segunda-feira, agosto 30, 2010

Ipês amarelos

Os ipês-amarelos

Uma professora me contou esta coisa deliciosa. Um inspetor visitava uma escola. Numa sala ele viu, colados nas paredes, trabalhos dos alunos acerca de alguns dos meus livros infantis. Como que num desafio, ele perguntou à criançada: "E quem é Rubem Alves?". Um menininho respondeu: "O Rubem Alves é um homem que gosta de ipês-amarelos...". A resposta do menininho me deu grande felicidade. Ele sabia das coisas. As pessoas são aquilo que elas amam.
Mas o menininho não sabia que sou um homem de muitos amores... Amo os ipês, mas amo também caminhar sozinho. Muitas pessoas levam seus cães a passear. Eu levo meus olhos a passear. E como eles gostam! Encantam-se com tudo. Para eles o mundo é assombroso. Gosto também de banho de cachoeira (no verão...), da sensação do vento na cara, do barulho das folhas dos eucaliptos, do cheiro das magnólias, de música clássica, de canto gregoriano, do som metálico da viola, de poesia, de olhar as estrelas, de cachorro, das pinturas de Vermeer (o pintor do filme "Moça com Brinco de Pérola"), de Monet, de Dali, de Carl Larsson, do repicar de sinos, das catedrais góticas, de jardins, da comida mineira, de conversar à volta da lareira.
Diz Alberto Caeiro que o mundo é para ser visto, e não para pensarmos nele. Nos poemas bíblicos da criação está relatado que Deus, ao fim de cada dia de trabalho, sorria ao contemplar o mundo que estava criando: tudo era muito bonito. Os olhos são a porta pela qual a beleza entra na alma. Meus olhos se espantam com tudo que veem.
Sou místico. Ao contrário dos místicos religiosos que fecham os olhos para verem Deus, a Virgem e os anjos, eu abro bem os meus olhos para ver as frutas e legumes nas bancas das feiras. Cada fruta é um assombro, um milagre. Uma cebola é um milagre. Tanto assim que Neruda escreveu uma ode em seu louvor: "Rosa de água com escamas de cristal...".
Vejo e quero que os outros vejam comigo. Por isso escrevo. Faço fotografias com palavras. Diferentes dos filmes, que exigem tempo para serem vistos, as fotografias são instantâneas. Minhas crônicas são fotografias. Escrevo para fazer ver.
Uma das minhas alegrias são os e-mails que recebo de pessoas que me confessam haver aprendido o gozo da leitura lendo os textos que escrevo. Os adolescentes que parariam desanimados diante de um livro de 200 páginas sentem-se atraídos por um texto pequeno de apenas três páginas. O que escrevo são como aperitivos. Na literatura, frequentemente, o curto é muito maior que o comprido. Há poemas que contêm todo um universo.
Mas escrevo também com uma intenção gastronômica. Quero que meus textos sejam comidos pelos leitores. Mais do que isso: quero que eles sejam comidos de forma prazerosa. Um texto que dá prazer é degustado vagarosamente. São esses os textos que se transformam em carne e sangue, como acontece na eucaristia.
Sei que não me resta muito tempo. Já é crepúsculo. Não tenho medo da morte. O que sinto, na verdade, é tristeza. O mundo é muito bonito! Gostaria de ficar por aqui... Escrever é o meu jeito de ficar por aqui. Cada texto é uma semente. Depois que eu for, elas ficarão. Quem sabe se transformarão em árvores! Torço para que sejam ipês-amarelos...

Texto de Rubem Alves, na Folha de São Paulo, de 24 de agosto de 2010.

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Abel

“(...)

Sou um pobre de espírito. Passo horas temendo o abandono, o desprezo e a indiferença. Comparando meus pequenos sucessos com os mais infelizes do que eu. Ainda bem que eles existem. Rezo para que o mundo me ame. Em meus pesadelos sempre sou o último dos amados do mundo. Quando encontro alguém melhor do que eu, perco o sono, quero destruí-lo. Sua respiração me sufoca. Sua generosidade me humilha. Seu sorriso é uma prova de que fracassei em amar o mundo.

(...)

Entendo Caim em seu ódio por Abel. Ao contrário das bobagens que afirma Saramago em seu livro "Caim" -críticas típicas de quem nada entende acerca da tradição bíblica porque permaneceu infantil espiritualmente-, Caim não suportou o fato de que Abel era melhor do que ele e por isso o matou. Existe algum Abel aí ao seu lado?”

Trechos da coluna de Luiz Felipe Pondé, na Folha de São Paulo, de 16 de agosto de 2010.


