexa do que um acontecimento recente que salta à vista e que é tomado como explicação rápida para o ocorrido.
A perda do emprego ou o rompimento de um relacionamento amoroso geralmente são os fatores precipitantes. Na maioria das vezes, pessoas que põem fim à vida sofrem de um transtorno mental subjacente (fator predisponente) que aumenta a vulnerabilidade para o suicídio. Depressão e dependência de álcool são os mais frequentes.
Recentemente, nossa sociedade vem-se abrindo para discutir o tema-tabu. O suicídio passou a ser enfrentado na arena da saúde pública. Um exemplo disso é a parceria firmada entre a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e a Rede Globo, a partir da qual inserções de 30 segundos entram na programação da televisão.
Há, hoje, considerável informação a respeito do que, em vários países, deu certo em prevenção.
Exemplo recente foi um estudo realizado em serviços médicos de vários países, entre os quais o Hospital de Clínicas da Unicamp, que acompanhou, desde o atendimento em um pronto-socorro, 1.867 pessoas que tentaram o suicídio.
Exemplo recente foi um estudo realizado em serviços médicos de vários países, entre os quais o Hospital de Clínicas da Unicamp, que acompanhou, desde o atendimento em um pronto-socorro, 1.867 pessoas que tentaram o suicídio.
Metade delas, após sorteio, foi acompanhada por meio de telefonemas periódicos. Após 18 meses, o número de suicídios nesse grupo foi, comparativamente, dez vezes menor. Com os telefonemas, a tentativa de suicídio deixou, assim, de ser um pedaço de história a ser esquecido ou silenciado.
Em agosto de 2006, o Ministério da Saúde publicou as diretrizes que orientariam um Plano Nacional de Prevenção do Suicídio. O plano ainda não saiu. É preciso transformar as diretrizes em ações assistenciais baseadas em evidências científicas, as quais, por sua vez, poderão orientar novas políticas de prevenção e estratégias de atendimento.
Em agosto de 2006, o Ministério da Saúde publicou as diretrizes que orientariam um Plano Nacional de Prevenção do Suicídio. O plano ainda não saiu. É preciso transformar as diretrizes em ações assistenciais baseadas em evidências científicas, as quais, por sua vez, poderão orientar novas políticas de prevenção e estratégias de atendimento.
Na área da saúde, isso constitui um desejado círculo virtuoso entre política, assistência e pesquisa, que não é simples de ser alcançado.
NEURY JOSÉ BOTEGA é professor titular do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), representante nacional na Associação Internacional de Prevenção do Suicídio e coordenador da Comissão de Prevenção de Suicídio da Associação Brasileira de Psiquiatria.
E-mail: botega@fcm.unicamp.br .
E-mail: botega@fcm.unicamp.br .
Texto publicado na Folha de São Paulo, de 6 de dezembro de 2010.
terça-feira, novembro 30, 2010
Hans Hoekendijk
Hans Hoekendijk
SEU NOME ERA Hans Hoekendijk que se pronuncia "rukendaik". Teria, aproximadamente, 60 anos. Com uma vasta cabeleira de cabelos grisalhos abundantes, seu rosto inspirava tranquilidade, seus olhos azuis eram tristes, sua voz em sussurro revelava mansidão e o cachimbo era, talvez, seu amigo mais íntimo.
De um cachimbo pode-se dizer "meu cachimbo". Mas nunca dizer "o meu cigarro". Lembrando-me dele tenho saudades do tempo em que eu fumava cachimbo. O cachimbo é uma amizade fiel e vagarosa. Ele era meu colega na instituição em que ensinávamos. Holandês, lutara na resistência contra os alemães durante a Segunda Guerra Mundial e estivera preso num campo de concentração nazista. Reuníamos-nos à sua volta para ouvir suas histórias.
Essa foi a que mais me impressionou. "Tínhamos um rádio clandestino", ele falou. "De noite acompanhávamos as notícias do "front" de batalha. As forças aliadas haviam desembarcado na Normandia e avançavam rapidamente na direção do campo em que estávamos presos. Fazíamos os cálculos. Avançando naquele ritmo dentro de poucos dias estaríamos livres!
Foi quando o comandante do campo nos reuniu a todos no pátio. "Sei que todos estão se alegrando, pensando que dentro de poucos dias estarão livres. Estão enganados. Antes que cheguem as tropas todos vocês serão enforcados!'"
Foi quando o comandante do campo nos reuniu a todos no pátio. "Sei que todos estão se alegrando, pensando que dentro de poucos dias estarão livres. Estão enganados. Antes que cheguem as tropas todos vocês serão enforcados!'"
Ele fez uma pausa no seu relato, comprimiu o fumo de seu cachimbo, deu umas baforadas perfumadas -a fumaça fazendo suas espirais-, e, então, continuou: "Um grito de horror saiu da boca de todos. Tão próxima a liberdade e tão longe."