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sábado, agosto 28, 2010

O domínio do trivial

O domínio do trivial

AOS VINTE anos, leitor de Gramsci, eu entendia que o poder das classes dominantes se exercia de duas maneiras.
Havia a exploração econômica, com repressão eventualmente brutal das reivindicações dos trabalhadores (sem contar as guerras imperialistas).
E havia a outra face do domínio: o controle das ideias e das mentes, oculto e insidioso. Esse era o terreno de luta dos intelectuais: podíamos colaborar com a classe dominante ou, então, fazer o quê? Sermos porta-vozes de uma nova classe?
Não éramos totalmente ingênuos. Reconhecíamos os horrores do dito "socialismo real" e percebíamos que ele substituíra uma classe dominante por outra. A ditadura do proletariado não tinha por que ser melhor do que a ditadura da burguesia; talvez, aliás, ela fosse pior. Nosso sonho era outro: uma sociedade sem classes.
Pois bem, um espectador apressado poderia pensar que, enfim, realizamos a famosa sociedade sem classes -ao menos em parte.
Claro, desigualdades e exploração continuam; no entanto, é difícil distinguir a cultura da classe dominante das outras que lhe seriam opostas, porque, no fundo, mesmo quando parecemos discordar, pensamos todos igual.
Acabo de ler "L'Egemonia Sottoculturale", de Massimiliano Panarari (Einaudi, 2010). O autor, um intelectual de minha geração, faz uma crítica hilária da "subcultura da fofoca", que seria, segundo ele, a cultura dominante na Itália de hoje. Infelizmente, é difícil entender os exemplos no texto de Panarari sem ter sido espectador da televisão aberta italiana durante um bom tempo (e para isso é necessário dar prova de um certo heroísmo). Mas o que Panarari diz não se aplica só ao caso da Itália.
Mundo afora, é cada vez mais difícil dizer algo que não faça parte de um senso comum que é feito de referências, ideias e, sobretudo, maneiras de pensar compartilhadas graças ao uso generalizado da mesma mídia.
Nesse quadro, pensar criticamente é árduo. Quem deseja convencer seus leitores ou espectadores de que ele pensa fora da trivialidade dominante tende a parecer-se com aquelas crianças que, de vez em quando, gritam "xixi e cocô" e, com isso, gabam-se de ter quebrado um grande tabu.
Nesse sentido, nos EUA, são cada vez mais populares radialistas, apresentadores e jornalistas supostamente "conservadores", que devem seu sucesso a uma vulgaridade e a uma truculência que parecem satisfazer a espera de todos por um pensamento novo, diferente. Um exemplo: um dos aspectos do senso comum é um respeito forçado das regras do politicamente correto. Diante disso, os ditos comentadores não inventam visões mais complexas e produtivas da diversidade social, mas, para criar a ilusão de que eles pensariam fora do senso comum, permitem-se, de vez em quando, dizer ou gritar "negro" ou "viado". Sua "ousadia" é tão inovadora quanto a das crianças do "xixi e cocô".
No Brasil, o debate eleitoral em curso poderia também servir para mostrar que nosso senso comum compartilhado é, no caso, uma espécie de razoabilidade, resignada a evitar temas excessivamente conflitivos (o aborto, por exemplo) e a aceitar alianças duvidosas e supostamente "necessárias".
Como chegamos a essa perda de contraste na vida pública e cultural?
Segundo Panarari, a burguesia ganhou a luta pela hegemonia jogando a carta do prazer: "Na década do hedonismo reaganiano, todos se convenceram, de repente, que estava na hora de divertir-se. Palavra de ordem: "Queremos folgar" e, por favor, evite-se empestar a existência, de qualquer maneira que seja, com política, cultura, economia e todas essas "coisas" assimiláveis a preocupações e aborrecimentos". Conclusão: a subcultura hedonista da fofoca é o novo ópio do povo.
Concordo (um pouco) com essa visão apocalíptica da cultura dominante. Mas discordo da ideia de que a subcultura da fofoca seja a invenção vitoriosa de uma classe específica.
Ela é, ao meu ver, uma consequência dos nossos tempos, pela razão que segue. Quando a mídia é de massa, não há mais diferença entre manipuladores e manipulados, pois os próprios manipuladores, expostos à mídia, são manipulados por suas produções. Ou seja, progressivamente, todo o mundo pensa as mesmas trivialidades.
É o feitiço que enfeitiça o feiticeiro.

Texto de Contardo Calligaris, na Folha de São Paulo, de 19 de agosto de 2010.


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sexta-feira, agosto 20, 2010

Campeões da Libertadores, de novo


Campeões da Libertadores, de novo

Só me dei conta que o Internacional poderia ser campeão da Copa Libertadores da América novamente agora, a primeira vez foi em 2006, quando o time passou pelo São Paulo, ou seja após a semifinal, e quando percebi um aumento nas visitas a este blog, se direcionando às postagens relacionadas à conquista de 20061.

Então, quando me dei conta, o Internacional já estava classificado para o Mundial Interclubes de 2010, que deverá acontecer em dezembro no emirado de Abu Dhabi, um dos Emirados Árabes Unidos. Mesmo que o Inter não tivesse sido campeão, o time do Chivas Guadalajara, do México, não poderia ser representante da Conmenbol, a Confederação de Futebol da América do Sul, porque o Chivas é vinculado à Concacaf, Confederação de Futebol das Américas do Norte e Central e países do Caribe. Os times mexicanos jogam na Copa Libertadores da América como convidados.

Quando me dei conta, já era hora de torcer e conferir as duas partidas da final da Libertadores pela televisão. Inclusive, talvez, com algum favoritismo.

Acho que a minha desatenção não foi à toa. O Internacional fez uma campanha periclitante com diversas derrotas ao longo do caminho, e grande sofrimento para o torcedor. O sofrimento foi mais evidente na semifinal contra o São Paulo, com o time podendo ser desclassificado até o último minuto da partida2, e nas quartas-de-final, quando o Inter superou o Estudiantes, time argentino campeão do torneio em 20093, sendo que contra o Estudiantes, em La Plata, Argentina, o Giuliano “achou” um golzinho aos 43 minutos do segundo tempo que permitiu ao Inter passar de fase. Foram ambas as classificações “com as calças na mão” como diria alguém.

As duas partidas da final tiveram sua carga de sofrimento, mas foram suaves comparadas às quartas e à semi. Chivas Guadalajara 1 x 2 Internacional, em Guadalajara, México; Internacional 3 x 2 Chivas Guadalajara.

Somos Campeões da América. De novo! A América é vermelha! De novo!



Crédito da foto: Heuler Andrey/Agif/Folhapress - na Folha de São Paulo.



1Alguns linques acessados: “Não me acordem” - texto do Luís Fernando Veríssimo; ou “Emanuel Neves”, em que tento dizer alguma coisa sobre o jornalista e poeta torcedor apaixonado pelo Internacional, que por sua vez escreveu “Súplica à América”.

2Resultados: Internacional 1 x 0 São Paulo, em Porto Alegre; São Paulo 2 x 1 Internacional, em São Paulo.

3Semelhantemente ao que aconteceu com o São Paulo: Internacional 1 x 0 Estudiantes, em Porto Alegre; Estudiantes 2 x 0 Internacional, na cidade de La Plata.

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Infográfico: A História da Internet






Visto no Gizmodo Brasil.

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quinta-feira, agosto 19, 2010

De Novo, a América é Vermelha

segunda-feira, agosto 16, 2010

Já tem leitor eletrônico na Livraria Cultura

Já tem leitor eletrônico na Livraria Cultura


Este final de semana, estive na Livraria Cultura, para uma breve visita. Eu gosto de visitar livrarias.

Foi uma breve visita, pois cheguei pouco antes do horário do fechamento da loja. Contudo, quando eu estava saindo, vi uma referência ao leitor eletrônico (“e-reader”) da Positivo Informática, chamado “Alfa”. Pela referência, o tal leitor deveria estar disponível na loja. Voltei para a loja em busca dele. Não o achei. Tive que perguntar a um dos atendentes da loja, se ele já estava disponível ali. Estava.

O atendente me levou a uma das estantes, à qual eu não havia prestado atenção, e me mostrou uma caixa lacrada, com o dispositivo eletrônico para leitura de livros em versões de arquivos digitais. O dispositivo estava lá. O atendente da loja começou a me falar das coisas boas do aparelho, inicialmente me perguntando se eu já tinha ouvido falar do Kindle, da Amazon. Sim, eu já havia. O aparelho da Positivo possui o mesmo propósito, isto é, possibilitar a leitura de livros em formato de arquivo digital, e no caso da Livraria Cultura, o dispositivo já vem com um livro de brinde: O Príncipe, de Maquiavel, em versão eletrônica da Penguin / Companhia das Letras. Ele possui uma memória de 2 Gb, com capacidade para armazenar 1.500 livros. E eu fiquei pensando quanto tempo eu levaria para ler 1.500 livros. Ainda mais que costumamos ler um de cada vez, se bem que há algumas pessoas mais geniais que leem 3 ou 4 de cada vez, mas acho que são exceções. Afora isso, a memória do aparelho ainda pode ser expandida com cartões de memória, ou seja, que tal carregar 3.000 livros para onde você for?

Mas, pelo menos, no leitor eletrônico, seria mais fácil carregar 1.500 ou 3.000 livros; ele pesa menos de 300 gramas, o que talvez seja o peso de UM livro com umas 200 a 300 páginas. Imagine o peso de carregar 1.500 ou 3.000 livros em papel!

Segundo o atendente, uma carga de bateria pode durar até 20.000 viradas de página, isto é, uns 200 daqueles 1.500 livros que você pode carregar, ou até 20 dias, se você não usá-lo (ficar em “stand by”, conforme o atendente falou). Num caso assim, eu imagino que depois de ler uns 10 livros, você queira variar, ler um livro de papel, e deixar a máquina de ler um pouco de lado. Se você ler este livro em papel em menos de 20 dias, ainda poderá retomar a máquina, sem que precise de uma nova carga.

Aí eu cheguei na parte complicada. Perguntei quanto custava o produto. “699 reais”, me respondeu o atendente. Não pude deixar de pensar que era um pouco caro. Mas é possível parcelar em 5 vezes!

Infelizmente não havia um modelo em exposição passível de ser manuseado, o “hands-on”, como o pessoal vidrado em tecnologia gosta de dizer, enquanto eu estava ali. Há um disponível na loja, mas estava em outro setor. Como eu disse, cheguei muito perto do horário da loja fechar, e certamente eu não iria comprar o tal aparelho naquele momento. Poder experimentar o aparelho, ler e “virar páginas” com ele, para ver se de fato, um leitor eletrônico pode também ser uma muito boa experiência vai ficar para um outro dia.


O tempo de duração da carga de bateria parece ótimo, comparado com “notebooks” e “netbooks”. E o aparelho promete se compatível com a multidão de arquivos tipo “txt” e “pdf” que estão disponíveis na Internet, a começar pelo sítio Domínio Público. A máquina me gerou boas expectativas, embora o preço me deixe reticente...



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Tony Judt

Tony Judt


SÃO PAULO - Tony Judt era (ou é) um dos maiores intelectuais da atualidade. A frase soa batida e talvez não dê conta da dimensão pública do historiador britânico, morto na sexta-feira, aos 62 anos.
Três de seus livros estão traduzidos: "Passado Imperfeito" (1992), sobre a atração fatal da intelectualidade parisiense pelo comunismo nos anos que se seguiram à libertação da França, em 1944; "Pós-Guerra: uma História da Europa desde 1945" (2007), que é sua obra monumental; e "Reflexões sobre um Século Esquecido" (2008), reunião de ensaios que pingaram nas últimas duas décadas em publicações como a "New York Review of Books".
São textos excepcionais, escritos com estilo e clareza exemplar. Vários deles cuidam dos intelectuais e da sua relação, tantas vezes de omissão ou cumplicidade, com os horrores do século 20.
Em "Eric Hobsbawm e o Romance do Comunismo", Judt elogia a "fama bem merecida" do colega, "o historiador mais dotado do nosso tempo". Mas lembra que, "para fazer algum bem no novo século, temos de começar por dizer a verdade sobre o anterior"; e Hobsbawm "de certa forma dormiu durante o terror e a vergonha de sua época".
Não imagine por isso que Judt seja um entusiasta do livre-mercadismo. Não mesmo. Ele não hesita em tratar o marxismo como uma fantasia -"uma combinação de descrição econômica, prescrição moral e previsão moral" sedutora-, mas permanece no campo da esquerda.
Sua perspectiva é a social-democracia, ainda que reconheça que hoje ela tenda a se confundir com a "ala avançada do liberalismo de mercado reformista". Judt é um pensador agudo, sutil e antidogmático, jamais obscuro ou panfletário.
Talvez por isso tivesse humor para dizer: "Fora da universidade, sou visto como um comunista judeu, esquerdista e louco que se odeia; dentro da universidade, me veem como um elitista branco, liberal e antiquado". Intelectuais como ele fazem diferença. E falta.