"Aí", ele continuou, "passada a experiência de medo e horror, eu tive a maior experiência de liberdade de toda a minha vida. Se vou morrer dentro de dois dias e não há nada que eu possa fazer para evitar a morte, eu sou completamente livre para fazer e dizer o que quiser pois nada pior que a morte poderá me acontecer.
"Aí", ele continuou, "passada a experiência de medo e horror, eu tive a maior experiência de liberdade de toda a minha vida. Se vou morrer dentro de dois dias e não há nada que eu possa fazer para evitar a morte, eu sou completamente livre para fazer e dizer o que quiser pois nada pior que a morte poderá me acontecer.
O medo se foi... Olhei então para aquele guarda alemão, metralhadora a tiracolo, bruto e sem compaixão, que sempre me amedrontara. Agora eu posso ir até ele e dizer tudo o que penso e sinto a seu respeito. Que me pode fazer? Dar-me uma rajada de metralhadora? Melhor morrer assim que morrer enforcado.
E aquela mulher -eu sempre a amei de longe, só com meus olhos. Ah! Os olhos... Os prisioneiros também amam e sonham... Eu nunca havia me aproximado dela. Ela era casada. Mas, agora, nós três -eu, ela e o marido- tínhamos um mesmo destino. Iríamos morrer. Senti que podia me aproximar dela e, na presença do marido, confessar meus sentimentos.
E aquela mulher -eu sempre a amei de longe, só com meus olhos. Ah! Os olhos... Os prisioneiros também amam e sonham... Eu nunca havia me aproximado dela. Ela era casada. Mas, agora, nós três -eu, ela e o marido- tínhamos um mesmo destino. Iríamos morrer. Senti que podia me aproximar dela e, na presença do marido, confessar meus sentimentos.
Não, não se tratava de um convite à infidelidade. Diante da morte a infidelidade não existe. Era apenas uma revelação de amor. E nos abraçamos..."
Ele se calou, limpou o cachimbo, enfiou-o no bolso, ficou mudo por alguns segundos e então terminou seu relato. "Mas aí nós não fomos enforcados. As tropas aliadas nos libertaram. Voltei, então, à vida normal, voltei a ter medo e perdi minha liberdade..."
Experimento norte-americano testa como reverter envelhecimento
Uma técnica para manter saudável a estrutura dos cromossomos pode reverter o envelhecimento dos tecidos.
Mariela Jaskelioff e colegas do Instituto de Câncer Dana Farber Cancer, em Massachusetts (EUA), conduziram um experimento com camundongos programados com telômeros curtos e telomerase inativa para ver as consequências dessa combinação.
O resultado é que os animais tiveram um período de vida curto, órgãos atrofiados e cérebros menores que aqueles que não haviam sido programados.
Os telômeros, que ficam nas extremidades dos cromossomos, diminuem a cada divisão celular, mas as células param de se dividir e morrem quando eles ficam abaixo de um certo comprimento.
Cabe à enzima telomerase retardar essa degradação adicionando um novo DNA na ponta dos telômeros.
Quatro semanas depois de os cientistas tornarem a telomerase dos camundongos ativa, eles detectaram que o tecido se regenerou em diversos órgãos, nova células cerebrais se desenvolveram e a vida dos camundongos foi prolongada.
A pesquisa, em fase experimental com animais, é mais uma evidência das relações entre o comprimento dos cromossos e as doenças relacionadas à idade, que pode levar à aplicação em seres humanos no futuro.
Notícia da New Scientist, na Folha.com .
Mariela Jaskelioff e colegas do Instituto de Câncer Dana Farber Cancer, em Massachusetts (EUA), conduziram um experimento com camundongos programados com telômeros curtos e telomerase inativa para ver as consequências dessa combinação.
O resultado é que os animais tiveram um período de vida curto, órgãos atrofiados e cérebros menores que aqueles que não haviam sido programados.
Os telômeros, que ficam nas extremidades dos cromossomos, diminuem a cada divisão celular, mas as células param de se dividir e morrem quando eles ficam abaixo de um certo comprimento.
Cabe à enzima telomerase retardar essa degradação adicionando um novo DNA na ponta dos telômeros.
Quatro semanas depois de os cientistas tornarem a telomerase dos camundongos ativa, eles detectaram que o tecido se regenerou em diversos órgãos, nova células cerebrais se desenvolveram e a vida dos camundongos foi prolongada.
A pesquisa, em fase experimental com animais, é mais uma evidência das relações entre o comprimento dos cromossos e as doenças relacionadas à idade, que pode levar à aplicação em seres humanos no futuro.
Notícia da New Scientist, na Folha.com .