Texto de Fernando de Barros e Silva, na Folha de São Paulo, de 9 de agosto de 2010.


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sábado, agosto 14, 2010

Indochina

O texto abaixo foi escrito para uma disciplina da faculdade de História.

30/06/2010.

Indochina

Este texto quer ser um pequeno comentário sobre o filme Indochina, produção francesa de 19921, procurando analisá-lo contra alguns textos de história que constam na bibliografia. Indochina foi um filme produzido em 1992 na França, que tenta reconstituir a vida de latifundiários colonos franceses na então Indochina Francesa, nos anos 1930. O filme demonstra a exploração dos trabalhadores locais pelos colonos franceses numa cultura de seringueiras. Também mostra como vai se estruturando o movimento de resistência, que por fim resultaria na independência do Vietnã, em 1954.

Desde que foi criado há pouco mais de cem anos atrás, o cinema estabeleceu uma profícua parceria com a História. Na ponta mais evidente desta parceria, o cinema foi muitas vezes buscar na História, a base para seus roteiros, para as histórias que queria contar. Mas não só isto. Por exemplo, já faz alguns anos, professores e alunos da Faculdade de História da UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul tem produzido cursos de extensão de ciclos de cinema, em que são usados filmes para que se possa debater a História por trás do filme. Tanto a história relatada pelo roteiro do filme, quanto a história envolvida na época da produção da obra cinematográfica. No ano de 2010, o ciclo se chamou “USA, não ABUSA – os Estados Unidos da América em Tempos de Guerra”. Em 2009 o ciclo foi “A prova dos 9 – A História Contemporânea no Cinema”. O professor Cesar Guazzelli tem algumas palavras sobre História e Cinema, no livro que resultou do ciclo de 2009:

Numa certa maneira, podemos pensar em relação à ficção produzida pelo Cinema como aquela que nos traz a Literatura, ou seja, exigimos às obras produzidas num e noutro caso uma relação com a “verdade”. (...) Um bom filme, portanto, passaria também pelo critério de uma presumível veracidade. Se esta é uma discussão da qual não podemos simplesmente fugir, nos importou mais na seleção (...) a capacidade de reflexão e crítica que um filme ensejava do que propriamente um “retrato fiel” do passado. Portanto, interessa-nos prioritariamente o “contexto” em que foi gerado um determinado “texto”, e quem faz esta relação é necessariamente um autor.”2

Claro que isto nos leva para a discussão sobre as possibilidade de manutenção da “verdade”, e das relações entre História e Ficção (e Ficção inclui tanto a literatura quanto o cinema). E, se é certo que o historiador não pode descrever a “história tal qual aconteceu em seu todo”, ele certamente mantém um compromisso com a verdade, na medida em que as evidências sob sua análise lhe indiquem o que aconteceu na História. O ficcionista não tem esta preocupação, embora possa usar algum fato histórico como base para alguma narrativa que queira contar3. Mas é certo que historiadores e cineastas se propõem a criar narrativas, sendo que os primeiros tem mais compromisso com a verdade que os segundos. E ambos se propõem a recriar histórias. O historiador tenta recriar o passado a partir de suas fontes. O cineasta reconstruindo fatos que já aconteceram, com a capacidade de ilusão do cinema4.

Talvez seja Marc Ferro5 o historiador que mais popularizou o trabalho com cinema, e o que mais se destacou em propor metodologias para trabalhar com os filmes. E ele comenta que os historiadores a princípio relutaram em usar o cinema como objeto de sua análise. Contudo, acabaram por usá-la, e isso seria inescapável.

Este texto procurou trabalhar com o filme Indochina para buscar uma análise um pouco mais social da história da Indochina, sob ocupação francesa. O filme tem um recorte muito claro, se ambientando nos anos 1930, na cidade de Saigon, atual Ho Chi Min, e arredores, onde fica a propriedade da família de Eliane (a protagonista do filme, vivida por Catherine Deneuve). O texto é também uma tentativa de escapar das abordagens mais comuns quando se fala de história do Vietnã, que analisam as lutas de libertação nacional contra a França, ou as lutas de unificação e contra a ocupação dos Estados Unidos, após a libertação da França. Estas abordagens mais comuns invariavelmente acabam por falar de grandes homens (o líder Ho Chi Min, ou o general Giap, por exemplo6) ou de grandes batalhas (como Dien Bien Phu, onde a França sucumbiu e desistiu de tentar lutar contra a independência do Vietnã7). As pessoas acabam por constituir uma massa amorfa ou um assunto sem interesse nesse tipo de narrativa. Não que o filme também não faça esse tipo de “homogenização” dos personagens que não são os principais na narração (a narração do filme gira basicamente em torno de Eliane, sua filha adotiva Camille [Lin Dan Pham], e o oficial da marinha francesa Jean-Baptiste [Vincent Pérez]), mas pelo menos é possível vê-los e tentar analisá-los.

Assim, voltando ao filme, ele começa com um funeral, e a narrativa de Eliane sobre o que estava acontecendo. O funeral é dos pais de Camille, amigos de Eliane, vitimados por um acidente aéreo. Camille é uma menina indochinesa, que Eliane acaba por adotar. Ambas as famílias possuíam vastas propriedades onde cultivavam seringais, para extração de látex. Com a adoção de Camille por Eliane, as propriedades são unidas. Afinal Eliane não tem outros filhos, além de Camille. Tudo viria a ser dela. Nas palavras de Eliane, um tempo em que certas coisas deveriam estar para sempre associadas, como “o mar e a montanha”, “a Indochina e a França”. É uma primeira alegoria do filme. Haverá outras. Neste caso, a adoção de Camille por Eliane simboliza a união da Indochina e da França. Claro que associar esta adoção com a “adoção” da Indochina pela França é uma “liberdade poética” bastante forçada por parte da produção do filme, uma vez que a Indochina foi submetida a ferro e fogo à dominação francesa.

Uma outra alegoria logo se apresenta no início do filme. O pai de Eliane lidera uma equipe de remo formada pelos trabalhadores indochineses de sua fazenda contra uma equipe de marinheiros franceses. A crença da superioridade racial francesa faz com que um oficial da marinha francesa aposte que seus marujos ganharão da equipe formada por trabalhadores indochineses. Mas eles perdem. Mais uma alegoria. Os franceses em nada são superiores aos indochineses, portanto podem ser vencidos (e fatalmente serão).

O filme nos apresenta as condições de trabalho nas fazendas de cultivo de seringais. Elas não são boas. Os funcionários são apresentados de maneira que os aproxima de condições de vida miseráveis. E em um momento a protagonista Eliane aplica castigo físico a um dos trabalhadores, pois, segundo parece ele tentou fugir da fazenda. O que nos remete a situação análoga à escravidão.

E temos Saigon e seu calor. O calor da Indochina é muito presente no filme. E ele é bem real. Recente notícia sobre as comemorações de 35 anos da unificação do Vietnã, realizadas no último dia 30 de abril, informa que os desfiles e manifestações em Ho Chi Min (antiga Saigon) tiveram que se desenrolar entre 6:30 h e 9:30 h da manhã porque este era o horário mais propício. Além das 9:30 h a temperatura tende a se tornar quase insuportável para atividades físicas realizadas ao ar livre8.

Num leilão, Jean-Baptiste conhece Eliane. Ele quer adquirir uma peça que ela também quer. E ela tem muito mais poder financeiro que ele para adquirir a tal obra. Mas ela não cede a peça a ele. Dias mais tarde, por força de uma questão de consciência dele, Jean-Baptiste aparece na propriedade de Eliane. Entre eles surge uma explosiva relação amorosa, que se prenuncia ruinosa para ambos. Ruinosa mas irresistível, como num bom drama.

Num outro incidente é Camille quem virá a conhecer Jean-Baptiste. Ela caminha com colegas do colégio católico francês para meninas por uma rua por onde são transportados prisioneiros. Dois dos prisioneiros tentam fugir, mas são abatidos a tiros pelos policiais que os escoltam. Um dos prisioneiros cai por cima de Camille que desmaia de susto. Ela é retirada da rua por Jean-Baptiste que passava por ali. E, como adolescente, acaba por se apaixonar por ele.

Quando Eliane descobre que Camille está apaixonada por Jean-Baptiste, ela arranja junto aos oficiais da marinha francesa para que ele seja transferido para um posto no norte da Indochina, Haiphong (Haiphong é um porto no norte do Vietnã).

Camille toma um casamento de fachada para sair da casa da mãe, mas de fato vai ao norte do país à procura de Jean-Baptiste. Didaticamente é uma jornada em que Camille irá descobrir sua identidade vietnamita, a realidade de seus concidadãos, e a realidade do imperialismo francês. Em seu caminho ela passa pela construção de uma linha ferroviária, com mão-de-obra indochinesa semi-escrava. Ali Camille encontra uma família que foge do trabalho na construção da ferrovia, mas não tem alternativa de sustento em sua própria aldeia. Precisa ir ao norte, à Haiphong, onde camponeses se apresentam à traficantes de mão-de-obra, para trabalhar nas culturas do sul. Um dos personagens do filme chama este evento, mensal, de “feira dos escravos”. É ali que Jean-Baptiste reencontrará Camille. E a abraçará. Um abraço entre um francês e uma indochinesa é um ultraje para os franceses ali presentes, que consideram a manifestação de carinho um mau exemplo para os camponeses que deverão ir para o sul. Além disso, Camille descobre que a família que ela acompanhara até Haiphong foi morta. Segundo os franceses ali, a família participou “da promoção de um motim” entre os camponeses indochineses. O incidente se avulta a tal ponto que Camille pega um revólver, e mata um oficial francês ali. Jean-Baptiste e Camille fogem. Ele deserta. Acabam sendo encontrados por membros da resistência vietnamita do extremo norte do país. E se juntam à esta resistência. Camille engravida de Jean-Baptiste. Eles se juntam a uma célula da luta anti-imperialista que se traveste de saltimbancos que vão de aldeia em aldeia no norte do país. Nas aldeias, estes “saltimbancos”(isto é, guerrilheiros disfarçados) vão procurando eliminar a elite mandarim que foi cooptada pelos franceses, e servia de intermediária entre os franceses e os camponeses.

Camille dá a luz a um menino. Quando Jean-Baptiste se afasta um pouco do grupo para batizar o filho é preso por soldados franceses. Camille foge. Com a prisão de Jean-Baptiste, o filho dele e de Camille é entregue a Eliane.

Posteriormente Camille também é presa, e vai parar em Poulo Condor. Poulo Condor é uma colônia de trabalhos forçados, onde de fato foram presos muitos indochineses pró-independência9. De lá sairá para renunciar a seus laços familiares, e se engajar a fundo na luta pela independência do Vietnã. E aqui há outra alegoria. O rompimento de Camille e Eliane é sinal do rompimento do Vietnã com a França.

Diante da resolução de Camille, Eliane resolve vender as propriedades da Indochina e mudar-se para a França, levando consigo seu novo filho adotivo, o filho de Camille e Jean-Baptiste. Ela que no início do filme havia dito que não conhecia a França. Nunca havia saído da Indochina.

Há muitos elementos reais no filme. Já citamos as precárias condições dos camponeses, que se submetiam a se tornar mão-de-obra barata e semi-escrava nas mãos de colonos franceses, ou mesmo de alguns indochineses ricos e cooptados. Os colonos podem bem ser aquilo que deles diz Panikkar, “persuadidos que a dominação européia, mediante uma hábil união de firmeza e conciliação, poderia ser prolongada indefinidamente”10. Esta é madame Eliane Devries.

Da fato, a França promoveu alguns cultivos no Vietnã. Além do milenar arroz, a seringueira, e em menor escala o café e o chá11. Seringueiras eram o cultivo principal nas fazendas de Eliane Devries.

As lutas pró-independência do Vietnã parecem bem representadas. O mesmo Panikkar fala do “terrorismo como método”12, assim como Ruscio fala de insurreições13. Ambos (terrorismo e insurreições) reprimidos com mão pesada pelas autoridades coloniais francesas enquanto estas tiveram força para reprimir.

Dito tudo o que foi dito, voltamos à questão sobre cinema e história. O filme serve como aprendizado da história? Sim e não. Sim, se junto com o filme o espectador tem acesso a outras obras, estas sim “de história”, que lhe dêem um quadro histórico adequado, onde ele possa apreciar, ou criticar, as recriações que o filme faz. Não, pois o filme não foi produzido com o fim específico de ensinar história, mas para distrair a multidão de espectadores que se dispuserem a assisti-lo. Distração, emoção... Estes são os motivos do filme. Filme este que inclusive alguns poderão pensar que é saudosista em relação ao passado colonial francês.

Bibliografia:

A BELA da selva. Veja, São Paulo, Edição 1.281, Ano 26, n. 13, p. 101, 31 de março de 1993.

ALTMAN, Breno. Vietnã celebra 35 anos da vitória contra os EUA. Disponível em <http://operamundi.uol.com.br/materias_ver.php?idConteudo=3881>. Acesso em 30/04/2010.

BROCHEUX, Pierre. O Colonialismo Francês na Indochina. In: FERRO, Marc. O Livro Negro do Colonialismo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.

DELMAS, Jean. Indochina 1946-1950: As Raízes da Guerra. História Viva. São Paulo, Ano II, n. 15, p.62-71, janeiro 2005.

FERRO, Marc. O filme, uma contra-análise da sociedade? In: Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p.79-115 [especialmente p.79-88]. [1a. ed. francesa: 1977; o texto em questão é de 1971]. Disponível em <http://www.anpuh-sc.org.br/ferro1_cinema_historia.pdf>. Acesso em 24/06/2010.

GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. História e Cinema, Noves fora? In: GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos [et al] (Org.). A prova dos 9: A História Contemporânea no Cinema. Porto Alegre: Suliani Letra e Vida; EST, 2009.

INDOCHINA. Direção: Régis Warginier. Roteiro: Catherine Cohen, Louis Gardel, Erik Orsenna e Régis Warginier. Intérpretes: Catherine Deneuve, Vincent Pérez, Lin Dan Pham e outros. Drama, 156 min. França, 1992.

INDOCHINA. IMDB - The Internet Movie Database. Disponível em <http://www.imdb.com/title/tt0104507/>. Acesso em 21/06/2010.

PANIKKAR, K. M. O Sudeste Asiático. In: PAKIKKAR, K. M. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

RODRIGUES, José Alfredo. Joana d'Arc na Peça Henrique VI, de Shakespeare. Porto Alegre: UFRGS, 2008. Monografia.

RUSCIO, Alain. Vietnã: Um Século de Lutas Nacionais. In: FERRO, Marc. O Livro Negro do Colonialismo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.

VIETNÃ. In: Grande Enciclopédia Delta Larousse. São Paulo: Nova Cultural, 1998. V. 24, p. 5945-48.

1Ver Indochina (1992) na bibliografia.

2Guazzelli (2009). P. 10.

3Desenvolvo um pouco desta discussão em meu trabalho de conclusão. Ver Rodrigues (2008). P. 7 e seguintes.

4E aqui estamos falando em filmes que busquem reconstruir o passado de alguma maneira. Obviamente uma obra de ficção científica narrando uma aventura no espaço sideral não é o caso aqui.

5Ferro (1992).

6RUSCIO (2004). p. 435.

7VIETNÃ (1998). p. 5947.

8ALTMAN.

9Brocheux (2004). P. 417.

10Panikkar (1977). P. 221.

11Brocheux (2004). P. 406.

12Panikkar (1977). P. 221.

13Ruscio (2004). P. 433, 434.


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Morre o historiador Tony Judt

Aos 62, historiador britânico Tony Judt morre nos EUA

Ele sofria desde 2008 de doença neuromuscular progressiva que deixou seu corpo paralisado

Intelectual conhecido pelo livro "Pós-Guerra - Uma História da Europa desde 1945" se manteve ativo até o fim da vida

DE SÃO PAULO

O historiador britânico Tony Judt, 62, autor de "Pós-Guerra - Uma História da Europa desde 1945", morreu na última sexta-feira, segundo nota divulgada ontem pela Universidade de Nova York, onde Judt lecionava.
O historiador -provavelmente o principal intelectual social-democrata em atividade- lutava desde 2008 contra uma esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença neuromuscular progressiva que em poucos meses resultou na paralisia de seu corpo.
Conhecido como doença de Lou Gehrig -em alusão ao jogador de beisebol que morreu aos 37 anos da enfermidade-, o mal provoca a morte das células nervosas. "A ELA constitui uma prisão progressiva sem condicional", escreveu ele, em janeiro, na "The New York Review of Books".
Judt respirava com a ajuda de aparelhos, mas manteve-se ativo, publicando artigos e livros que atacavam o pensamento conservador e a crescente desigualdade econômica na Europa e nos EUA. Formado em instituições-símbolo da academia europeia -a Universidade de Cambridge e a Escola Normal Superior, em Paris-, Judt lecionou em universidades americanas durante a maior parte de sua carreira.
Nascido em Londres, de família judia, foi partidário da política israelense quando jovem. Mas ficou conhecido por críticas à política externa americana, ao futuro da Europa e a Israel.
Em 2006, envolveu-se em uma polêmica ao declarar que "Israel é hoje ruim para os judeus".
Nas palavras do "New York Times", Judt falava "verdades mal-educadas" que despertavam tanto admiração quanto críticas de outros intelectuais. Judt morava em Manhattan, era casado e pai de dois filhos, de 15 e 12 anos.

OBRAS
Sua carreira foi marcada por opiniões contundentes e críticas aos discursos políticos hegemônicos. Dois de seus livros, lançados no Brasil em 2008, defendem ideias polêmicas. Em o "Passado Imperfeito" (Nova Fronteira), acusa intelectuais franceses do pós-Guerra de fazerem vista grossa às perseguições cometidas pelo comunismo.
Já em "Pós-Guerra" (ed. Objetiva), Judt critica Israel por esvaziar o significado do Holocausto. Com quase 900 páginas, o livro faz um denso panorama da história europeia contemporânea.
Seu livro "Reflexões Sobre um Século Esquecido" foi lançado em maio no Brasil. "Ill Fares the Land", sua última obra, ainda é inédita em português.

A DOENÇA
Em texto publicado no caderno Mais! em 10 de janeiro, o historiador descreve a percepção progressiva da doença no próprio corpo.
"O que é diferente na ELA é, em primeiro lugar, que não há perda de sensação (uma bênção dúbia) e, em segundo, que não há dor."
"Em comparação com quase todas as outras doenças graves ou mortais, ficamos à vontade para contemplar tranquilamente e com mínimo desconforto o avanço catastrófico de nossa própria deterioração."
A tecnologia tem ajudado as vítimas da doença, que progride com rapidez diferente em cada paciente. O físico britânico Stephen Hawking, também portador da ELA, consegue trabalhar e se comunicar graças a softwares desenvolvidos no Vale do Silício (EUA).

Notícia publicada na Folha de São Paulo, de 8 de agosto de 2010.


Judt preencheu vazio intelectual no pós-Guerra Fria

CLAUDIA ANTUNES
DO RIO

Apesar de ter iniciado carreira acadêmica nos anos 70, Tony Judt emergiu como intelectual público no final dos anos 80 e só em 1993 publicou seu primeiro artigo na "New York Review of Books", da qual se tornaria colaborador frequente.
O fato de ter sido desde sempre um social-democrata -e ao mesmo tempo conhecedor profundo das tradições marxista e conservadora europeias- permitiu que ele ocupasse um lugar de ponta no questionamento da euforia livre-mercadista dos anos 90, quando parte da esquerda ainda se debruçava sobre os escombros do Muro de Berlim.
Judt destacou-se pela crítica da predominância do cálculo econômico na definição das políticas públicas.
Costumava lembrar que os elos de responsabilidade coletiva forjados pelo Estado de bem-estar representaram um antídoto contra o risco autoritário de direita e de esquerda nas democracias de massa no século 20 - risco que temia ser esquecido.
Nos EUA, onde vivia há 23 anos, Judt marcou distância da arrogância resultante do excesso de poder que se seguiu à vitória do país na Guerra Fria.
Em 2006, pondo em questão o discurso renovado da "missão civilizatória" ocidental, cobrou dos americanos uma revisão do seu próprio histórico de apoio a ditaduras e massacres no antigo Terceiro Mundo.
Mas ele era um polemista nem sempre previsível, e não se enquadrava em grupos políticos ou correntes acadêmicas -embora tivesse a ambição de transmitir em sua obra um "quadro amplo" da história, como o também britânico Eric Hobsbawm, cujo trabalho admirava, mas de quem divergia.
Diferentemente de outros intelectuais que basearam sua trajetória na crítica ao stalinismo, como Bernard-Henri Lévy e Christopher Hitchens, Judt não aderiu à cruzada contra um suposto "fascismo islâmico" no pós-11 de Setembro.
Chamou de "idiotas úteis de [George W.] Bush" os progressistas que endossaram a "guerra ao terror".
Mas antes disso apoiou as intervenções da Otan (aliança militar ocidental) nos Bálcãs quando da dissolução da antiga Iugoslávia, distanciando-se de expoentes da esquerda anti-imperialista, como Noam Chomsky.
"Não acredito que deveríamos ter regras morais que se apliquem a tudo para a ação política internacional. A política diz respeito ao possível", disse à revista "Prospect".

Texto também da Folha de São Paulo. Se bem que eu acho meio forte falar em "vazio intelectual do pós-guerra fria".

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quarta-feira, agosto 11, 2010

Google informa que o mundo tem 130 milhões de livros publicados

A notícia é da Folha de São Paulo.

Para mim é um alívio. Eu imaginava que os livros publicados fossem mais de um bilhão. Mas ainda acho que o número deve ser pelo menos duas vezes maior, pois o texto da Folha não comenta sobre obras disponíveis on-line, que poderiam ser assemelhadas a livros (por exemplo, monografias, dissertações e teses acadêmicas).

Em todo, fica a dúvida: quem conseguiria ler 130 milhões de livros?


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segunda-feira, agosto 09, 2010

O mito da ciência infalível

O mito da ciência infalível

Por meio da ciência, descobrimos não apenas o que não sabíamos, mas o que pensávamos saber, porém desconhecíamos. Algo que durante muito tempo pode ter sido aceito como verdade autoevidente -que a Terra é plana, por exemplo- pode ser exposto como mito.
O que é fácil deixar de levar em conta é que mesmo a ciência nem sempre sabe o que pensa saber. O mito, sob a forma de especulações teóricas, é a argamassa que aglutina muitos dos tijolos das descobertas científicas.
Ou, poderíamos dizer, é a matéria escura que aglutina o universo do conhecimento científico.
É claro que a própria matéria escura constitui um exemplo de "mito" científico. Embora sua existência ainda seja apenas especulada, cada vez mais ela é dada como algo factual.
Mas existe outro mito que se faz passar por fato há tanto tempo e tão bem que a maioria de nós nem sequer pensaria em questioná-lo: a gravidade. Quem pensaria que há dúvidas em relação a algo que parece ser confirmado simplesmente pegando-se uma maçã na mão e deixando-a cair?
Mas, como informou o "New York Times", um respeitado físico holandês declarou que a gravidade é uma ilusão. "A gravidade não existe", disse Erik Verlinde.
É claro que não há dúvida de que os objetos na Terra caem e que ganham velocidade ao longo de sua queda. Mas uma força chamada gravidade não é necessariamente a melhor explicação disso. A explicação oferecida por Verlinde é demasiado complexa até mesmo para outros físicos. Mas ele não é o primeiro a atacar a credibilidade de Newton. Stephen Hawking já tentou fazê-lo e, antes dele, Einstein.
Menos surpreendentes, talvez, sejam os ataques lançados contra a teoria da evolução. Contudo, excetuando setores conservadores que defendem o desígnio inteligente, geralmente se presume que a ideia original de Darwin tenha sido plenamente confirmada.
Uma das demonstrações mais curiosas dessa ideia é a forma surpreendente pela qual certas espécies imitam a forma e coloração de outras. O "Times" noticiou um exemplo disso entre lagartas e crisálidas na Costa Rica.
Mas essa imitação aparentemente mágica se coaduna mal com a ideia de que teria sido produzida, conforme Darwin propôs, por uma série demorada de mutações aleatórias e pequenas que, por mero acaso, auxiliaram a propagação dessas espécies.
O verdadeiro mecanismo que a desencadeou, e como ele se ajusta e aperfeiçoa a imitação, ainda é algo que a ciência pode aparentar saber, mas que, na realidade, ela desconhece.
O fato de a ciência desconhecer uma coisa particular pode causar perplexidade. Quem diria que cientistas não sabem realmente como as aves pequenas migram, como percorrem distâncias tão grandes e a frequência com que precisam parar? Segundo o "Times", pesquisadores que empregaram novas tecnologias para rastrear aves se espantaram ao descobrir que, como a maioria de nós, muitas delas preferem fazer voos sem escalas.
Evidentemente, os cientistas são positivistas. Não gostam de chamar a atenção à "matéria negativa" feita da imensidão das brechas em seu conhecimento. E isso nos permite viver como se a ciência iluminasse nosso caminho mais do que de fato ilumina.
Talvez seja hora de algum Carl Sagan da ignorância científica apresentar-se com um livro sobre o tema dos bilhões e bilhões de coisas que a ciência, surpreendentemente, ainda desconhece.
Seria um projeto que poderia terminar com algo que até mesmo os cientistas concordam que dificilmente chegarão a saber algum dia: o porquê de existir algo em lugar de nada e, é claro, a finalidade ou o significado de tudo isso.
CARLOS CUNHA

Do The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo, de 2 de agosto de 2010.


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quarta-feira, agosto 04, 2010

Ainda sobre as flores nas ruas de Porto Alegre

Segundo informações da prefeitura, disponíveis na Companhia de Processamento de Dados do município, a planta mais recorrente na arborização das ruas de Porto Alegre é mesmo a extremosa. A plantinha de origem indiana, com suas florezinhas cor-de-rosa, se adaptou bem mesmo à nossa cidade.

Depois da extremosa, a maior ocorrência é do ligustro, uma árvore que possui uma discreta floração amarela, e que, nos informa a Wikipédia, é originária da China.

Sempre segundo a prefeitura, o terceiro lugar fica para o jacarandá. Mais especificamente o jacarandá mimoso (“Jacaranda mimosiifolia”) com suas flores entre cor-de-rosa, roxo e púrpura. Curiosamente é só na terceira colocação que temos uma planta “nativa” a arborizar nossas ruas.

Antes de fazer esta pequena pesquisa, a partir da minha curiosidade ao observar flores, eu nunca poderia imaginar que o extremo oriente pudesse estar presente de forma tão forte aqui em Porto Alegre, este arrabalde do mundo.


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Para onde vão os dias que já passaram?